O presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, renunciou ontem ao cargo, horas depois de ter a prisão decretada por um juiz num escândalo de corrupção e fraude fiscal, evitando um processo de impeachment que coincidiria com a eleição presidencial. Ele se apresentou hoje à Justiça e foi preso.
Até a posse do novo presidente eleito, em janeiro, assume o vice-presidente Alejandro Maldonado Aguirre. O primeiro turno será realizado em 6 de setembro.
Por 132 a zero, o Congresso da Guatemala cassou em 1º de setembro a imunidade do presidente, algo sem precedentes na história do país, marcado pela mais violenta guerra civil da Guerra Fria na América Latina, com total de mortos estimado entre 150 e 200 mil.
A Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala é a principal organização por trás das investigações sobre corrupção, que levaram a renúncias e prisões, inclusive da ex-vice-presidente Roxana Baldetti. Seu trabalho é fruto de um acordo entre a Guatemala e as Nações Unidas para atacar a corrupção endêmica e a violência de grupos clandestinos de vigilantes.
Desde abril, os guatemaltecos fizeram vários protestos na praça central, diante do palácio presidencial, para exigir a saída do presidente.
O ex-general Pérez Molina é um dos acusados pela violenta repressão da longa guerra civil guatemalteca, iniciada em 1960, depois de um período de instabilidade iniciado com o golpe contra o presidente Jacobo Arbenz, em 1954. Foi o primeiro golpe de Estado articulado pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) na América Latina durante a Guerra Fria.
Essa história é contada no livro Weekend in Guatemala, do escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Do golpe até o acordo de paz de 1996, houve uma campanha de extermínio de grupos esquerdistas e de índios da etnia maia, uma das grandes civilizações pré-colombianas.
Apesar das mais de 150 mil mortes num país que na época tinha cerca de 9 milhões de habitantes, a impunidade foi a regra. Um dos ditadores mais cruéis e ferozes, Efraín Ríos Montt, chegou a ser julgado, mas o caso foi anulado por erros processuais. Agora, a Justiça autorizou o reinício do processo.
Pérez Molina fez parte do grupo que depôs Ríos Montt em 1983. Dez anos depois, como chefe do serviço secreto do Exército, ajudou a derrubar o presidente Jorge Serrano, que tentou fechar o Congresso e mudar a composição da Corte Suprema para escapar de acusações de corrupção.
Com o fim das guerras civis na América Central, uma grande quantidade de guerrilheiros de esquerda e paramilitares de direita ficou sem emprego e aderiu a grupos criminosos. Por causa da guerra do governo do México contra as máfias do tráfico de drogas, essas gangues migraram para a Guatemala, Honduras e El Salvador.
Em 2011, com a promessa de aplicar a linha-dura contra o crime organizado, Pérez Molina tornou-se o primeiro general a chegar ao poder desde a redemocratização da Guatemala, em 1986. Em discurso nas Nações Unidas, declarou que a guerra contra as drogas estava perdida. Foi o primeiro presidente a propor a legalização das drogas em pronunciamento na ONU.
No ano passado, com base em escuta telefônica e rastreamento de operações financeiras, promotores internacionais apresentaram denúncias de um esquema de corrupção em que políticos recebiam propina em troca da redução nas tarifas de importação.
A vice-presidente Roxana Baldatti renunciou em 8 de maio e foi presa no último dia 21 de agosto. Desde então, uma onda de manifestações de massa exigia a renúncia de Pérez Molina.
Os três principais candidatos à eleição presidencial são Manuel Antonio Baldizón Méndez, do partido Liberdade Democrática Renovada (Lider), que perdeu para Pérez Molina no segundo turno em 2011; a ex-primeira-dama Sandra Torres Casanova, mulher do ex-presidente Álvaro Colom, do partido Unidade Nacional da Esperança; e o humorista Jimmy Morales, a Frente Nacional pela Convergência, um partido fundado por ex-militares.
Há pouco tempo, Baldizón tinha ampla vantagem nas pesquisas, mantendo a regra das cinco últimas eleições presidenciais guatemaltecas de dar a vitória ao segundo colocado na eleição anterior. Agora, Morales está na frente, mas as pesquisas não são muito confiáveis.
Quem quer que seja o vencedor, o próximo presidente terá de enfrentar os dois maiores problemas do país: a corrupção e a segurança pública. Deve manter a cooperação com os Estados Unidos e o México na luta contra as gangues do tráfico de drogas.
Apesar da crise política, a economia guatemalteca, a maior da América Central, mantém o crescimento, mas uma seca que atinge o subcontinente ameaça a produção agrícola, principal fonte das exportações do país.
De qualquer forma, há uma grande frustração das massas que saíram às ruas regularmente nos fins de semana dos últimos cinco meses para exigir a queda de governantes corruptos. O novo presidente, Alejandro Maldonado, foi um dos juízes da Corte Suprema que anulou a condenação de Ríos Montt por genocídio.
Fica uma sensação de frustração e impotência de que a mesma elite corrupta vai continuar mandando na Guatemala.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Presidente da Guatemala renuncia para evitar impeachment e vai preso
Marcadores:
Alejandro Maldonado,
Antonio Baldizón,
Corrupção,
Golpe de Estado,
Guatemala,
Guerra Civil,
Guerra Fria,
Jimmy Morales,
Julgamento,
Otto Pérez Molina,
processo,
renúncia,
Sandra Torres
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário