O herói da independência do Zimbábue, Robert Mugabe, que governou da independência, em 1980, até ser deposto num golpe do vice-presidente e atual presidente Emmerson Mnangagwa em 12 de dezembro de 2017, morreu aos 95 anos num tribunal em Cingapura.
Em entrevista à televisão pública britânica BBC, Mnangagwa, o Crocodilo, o descreveu como um "ícone da libertação, não apenas do Zimbábue, mas do continente", um herói pan-africano. De sonhador de uma África próspera e independente, Mugabe se tornou o protótipo ditador africano, recluso atrás de óculos escuros.
Nacionalista africano identificado com o marxismo-leninismo e o socialismo nas guerras de libertação nacional dos anos 1960s e 1970s, Mugabe ficou preso de 1964 e 1974.
Livre, foi para Moçambique, onde assumiu a liderança da União Nacional Africana do Zimbábue (ZANU) de 1975 a 1980 na luta contra a ditadura da maioria branca na Rodésia, antiga Rodésia do Sul, antiga propriedade do empresário do imperialismo britânico Cecil Rhodes.
Antes da libertação de Nelson Mandela na África do Sul, em fevereiro de 1991, Mugabe era uma das vozes em defesa dos ideais de unidade do continente, do pan-africanismo, um sonho dos pais da independência da África.
De 1983 a 1987, Mugabe esmagou a União Popular Africana do Zimbábue (ZAPU), de Joshua Nkomo, numa rebelião interna com pelo menos 10 mil mortes, afirmando um poder implacável.
Para manter o poder, em 2000, quando o Movimento pela Mudança Democrática (MDC), de oposição, era favorito para vencer as eleições, Mugabe incitou os negros a invadir as terras dos brancos. Arrasou a economia do país, um dia conhecido como "celeiro da África". Não aplicou o Acordo da Lancaster House, de 1980, pelo qual o Reino Unido se comprometia a indenizar os fazendeiros brancos desapropriados. A produção de alimentou desabou.
O próprio Mandela criticou a "falha trágica de liderança" no nosso vizinho Zimbábue ao não coibir a "violência de africanos contra africanos". Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções internacionais.
A decadência econômica levou à maior hiperinflação do mundo, de 2.000.000% ao ano, que acabou com a moeda do país. Sob vários aspectos, Mugabe poderia ser considerado o pior presidente do mundo. Sua tirania acabou com a economia de um país próspero sem que a cúpula do regime fosse afetada em seus hábitos luxuosos.
Depois de três viagens para tratamento médico em Cingapura, em julho de 2017, a primeira-dama Grace Mugabe, sua segunda mulher, 41 anos mais moça do que ele, pediu a Robert Mugabe para nomear um sucessor. Ele se negou, mas aumentava a sensação entre a cúpula do regime e o comando das Forças Armadas de que um grupo ligado a Grace Mugabe queria tomar o poder.
Mugabe demitiu o vice-presidente Mnangagwa, em 6 de novembro de 2017, dividindo o regime. Com o aval da China, grande financiadora do Zimbábue nos últimos anos, de 13 a 18 de novembro, as Forças de Defesa do Zimbábue se mobilizaram para derrubar seu herói nacional, pai da pátria e fundador do Exército.
Em 19 de novembro, destituído da presidência do partido, entregue a Mnangagwa, Mugabe fez pronunciamento em cadeia nacional de televisão, mas não falou em renúncia. Os deputados do próprio ZANU-PF entraram com pedido de impeachment na Assembleia Nacional e receberam apoio da oposição. Dois dias depois, Mugabe assinou a renúncia.
Durante entrevista, em 15 de março de 2018, Mugabe declarou ter sido vítima de um golpe e considerou o governo Mnangagwa "ilegal e inconstitucional". Viva em prisão domiciliar. Triste fim de um herói convertido em tirano.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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