O ex-presidente conservador da França Jacques René Chirac morreu hoje de manhã aos 86 anos, anunciou a família. Numa carreira política de 40 anos, foi secretário de Estado do Emprego em 1967, eleito deputado nove vezes e ministro sete vezes, inclusive da Agricultura, do Interior e para Relações com o Parlamento, prefeito de Paris por 18 anos, duas vezes primeiro-ministro e presidente da República por dois mandatos, de 1995 a 2007.
Chirac foi o último grande líder do gaullismo, a corrente política liderada pelo general Charles de Gaulle, grande herói da França na Segunda Guerra Mundial e principal líder político do país na segunda metade do século 20. O presidente Emmanuel Macron o descreveu como um grande homem que levava no coração um grande amor pela França.
Com sua grande longevidade política, foi produtivista no Ministério da Agricultura, chefe de um governo ultraliberal, defensor do desenvolvimento sustentável, do movimento antiglobalização e da luta contra o aquecimento global: "Nossa casa está pegando fogo e olhamos para o outro lado."
Também foi o primeiro presidente a reconhecer a responsabilidade do Estado francês pelo Holocausto, especialmente pela chamada Rusga do Velódromo de Inverno, durante a ocupação da França pela Alemanha nazista.
Em 16 e 17 de julho de 1942, 13.152 judeus, um terço deles crianças, foram detidos em Paris e arredores. Destes, 8.160 foram levados para o Velódromo de Inverno. Ao todo, menos de cem sobreviveram à deportação para campos de concentração.
Só em 16 de julho de 1995, o presidente Chirac decidiu que era hora da França reconhecer sua participação. Afinal, admitiu Chirac, "450 policiais franceses, autorizados por seus chefes, atenderam às exigências dos nazistas". Ao todo, 76 mil judeus foram enviados da França para campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
No mesmo Velódromo de Inverno, em 16 de julho de 2017, o atual presidente francês, Emmanuel Macron, denunciou o revisionismo histórico que tenta eximir a França de responsabilidade pelos atos cometidos pelo governo colaboracionista de Vichy (1940-44), sob a chefia do marechal Philippe Pétain.
Em 1967, Chirac foi nomeado secretário do Emprego do primeiro-ministro Georges Pompidou, sob a presidência de De Gaulle. Depois de romper com os caciques do gaullismo e apoiar o liberal Valéry Giscard d'Estaing contra o socialista François Mitterrand no segundo turno, em 1974, tornou-se o mais jovem primeiro-ministro da França, cargo que ocupou até 1976.
Ele voltaria a chefiar o governo de 1986 a 1988 com a vitória da centro-direita durante a presidência de Mitterrand, inaugurando a chamada coabitação entre um presidente de esquerda e um primeiro-ministro de direita. Repetiria a experiência como presidente com o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin de 1997 a 2002.
Naquele ano, assediado por denúncias de corrupção, Chirac se reelegeu presidente com 80% dos votos porque foi para o segundo turno contra o neofascista Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional. Numa supresa para o mundo inteiro, Le Pen vencera no primeiro turno o primeiro-ministro Jospin, desgastado pelas políticas de austeridade fiscal introduzidas para qualificar a França para a união monetária europeia.
No ano seguinte, a França e a Alemanha lideraram a resistência no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra a invasão dos Estados Unidos ao Iraque para derrubar Saddam Hussein.
Vítima de um acidente vascular cerebral em setembro de 2005, Chirac perdeu a liderança do movimento gaullista para seu ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que seria seu sucessor na Presidência da França, de 2007 a 2012.
Em dezembro de 2011, no fim de um processo em que não foi aos tribunais por motivo de saúde, foi condenado a dois anos de prisão com direito a suspensão da pena num escândalo de emprego de funcionários-fantasmas na Prefeitura de Paris.
Jacques Chirac foi "um espelho das contradições francesas", afirmou em editorial o jornal francês
Le Monde. Sua morte marca o fim de uma era na história da França, da guerra e do pós-guerra, do gaullismo triunfante e declinante, da descolonização, da coabitação de presidentes de um partido com primeiro-ministro de outro, da globalização e do desemprego em massa, da aventura da integração da Europa ao desprestígio da União Europeia, da França que era o paraíso da política hoje convertida em purgatório pelo cerco do movimento dos coletes amarelos ao governo Macron.