Diante dos atentados terroristas em Paris, é preciso atacar e punir o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, mas o foco numa segurança absoluta não será suficiente, adverte o economista francês Thomas Piketty, diretor de pesquisas da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais da Faculdade de Economia de Paris e autor do livro clássico O Capital no Século 21.
"É preciso também se interrogar sobre as condições políticas dessas violências, das humilhações e injustiças que fazem com que esse movimento se beneficie de apoios importantes no Oriente Médio e suscite hoje vocações sanguinárias na Europa", escreveu Piketty em sua estreia como articulista do jornal Le Monde.
A longo prazo, a solução é criar um modelo de desenvolvimento social mais equitativo na França e no Oriente Médio, acrescentou o economista: "O terrorismo se alimenta do barril de pólvora da desigualdade no Oriente Médio, que contribuímos grandemente para criar. Daech ou o Estado Islâmico do Iraque e do Levante é resultado direto da decomposição do regime iraquiano e mais geralmente do colapso do sistema de fronteiras estabelecido na região em 1920.
"Depois da anexação do Kuwait pelo Iraque, em 1990-91, as potências aliadas enviaram suas tropas para devolver o petróleo aos emires - e às companhias ocidentais. Inaugura-se um novo ciclo de guerras tecnológicas e assimétricas - algumas centenas de mortos da coalizão para libertar o Kuwait contra dezenas de milhares de mortos do lado iraquiano", continua Piketty.
"Essa lógica chegou ao paroxismo na Segunda Guerra do Golfo, entre 2003 e 2011: cerca de 500 mil iraquianos mortos para mais de 4 mil americanos, tudo isso para vingar os 3 mil mortos do 11 de setembro, que não teve nada a ver com o Iraque", compara o economista francês.
Na sua opinião, "essa assimetria enorme em perdas humanas e a falta de uma solução política do conflito israelo-palestino servem hoje para justificar todas as violências perpetradas pelos jihadistas". Ele espera que a Rússia e a França, que bombardeiam diariamente o Estado Islâmico depois de serem alvos de atentados terroristas, não repitam o "fiasco" dos EUA e suscitem menos vocações assassinas.
Piketty observa que Oriente Médio tem a maior concentração de riqueza do mundo. Do Egito ao Irã, onde vivem 300 milhões de pessoas, os recursos do petróleo estão concentrados em poucos países. As monarquias petroleiras têm cerca de 60% a 70% do produto interno bruto regional e apenas 10% da população.
Dentro dessas monarquias, a concentração da riqueza também é enorme ao redor das famílias reais enquanto mulheres e trabalhadores imigrantes vivem em regime de semiescravidão, acusa o economista: "E esses são regimes sustentados militar e politicamente pelas potências ocidentais muito satisfeitas em catar algumas migalhas para financiar seus clubes de futebol ou para lhes vender armas. Não espanta que nossas lições de democracia e justiça social pesem pouco no seio da juventude no Oriente Médio."
Para recuperar a credibilidade, ele aconselha demonstrar mais interesse no desenvolvimento social e na integração política do que nos lucros financeiros e nas relações com as famílias reais.
"Concretamente, o dinheiro do petróleo deve ter como prioridade o desenvolvimento regional", propõe Piketty. "Em 2015, o orçamento total das autoridades egípcias para financiar o conjunto do sistema educacional do país de 90 milhões de habitantes é inferior a US$ 10 bilhões. A algumas centenas de quilômetros dali, a renda do petróleo da US$ 300 bilhões por ano à Arábia Saudita e seus 30 milhões de habitantes, e passa de US$ 100 bilhões para o Catar e os 300 mil catarinos."
Os grandes discursos pela democracia só são mantidos quando interessam ao Ocidente, provoca o economista. Em 2012, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, tornou-se o primeiro presidente eleito democraticamente no Egito. Um ano depois, foi derrubado pelo Exército, que matou mais de mil militantes e tornou a Irmandade, que fazia um trabalho social de base com a população carente, ilegal.
"Meses depois, a França começou a vender fragatas para se apropriar de parte dos magros recursos do país. Esperamos que essa negação da democracia não tenha as mesmas consequências mórbidas da interrupção do processo eleitoral na Argélia em 1992", lembrou ele.
Mais de 100 mil pessoas foram mortas na guerra civil deflagrada pela anulação da vitória da Frente Islâmica de Salvação (FIS). Na época, a França foi alvo de atentados do Grupo Islâmico Armado (GIA) por apoiar a ditadura militar argeliana.
"Resta a questão: como jovens que cresceram na França podem confundir Bagdá com os subúrbios da periferia de Paris e importar para cá os conflitos de lá? Nada pode desculpar esse desvio sanguinário, machista e patético", argumenta Picketty. Mas nota que é preciso não esquecer do desemprego e da discriminação profissional.
E conclui: "A Europa, que antes da crise financeira internacional recebia um fluxo migratório de 1 milhão de pessoas por ano com desemprego em baixa, deve relançar seu modelo de integração e criação de empregos. É a austeridade que leva ao aumento dos egoísmos nacionais e das tensões identitárias. É pelo desenvolvimento social equitativo que ódio será vencido."
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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2 comentários:
Na metade este texto lembrei-me da linha de discursos que os comunistas faziam na república de Weimar, nada práticos e propiciou o aparecimento de Adolf Hitler. Pôxa, se as esquerdas continuarem nessa linha, vai estimular o aparecimento de um novo Hitler, com um discurso mais prático e mortal!
A crise e o desemprego durante a Grande Depressão foram fatores importantes no surgimento do nazismo. Piketty está propondo exatamente o contrário, um desenvolvimento com justiça social para reduzir a marginalidade e a exclusão social, especialmente no Oriente Médio, mas também na França.
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