Diante das imagens de migrantes e refugiados mortos, tratados como animais ou presos em verdadeiros campos de concentração na Hungria, o cientista político macedônio Goran Boldioski, diretor da Fundação Sociedade Aberta em Budapeste, afirmou: "Os europeus esqueceram o que significa estar em guerra."
Ao participar hoje de mesa redonda sobre A crise dos refugiados na Europa, no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro, Boldioski declarou que "a Europa Oriental esqueceu seu passado", lembrando da revolta anticomunista de 1956, quando cerca de 200 mil pessoas fugiram da Hungria.
Desde ontem, o governo direitista húngaro está prendendo imigrantes que tentam forçar a entrada no país e até mesmo danificar a cerca de arame laminado. Hoje, a polícia usou gás lacrimogênio e jatos d'água. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, condenou a ação policial.
"Não houve uma liberalização dos corações e mentes", acrescentou o diretor da Fundação Sociedade Aberta, do multibilionário húngaro-americano George Soros, que promove a democracia liberal. "O primeiro-ministro Viktor Orban adapta-se ao que o povo quer. De 1989 a 1995, foi liberal; agora, chefia um dos governos mais conservadores da UE."
Mesmo na era da Internet, a maioria da população se informa pela televisão, disse Boldioski: "Um memorando do governo húngaro para a mídia estatal orientou os meios de comunicação a não mostrar crianças e mulheres necessitadas. O foco é nos traficantes de pessoas. Além do sensacionalismo, governos autoritários tentam forjar a mensagem."
Tambem não é uma crise europeia. De abril de 2011 a junho de 2015, o número de pessoas que fugiram da guerra civil na Síria chegou a 1,9 milhão na Turquia, 1,1 milhão no Líbano, 629 mil na Jordânia, 98.783 na Alemanha e 64.885 na Suécia. Ao acolher 26 mil refugiados, se fosse um país europeu, o Brasil ficaria em terceiro lugar: "O Brasil recebeu mais refugiados da Síria do que da Colômbia", constatou o professor Roberto Fendt, do Cebri.
O impacto da onda de migrantes é maior em países pequenos como a Hungria e a Eslováquia, que fecharam suas fronteiras. "A Hungria está em segundo lugar no número de pedidos de asilo por habitante", observou a cientista política húngara Petra Reszketõ, do Instituto Budapeste. "O governo é contra a imigração. Nacionalista, ergueu uma cerca na fronteira sul com a Sérvia. Separou e criou zonas fechadas para os migrantes." Hoje usou até bombas de gás.
Na Eslováquia, um país de apenas 5,4 milhões de habitantes, 60% da população sentem-se ameaçados, por isso o governo só quer aceitar cristãos, e os estereótipos criados pelos meios de comunicação deslegitimam os refugiados, comentou a cientista política eslovaca Radka Vicenová.
"Eles não tinham problemas com os refugiados da Iugoslávia. Agora, são em grande número e de uma cultura diferente", analisou Vicenová. "No fim de semana, houve uma grande manifestação de protesto na capital. Há uma sensação de que os refugiados vêm para tomar nossa terra."
Tanto Hungria quanto Eslováquia são países pobres, com baixo nível de produtividade, onde a maioria da população entende que os governos deveriam ajudar seus próprios cidadãos a melhorar de vida antes de aceitar migrantes. "Há um risco social. Falta solidariedade, há uma framentação", notou Petra Reszketõ.
Com o envelhecimento da população, a Europa precisa de cerca de 2 milhões de migrantes econômicos por ano para preencher novas vagas no mercado de trabalho e aliviar o peso sobre a Previdência Social. Mas neste momento de crise econômica e desemprego, há uma ascensão de partidos de extrema direita que ameaça o próprio projeto de integração da União Europeia.
Além da crise nos países da periferia da Zona do Euro, agora restrita à Grécia, há protestos contra a migração interna na Europa, especialmente no Reino Unido, onde a crise dos refugiados deve pesar no referendo sobre a permanência do país na UE, previsto para 2017. Há problemas de integração. A própria chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel, que abriu a Alemanha aos migrantes, há dois anos declarou que "o multiculturalismo está morto".
Com múltiplas crises, a Europa se debate entre coordenação ou mutualização, que implicaria na distribuição dos refugiados entre os países-membros com base no tamanho de cada população. Seria uma oportunidade para criar finalmente a política externa e de segurança comum prevista no Tratado de Maastricht, de 1991.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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