Em discurso no Salão de Westminster, onde nasceu o Parlamento Britânico, há mais de 900 anos, o presidente Barack Obama apresentou a aliança entre os Estados Unidos e o Reino Unido como uma das mais antigas do mundo, uma "parceria essencial" baseada em princípios, fundamental para o futuro da liberdade.
"Quando reis dominavam o mundo, foram os ingleses que primeiros a exigir controle sobre seu poder através da Magna Carta", declarou, lembrando o que hoje é considerada a primeira constituição, que instituiu o habeas corpus. "Depois, o povo deste país travou uma longa luta para conquistar seus direitos fundamentais."
Várias iniciativas da Inglaterra conquistaram o mundo inteiro afirmou Obama ao falar numa sessão conjunta da Câmara dos Comuns e da Câmara dos Lordes. "Como Churchill disse, a Magna Carta, o habeas corpus, o parlamento e o júri popular são ideias que os ingleses espalharam pelo mundo. É uma obra aberta. Continua na luta contra a escravidão e pelos direitos das mulheres. A luta pela liberdade é universal."
Na visão do presidente americano, "talvez por este motivo poucos países falem com voz mais alta em defesa da liberdade. Somos os aliados que desembarcaram em Omaha", recordou, numa referência à invasão da Normandia pelos aliados em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas a vitória contra Hitler não foi suficiente. Vieram a Guerra Fria e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental: "Com a fundação da OTAN, formamos uma aliança transatlântica que protege nossa segurança há mais de 50 anos. Depois do fim do comunismo, incorporamos países do Leste Europeu na nossa aliança, estabelecemos uma ponte com a Rússia e fizemos a paz nos Bálcãs."
Neste momento, o mundo enfrenta novos problemas decisivos, continuou Obama, "a crise econômica mundial e a ameaça do terrorismo. Estamos retirando nossas forças do Iraque. No Afeganistão, quebramos a força dos Talebã. Demos um duro golpe na Al Caeda matando Ben Laden."
Obama afirmou ainda que, "num mundo em que a prosperidade de uns está ligada à dos outros, precisamos de cooperação". Ele citou a chamada relação especial entre os dois países de essencial, por exemplo, para combater a doença e a fome, e promover o desenvolvimento da África.
"Estes desafios acontececem no momento em que países como China, Índia e Brasil tiram milhões da miséria com benefícios para todos. Muita gente se questiona se esses países representam o futuro e o tempo da nossa liderança passou", falou, reconhecendo que o mundo mudou.
"O momento para nossa liderança é agora, em que nossa aliança democrática pode ajudar a forjar o mundo do futuro. Nossa aliança é essencial para um mundo mais livre e justo. Num momento em que o mundo precisa como nunca de cooperação, somos os grandes catalisadores da ação global", declarou.
Mas a era "em que Churchill e Roosevelt resolviam os problemas do mundo ao redor de uma garrafa de Brandy passou. Temos novas parcerias, precisamos nos adaptar a novas circunstâncias, a começar por nossa liderança econômica. Adam Smith tinha razão: não existe nada melhor do que a liberdade econômica para gerar riqueza, das fábricas de Manchester onde nasceu a Revolução Industrial ao Vale do Silício".
Para manter uma posição destacada "numa economia global que ajudamos a construir, educamos nossos estudantes nas melhores universidades do mundo. Temos de redobrar investimentos em ciência e engenharia. Os mercados às vezes falham. Precisamos de regulamentação para corrigir essas falhas. Essas ameaças não podem mais ser contidas num país. Podem ser globais e gerar violência. Uma crise iniciada em Wall St. afetou o mundo inteiro. Por isso, precisamos de regulamentação. Também precisamos de um meio ambiente limpo e seguro."
Como sempre há riscos, mesmo para quem age com responsabilidade, num recado à oposição republicana e ao eleitorado dos EUA, o presidente defendeu direitos sociais como cobertura univesal de saúde e seguro-desemrprego: "Esse compromisso com a cidadão é causa de nossa liderança mundial."
"Temos de mostrar que é preciso vviver sem poluir, investir em infraestrutura, proteger a segurança dos nossos povos", conclamou. "Nossas duas nações sabem como enfrentar os males deste mundo, nos campos, nas praias e nas cidades. Nossa vitória não era inevitável. Foi resultado da coragem dos nossos povos. Por isso, criamos uma aliança, a Otan, que se baseia no princípio de que um ataque contra um é um ataque contra todos."
Hoje há um inimigo diferente: "Os terroristas mataram em Nova York e Londres. Al Caeda matou milhares de pessoas. Nunca estaremos em guerra contra o Islã, só queremos combater os extremistas. Enfrentamos um inimigo que não respeita a lei mantendo nossos princípios", disse Obama.
Não é bem assim. Os EUA instalaram um centro de detenção para suspeitos presos na guerra do governo George W. Bush contra o terrorismo na base naval de Guantânamo, em Cuba, para lhes negar os direitos garantidos pela Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra. Sequestraram e torturam suspeitos, além de manter centenas presos durante anos sem um julgamento justo.
