O fundador de Cingapura e primeiro-ministro de 1959 e 1990, Lee Kuan Yew, morreu hoje aos 91 anos. Ao transformar um pequeno entreposto colonial num dos países mais ricos do mundo, ele criou o modelo sociopolítico asiático. A renda média por habitante passou de US$ 550 nos anos 1950s para US$ 80 mil por ano em 2013. Seu porto é o segundo mais movimentado do mundo.
Sob a inspiração do filósofo chinês Confúcio, o modelo asiático combina autoritarismo, disciplina e valores morais rígidos com desenvolvimento científico e tecnológico, eficiência econômica e administrativa. Há uma renúncia à liberdade individual em troca da prosperidade e da harmonia social. É antidemocrático e antiliberal politicamente, mas a favor da economia de mercado.
Um dos personagens mais importantes do extraordinário desenvolvimento da Ásia nas últimas décadas, Lee Kuan Yew era filho de uma família chinesa rica que se mudou da província de Cantão para Cingapura em 1863, quando a cidade era uma colônia e sede da maior base naval do Império Britânico no Leste da Ásia.
Lee nasceu em 1923 como súdito da coroa britânica. Seus avós perderam a fortuna durante a Grande Depressão (1929-39). O pai virou um pequeno comerciante pobre.
A primeira língua de Lee era o inglês. Só depois de entrar na política, ele aprendeu chinês, malaio e tamil. Primeiro colocado numa espécie de vestibular realizado na Malaia Britânica, ele estava pronto para fazer universidade na Inglaterra em 1939, quando estourou a Segunda Guerra Mundial. Teve de adiar seus planos.
Em 1942, o Exército Imperial do Japão tomou Cingapura. "Os três anos e meio da ocupação japonesa foram os mais importantes da minha vida", contou Lee em suas memórias. "Eles me deram lições vívidas sobre o comportamento e as sociedades humanas, suas motivações e seus impulsos... Vi todo um sistema social desabar de repente diante de um Exército de ocupação totalmente impiedoso."
Com a guerra, Lee Kuan Yew entendeu que o Império Britânico não continuaria a dominar Cingapura eternamente e sentiu necessidade de entrar na política
Depois da guerra, ele finalmente foi estudar na Grã-Bretanha. Ficou um período curto na London School of Economics e foi para Universidade de Cambridge, onde se tornou socialista, se casou com Kwa Geok Choo se formou em direito com distinção e louvor. Em 1950, tornou-se advogado.
De volta a Cingapura, entrou na política em plena descolonização do pós-guerra e, em 1954, criou o Partido de Ação Popular (PAP). Em 1955, uma nova Constituição ampliou o número de membros eleitos do Conselho Legislativo, que passaram a ser 25 de um total de 32 cadeiras.
Nas eleições, a Frente Trabalhista, dos antigos aliados de Lee, elegeu 13 deputados e o PAP só três. Entre eles, Lee Kuan Yew, vencedor num distrito habitado por chineses pobres.
Em 1956, Lee voltou a Londres com parte de uma delegação interessada em negociar a autonomia da colônia, sem sucesso. As negociações foram retomadas em 1957. No ano seguinte, houve o acordo: Cingapura passava a ser uma cidade-estado dentro da Comunidade Britânica.
Em maio de 1959, com uma plataforma anticolonialista e anticomunista que propunha reformas sociais e uma possível união com a Malásia, o partido de Lee conquistou 43 das 51 cadeiras. Ele se negou a formar o governo até a libertação de esquerdistas de seu partido presos desde 1956.
Aos 35 anos, Lee Kuan Yew foi empossado como primeiro-ministro de Cingapura em 5 de junho de 1959. Dois anos depois, a ala esquerdista saiu do partido para fundar a Frente Socialista e Lee afastou os últimos comunistas.
Um de seus sonhos era formar uma federação ligando a ilha de Cingapura à Malásia por considerar "uma Cingapura independente um absurdo político, econômico e geográfico". Em 31 de agosto de 1963, depois de um referendo realizado no ano anterior, Cingapura formou uma federação com a Malásia. Lee manteve o controle sobre o Parlamento cingapureano.
Em 1964, Lee cometeu o erro de disputar as eleições nacionais da Malásia com seu partido em que 75% eram de origem chinesa, gerando tensão e violência entre chineses e malaios. Estes suspeitavam que Lee quisesse se tornar primeiro-ministro.
Depois de uma votação de 126-0 no Parlamento da Malásia, a federação foi dissolvida. Em 9 de agosto de 1965, a República de Cingapura se tornava um país independente dentro da Comunidade Britânica sob a liderança de Lee Kuan Yew.
Como a Frente Socialista passou a boicotar as eleições a partir de 1966, o PAP elegeu todos os deputados nas eleições de 1968, 1972, 1976 e 1980, dando plenos poderes a Lee para impor seu modelo. Para um pequeno país sobre, precisava de uma economia forte, moderna e industrializada.
O governo incentivou o investimento estrangeiro e acordos entre empresas e sindicatos para garantir a paz social com base nos valores confucionistas de cooperação, disciplina, austeridade e respeito à autoridade e à família.
Lee e o primeiro-ministro ministro malasiano Mahathir Mohamed passaram a chamá-los de "valores da Ásia", apresentando-os como alternativa ao liberalismo e à permissividade do Ocidente.
Cingapura censura, usa punições físicas (um jovem americano que riscou um carro propositalmente foi condenado a chibatadas) e pune o uso de drogas pela simples presença de substâncias proibidas no sangue, sem necessidade de apreensão. É proibido mascar chiclete.
"Por que deveríamos importar este hábito ocidental nojento?", argumentava Lee Kuan Yew para defender a medida.
No fim dos anos 1980s, Cingapura tinha a segunda maior renda per capita do Leste da Ásia, atrás apenas do Japão, e se tornara o maior centro financeiro do Sudeste Asiático. Em novembro de 1990, no mesmo mês de sua admiradora Margaret Thatcher, Lee Kuan Yew renunciou à chefia do governo.
Seu sucessor, Goh Chok Tong nomeou Lee ministro sênior do governo de Cingapura, onde ele continuou a exercer atividades políticas como um grande conselheiro e uma espécie de pai da pátria, um estadista e um oráculo a ser consultado em momentos de crise.
Em 2004, Goh passou o poder para Lee Hsien Loong, filho do grande arquiteto do milagre cingaporeano, que foi "ministro mentor" do governo até novembro de 2011.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
domingo, 22 de março de 2015
Fundador de Cingapura e pai do modelo asiático morre aos 91 anos
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