Quatro anos e meio depois do plebiscito que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e de anos de negociações tensas, as duas partes chegaram a um divórcio amigável para manter as relações comerciais, anunciaram na manhã de hoje, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Os detalhes do documento de 2 mil páginas ainda não foram revelados.
O comércio de bens terá tarifa zero, mas haverá controle na fronteira para dar a certeza de que os produtos estão de acordo com as normas. Já o setor de serviços, que representa cerca de 80% da economia britânica, terá acesso limitado ao mercado europeu.
Para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado pelo Parlamento Britânico, o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais dos 27 países-membros da UE.
"Hoje é um dia de alívio, mas tingido por alguma tristeza", declarou o principal negociador da UE, o francês Michel Barnier. A Europa unida não queria a saída britânica (Brexit), que enfraquece o bloco europeu, mas conseguiu preservar a integridade do mercado comum.
Johnson, o principal líder do movimento pela saída, afirmou que é "um bom acordo para toda a Europa" e repetiu o mantra vazio da retomada da soberania: "Reassumimos o controle do nosso dinheiro, das fronteiras, das leis, do comércio e de nossas águas pesqueiras."
Depois de 47 anos, o Reino Unido deixou em 31 de janeiro o bloco europeu, formado agora por 27 países-membros. O período de transição acaba no fim deste ano. Sem acordo, ficaria fora do mercado com que tem quase a metade de seu comércio exterior, num total de US$ 590 bilhões (R$ 3,056 trilhões) por ano.
Não foi um bom negócio. Com o acordo, a expectativa dos economistas é de uma queda de 4% no produto interno bruto britânico. Sem acordo, a perda seria de 6%, de acordo com as estimativas mais recentes, ou de até 10% em cinco anos, conforme a previsão mais alarmista feita antes do divórcio pelo Banco da Inglaterra, o banco central do Reino Unido.
O plebiscito foi uma promessa de campanha de reeleição do primeiro-ministro David Cameron, em 2015. Seu objetivo era pacificar a guerra civil interna do Partido Conservador em torno da Europa, que vinha desde o fim do governo Margaret Thatcher (1979-90). Cameron não queria sair da UE e não acreditava na derrota.
Falou mais alto a ressaca pós-imperial da ala mais à direita do Partido Conservador, que sempre foi o partido da comunidade de negócios, o delírio de grandeza de um tempo que passou.
A consulta popular foi realizada em 23 de junho de 2016 depois de uma campanha marcada por notícias falsas e promessas mentirosas, por exemplo, de investir mais 350 milhões de libras (R$ 2,471 bilhões) por semana no Serviço Nacional de Saúde (NHS). Contra a previsão das pesquisas, a saída ganhou por 52% a 48%.
O acordo anunciado agora seria considerado bom para um país de fora do bloco. Para o Reino Unido, é uma receita para acentuar o declínio. Como os brexiteiros não aceitam a jurisdição dos tribunais europeus, cada conflito vai deflagrar uma nova negociação, com os asquerosos jornais populares britânicos inflamando o sentimento ultranacionalista.
Além disso, a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, anunciou a intenção de convocar um novo plebiscito sobre a independência assim que a pandemia do novo coronavírus for controlada. No último, em 2014%, 55% por cento votaram para ficar no Reino Unido por causa dos benefícios econômicos.
Agora, a Escócia provavelmente vai querer voltar ao mercado europeu, deixando o país que um dia foi o centro do maior império que o mundo já viu, com 35,5 milhões de quilômetros quadrados, mais de 4 vezes maior do que o Brasil, reduzido à Pequena Inglaterra e ao País de Gales.