Entre os fatores que permitiram ao Estado Islâmico se transformar na mais bem-sucedida organização jihadista está o domínio de três formas de fazer a guerra, observa o jornalista paquistanês Ahmed Rashid no prefácio de The Islamic State: a brief introduction, de Charles Lister.
Mais de mil oficiais do EI vêm das forças de segurança de Saddam Hussein, que os Estados Unidos dissolveram em 2003 jogando na clandestinidade centenas de milhares de homens com treinamento militar.
Ao capturar mísseis, tanques e artilharia pesada em suas vitórias sobre o novo Exército do Iraque, o Estado Islâmico se armou para a guerra convencional, cerco de cidades, ataques em massa a determinados alvos ou concentrações de forças para atacar vários alvos distintos ao mesmo tempo.
Graças à alta mobilidade de motos e picapes armadas com ninhos de metralhadoras, a exemplo do que fazia a Milícia dos Talebã no Afeganistão, o EI consegue sustentar uma guerra de guerrilhas, uma guerra de atrito, por quilômetros e quilômetros de deserto.
Ao apelar para atentados terroristas suicidas, degolas e execuções em massa, levou o terrorismo a um nível de crueldade sem precedentes para grupos irregulares.
Nenhuma organização terrorista tinha usado uma gama tão variada de táticas de combate.
Outra frente de combate central na estratégia do Estado Islâmico é a comunicação de massa, sua capacidade incansável de usar as redes sociais da Internet e de manipular o noticiário da mídia tradicional para ocupar espaço e fazer propaganda, enquanto mata jornalistas e nega acesso de repórteres independentes aos territórios sob seu controle.
Com a captura de campos de petróleo e gás, extorsões mediante sequestro, roubo a bancos e cobrança de impostos nos territórios conquistados, o EI tornou-se a organização terrorista mais rica da história, com renda diária estimada em US$ 1,5 mil só com a venda de petróleo e gás. Tem milhões de dólares para pagar combatentes, serviços sociais e a reconstrução de áreas destruídas pela guerra.
Nos últimos dias, os EUA intensificaram os bombardeios aéreos ao setor de petróleo para diminuir a renda do califado.
Por fim, Rashid nota que a expansão do EI se deveu a uma situação muito especial, com a alienação da minoria xiita do Iraque, que estava no poder sob Saddam Hussein e hoje é marginalizada, resultado do fracasso da ocupação americana, e o vácuo de poder criado na Síria pela guerra civil que matou mais de 250 mil pessoas nos últimos quatro anos e meio.
Depois de destruir o Estado iraquiano, os EUA deixaram o país sem criar instituições democráticas, forças de segurança capacitadas, uma burocracia que funcione a harmonia social entre os vários grupos étnicos e religiosos. O mesmo aconteceu com as intervenções no Afeganistão e na Líbia.
Esses dois países, o Iraque, a Síria, a Somália e em certa medida também o Líbano têm Estados em colapso, o ambiente ideal para a proliferação de grupos armados irregulares e terroristas.
O fracasso das intervenções militares ocidentais joga a favor do Estado Islâmico ao acirrar o ódio das massas árabes aos EUA e à Europa.
Ao mesmo tempo, pululam teorias conspiratórias que acusam os EUA de não querem realmente destruir o EI e há esperanças de que a intervenção militar de uma grande potência, agora também da Rússia, livre o cidadão comum da escravidão imposta pelo Império do Terror.
São as duas faces do antiamericanismo. Por um lado, os EUA provavelmente são culpados de todos os males do mundo; do outro, tem a força que renova a esperança. Agora a Rússia entrou no jogo e quem sofre com esta concorrência é o Estado Islâmico.
"O EI precisa ser derrotado militar, política e diplomaticamente", adverte Ahmed Rashid. Menos do que isso não basta.
Diante de "uma força determinada a impor sua hegemonia a qualquer custo" e do fracasso das intervenções militares dos EUA no Oriente Médio, o jornalista sugere os países árabes devem liderar a coalizão de combate ao EI e "adotar uma narrativa comum de combate ao terrorismo", usando a educação para introduzir uma interpretação moderada e pacifista do Islã no currículo escolar.
Não há nenhum movimento neste sentido no mundo árabe. Depois da queda do avião russo com 224 pessoas a bordo no Deserto do Sinai e da onda de terror com 129 mortes em Paris, a guerra é contra as grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial (EUA, Rússia, França e Reino Unido), que desde Hitler não tinham um inimigo comum.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
domingo, 15 de novembro de 2015
Arte da guerra, mídia e petróleo deram sucesso ao Estado Islâmico
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