"Há uma década, o Afeganistão é a principal frente desta batalha, onde os britânicos têm sido aliados. Por causa dos nossos aliados, estamos derrotando os Talebã e virando uma página, transferindo o poder para as forças de segurança locais para que o Afeganistão nunca mais seja refúgio de terroristas", prosseguiu, com um otimismo exagerado, já que os Talebã se recuperaram nos últimos anos e agem em quase todo o país.
Outro problema é a proliferação nuclear: "Por todo o mundo, os países protegem seu material nuclear para que não caia em mãos erradas. Na Coreia do Norte e no Irã, impusemos sanções para conter a proliferação. Enquanto pressionamos outros, devemos fazer nossa obrigação e rumar para um mundo sem armas nucleares", uma promessa que parece mais discursiva do que prática.
"No Sudão, depois de anos de guerra, o Norrte e o Sul se dividiram em paz. No Oriente Médio, queremos segurança de Israel e uma Palestina independência. Devemos de ajudar os pobres a se alimentar, aumentar a assistência médica, apoiar países que combatem a corrupção e espalhar a noção de que os países são mais prósperos quando as mulheres trabalham", continuou Obama.
"Acreditamos não só nos direitos dos estados, mas dos cidadãos. Esses princípios estão sendo testados no Norte da África e do Oriente Médio. Esses movimentos têm apenas seis meses, mas já vimos revoluções democráticas no mundo inteiro. Serão dias difíceis. O populismo pode tomar aspectos negativos", advertiu. "Mas não se enganem. Quando vemos Teerã, Túnis e a Praça da Libertação do Cairo, está claro que as pessoas querem liberdade e o fim da violência".
Os EUA e o Reino Unido, afirmou, "precisam estar ao lado dos que lutam pela liberdade. Precisamos transformar palavras em atos, apoiando as reformas na Tunísia e no Egito para mostrar que liberdade traz prosperidade. Isso significa apoiar direitos universais, fortalecer a sociedade civil e os direitos das minorais."
A "desconfiança surgida num passado difícil" em que as potências ocidentais colonizaram a região é um obstáculo, e esse passado só terminou quando o ditador Hosni Mubarak estava liquidado. "Temos interesse na região, no combate ao terrorismo e para evitar problemas no suprimento de energia. A escolha entre ideias e realismo é uma falsa escolha. A repressão é apenas uma falsa promessa de estabilidade. As sociedades se desenvolvem mais em liberdade."
Em seguida, ele justificou a intervenção militar contra a ditadura do coronel Muamar Kadafi: "Quando começou a rebelião na Líbia, disseram que não tínhamos nada a ver com isso, que a soberania nacional está acima dos direitos universais do homem. Embora não possamos combater todas as injustiças, a comunidade internacional pediu ação e evitamos um massacre na Líbia. Vamos prosseguir humildemente", prometeu.
"A liberdade tem de ser conquistada pelo povo, não pode ser imposta de fora", observou. "Sempre acreditamos que o futuro dos nossos filhos e netos será melhor se os filhos e netos dos outros tiverem mais liberdade. Se falharmos, quem nos substituirá? Que tipo de mundo vai criar?"
"Nossa liderança é essencial para a dignidade humana. Os EUA e o RU são indispensáveis para o futuro pela maneira como definimos nossas nações. Não é uma definição baseada em raça ou em pertencer a um grupo, mas acreditar em ideais como direitos individuais, o Estado de Direito. Por isso, temos incrível diversidade em nossos países. Por isso, as pessoas acreditam que, se forem para os EUA ou para Londres e trabalharem duro, construirão uma nova realidade para si mesmos."
Ao tocar um tema tão delicado explorado politicamente pelos partidos conservadores dos dois países, ele admtiu que "imigração e assimilação criam problemas. Mas num mundo que fica cada vez menor, o exemplo de nossos povos mostra que podemos estar unidos por ideias. É possível que filhos de ex-colônias cheguem a este parlamento e que o filho de um queniano que serviu como cozinheiro do Exército britânico no Quênia esteja aqui como presidente dos EUA".
Essa é a diferença que nos define, argumentou: "Os jovens no Cairo se inspiram em nós. A força de nossas sociedade não vem do tamanho de nossas economias, mas das ideias que difundimos pelo mundo. É isso que forja nossa aliança. [O primeiro-ministro Winston] Churchill e [o presidente] Roosevelt tinham divergências. O que juntou esses dois homens foi não apenas o interesse na vitória no campo de batalha, foi a convicção de lutar pela liberdade".
Quando a Europa for libertada, em 8 de maio de 1945, concluiu, "Churchill disse que o futuro iria se lembrar daquele dia para que diante das maiores adversidades continuemos marchando em frente, juntos e aliados por um mundo mais pacífico, mais próspero e mais justo".