A reforma da regulamentação do sistema financeiro internacional perdeu a força depois do auge da crise de 2008-9, quando os países mais ricos do mundo, reunidos no Grupo dos Vinte (G-20) fizeram grandes promessas que não avançaram, advertiu ontem a economista Ngaire Woods, diretora da Escola de Governo Blavatnik, da Universidade de Oxford. Desse jeito, uma nova crise é inevitável.
Na palestra Governança Global Depois da Crise: caminhando como sonâmbulos para a próxima crise, realizada na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, Woods defendeu regras básicas, não muito ambiciosas por causa da soberania nacional, mas mais eficazes. Ela citou o futuro presidente do Banco Central da Europa, o italiano Mario Draghi, para dizer que é necessária uma cooperação internacional mais estrita e mais efetiva.
"O problema é o que falta: mais informação, mais regras, mais fiscalização, mais instituições?", pergunta a professora, jurista e economista. "Para alguns, é necessário mais governança global. Mas isso é muito mais difícil do que regulamentar a nível nacional. Exige consenso e ação coletiva."
Com a Grande Recessão nos países ricos, o G-20, que incorpora as grandes economias emergentes, se tornou o principal fórum de negociação da reforma do sistema financeiro internacional. A retomada do crescimento trouxe de volta as profundas diferenças de posições entre vários desses países.
Para Woods, os três grandes temas de negociação são:
1. Mais informação e transparência para que os governos e organizações internacionais possam saber o que está acontecendo.
2. Mais e melhores padrões: é o que está sendo negociado pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, o 3º Acordo da Basileia. Foi produzido por entidades governamentais, mas não é de cumprimento obrigatório, ressalva a professora. Os governos não delegaram sua autoridade.
3. Coordenação macroeconômica: as sondagens do Fundo Monetário Internacional seriam fortalecidas, obrigatórias e publicadas. Nenhum país vai querer aparecer na lista da vergonha. Mas há também uma suspeição dos países em desenvolvimento em relação às sondagens do FMI.
A acadêmica observou que "o comércio internacional é governado por tratados internacionais, mas não as finanças. Se houve o mesmo tipo de regras, seria muito mais fácil para a globalização funcionar. Hoje temos um modelo colcha de retalhos de regulamentações nacionais. Um banco internacional precisa de uma regulamentação global, não de 52".
O Comitê de Supervisão Bancária foi criado depois da falência de um banco alemão, em 1974. Mas as regras do 1º Acordo da Basileia só foram feitas depois da crise das dívidas do México, do Brasil e de parte da América Latina, em 1982, e "seu cumprimento não era obrigatório", ressalva Woods.
Em 1991, a falência do Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI) foi a primeira de um banco transnacional, com operações em vários países. Em 1995, foi a vez do Barings, um pequeno banco de investimentos de Londres, "por causa da falta de comunicação entre as bolsas de valores".
Antes de 2008, ainda houve crises na Ásia, em 1997, e o colapso do fundo de investimentos Long-Term Capital Management (LCTM), nos EUA, em 1998.
"Quando a crise acontece, torna visível o custo da má regulamentação", raciocina. "O público paga a conta, e aí vem as promessas dos novos reguladores de que nunca mais vai acontecer. Mas como transformar um imperativo político num processo técnico?"
Na visão de Woods, a abordagem deve ser dupla: informação e regulamentação. "Quem vai ler os relatórios e conferir se as regras foram cumpridas? Isso dificilmente vai levar a uma fiscalização rigorosa."
A questão aqui é "quem vai aplicar as regras? Quem tem mais informação é setor financeiro. Teria de alertar o governo para que aplicasse as normas".
Ela não acredita em padrões adotados voluntariamente: "Costumam ser pouco ambiciosos e superestimar sua capacidade de fiscalização. Mas os governos nacionais vão aceitar padrões rígidos?"
Para a professora de Oxford, "a instituição internacional reguladora precisa de transparência e acesso claro a dados não apenas do setor financeiro, mas da indústria, de pesquisadores e acadêmicos. É preciso delegar autoridade para criar e aplicar as regras, e não excluir nenhum país de fora do G-20".
"O Conselho de Estabilidade Financeira precisa ter regras claras e ser universal", acrescentou. "As reuniões do Comitê da Basileia são consideradas informação reservada. Telefonei para lá e não me disseram nada. Liguei para um amigo no mercado financeiro e ele sabia o dia, a hora e o tema. Quando olho para a arquitetura do sistema, é difícil imaginá-lo fiscalizando rigorosamente."
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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