De local ignorado, o presidente Recep Tayyip Erdogan fez hoje à noite um apelo à população da Turquia para que saia às ruas e resista ao golpe militar que tenta derrubar seu governo. Os golpistas decretaram lei marcial e afirmaram agir em defesa da democracia.
Pelo menos 17 policiais foram mortos no quartel-general das forças especiais, informa agência oficial de notícias Anatólia. Aviões de caça da Força Aérea da Turquia teriam derrubado um helicóptero que transportava militares golpistas. Soldados teriam disparado contra populares numa das pontes que ligam a Europa à Asia em Istambul.
Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama e o secretário de Estado, John Kerry, divulgaram uma declaração apoiando o governo democraticamente eleito da Turquia.
Erdogan chegou ao poder em 2003 como primeiro-ministro, eleito pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), considerado islamista moderado, depois de uma série golpes de Estado durante a Guerra Fria (1960, 1971 e 1980) e um último em 1997 para garantir o secularismo da República Turca, fundada em 1923 por Mustafá Kemal Ataturk, com dissolução do Império Otomano, derrotado na Primeira Guerra Mundial.
Nos seus primeiros governos, Erdogan levou crédito pelo rápido desenvolvimento econômico e a modernização do país, submetendo pela primeira vez os militares ao poder civil. Com o veto da França à adesão à União Europeia, Erdogan reorientou a Turquia para a Ásia e viu no islamismo uma ideologia para legitimá-lo, acirrando o conflito com os militares secularistas.
Em 2013, uma tentativa de reconstruir um quartel do Império Otomano como museu na principal área verde do centro de Istambul provocou uma reação popular e a ocupação da Praça Taksim e do Parque Guézi. Era evidente o autoritarismo crescente de Erdogan.
Para não deixar o poder depois de três mandatos como primeiro-ministro, ele foi eleito presidente em 2014, com o apoio do eleitorado mais conservador e religioso do interior. Desde então, luta para aumentar os poderes do chefe de Estado.
Nas eleições de 7 de junho de 2015, Erdogan pretendia conquistar uma maioria de dois terços para mudar a Constituição, criando uma presidência executiva e esvaziando os poderes do primeiro-ministro. Mas a entrada de um partido curdo moderado na Assembleia Nacional esvaziou a vitória do AKP, que teve apenas 40% dos votos.
Erdogan acabou com o processo de paz e reiniciou a guerra civil contra os guerrilheiros ligados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que luta pela independência do povo curdo, maioria no Sudeste da Turquia. Ao mesmo tempo, aumentou a censura e a repressão aos dissidentes.
Em julho do ano passado, diante de um atentado que matou 32 pessoas em Suruç, Erdogan declarou guerra à milícia jihadista Estado Islâmico do Iraque e do Levante depois de anos de tolerância e convivência com a passagem de armas e voluntários do martírio, e com o contrabando de petróleo do EI pela fronteira com a Síria. A conivência se deve em parte à vontade de derrubar o ditador sírio, Bachar Assad.
Desde o início deste ano, a Turquia foi alvo de 14 atentados terroristas.
Ao entrar diretamente na guerra civil da Síria, Erdogan bombardeou mais os curdos, que lutam na linha de frente contra o Estado Islâmico com o apoio dos EUA, do que os jihadistas. Em 24 de novembro de 2015, a Turquia abateu um avião de caça da Rússia, gerando um conflito com Moscou.
Nas últimas semanas, a Turquia anunciou a normalização das relações diplomáticas com a Rússia e Israel. A ruptura com Israel foi causada pelo ataque israelense a uma flotilha que tentava furar o bloqueio naval à Faixa de Gaza em 31 de maio de 2010, quando dez turcos foram mortos.
Sob ameaça de isolamento, Erdogan decidiu acabar com esses conflitos, mas foi mais um sinal de fraqueza. O golpe revela a profunda divisão do país e das Forças Armadas.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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