quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Oriente Médio terá menor influência dos EUA

Um novo Oriente Médio está surgindo mas não sob a influência das políticas de mudança de regime e de democratização propostas pelo presidente George Walker Bush. Para o ex-assessor de Bush para política externa Richard Haass, hoje presidente do Conselho de Relações Exteriores, a região será moldada por novos atores e forças. Se os EUA quiserem manter sua influência, terão de usar mais a diplomacia e menos a força.

Não será um Oriente Médio pacífico, próspero e democrático, adverte Haass: "É muito mais provável a emergência de um Oriente Médio que cause mal a si mesmo, aos Estados Unidos e ao mundo".

Pouco mais de dois séculos depois da conquista do Egito por Napoleão, em 1798, o cientista político vê o fim da dominação ocidental sobre a região: "Na próxima era no Oriente Médio é provável que os atores externos tenham um impacto relativamente modesto e que as forças locais estejam por cima - num momento em que os atores locais que estão chegando ao poder são radicais determinados a mudar o status quo".

Este será o maior desafio da política externa dos EUA nas próximas décadas, ao lado do gerenciamento e da acomodação ao extraordinário crescimento da Ásia, prevê Haass.

Ele marca o início do moderno Oriente Médio no fim da guerra entre a Rússia e o Império Otomano, em 1774, e na invasão napoleônica do Egito, que mostra aos europeus que a região estava pronta para ser colonizada. Perplexos, os intelectuais árabes se questionaram como e por que sua civilização, muito mais avançada durante a Idade Média, caíra tão abaixo da Europa.

Esta primeira fase acaba com o fim da Primeira Guerra Mundial e do Império Otomano, quando a região foi dividida entre os impérios francês e britânico. Logo a Segunda Guerra Mundial enfraqueceria ainda mais os europeus. Surgia o nacionalismo pan-árabe cujo maior símbolo foi o presidente egípcio Gamal Adbel Nasser. A nacionalização do Canal de Suez por Nasser, em 1956, marca o fim da era colonial na região.

Durante a Guerra Fria, os EUA e a União Soviética fizeram do Oriente Médio mais uma arena de sua confrontação estratégica. A rápida vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, mudou o equilíbrio de forças na região.

O uso do petróleo como arma política pelos países árabes em retaliação contra o apoio ocidental a Israel na Guerra do Yom Kippur, em 1973, gerou a primeira crise do petróleo e mostrou a vulnerabilidade internacional a choques de preços e de oferta. Em 1979, a revolução islâmica no Irã agravou ainda mais a crise de energia, provocando a segunda crise do petróleo.

Com a queda do xá Reza Pahlevi e a ascensão dos aiatolás, um ditador amigo dos EUA era substituído por radicais muçulmanos. A Guerra Irã-Iraque (1980-88) arruinou estes dois países durante oito anos. Neste período, a invasão israelense ao Líbano (1982-85) provocaria o surgimento da milícia fundamentalista xiita Hesbolá (Partido de Deus), sob o patrocínio e a inspiração da revolução iraniana.

Desde que o presidente egípcio Anuar Sadat, sucessor de Nasser, decidiu sair da esfera soviética, se aliar aos EUA e negociar a paz com Israel como maneira para recuperar a Península do Sinai, os EUA passaram a ser a única superpotência no Oriente Médio. A URSS ameaçara usar armas nucleares para salvar o Exército do Egito, cercado no Sinai em 1973. Mas Sadat optou pelos EUA.

O fim da Guerra Fria consolidou a posição dos EUA, com a guerra de libertação do Kuwait, a presença de tropas americanas na Arábia Saudita e o processo de paz no Oriente Médio. No final de seu governo, Bill Clinton tentou promover uma segunda paz de Camp David entre palestinos e israelenses, sem sucesso.

É desta época o "velho Oriente Médio" a que os americanos se referem agora: um Iraque frustrado e agressivo, um Irã radical mas dividido e mais fraco, Israel como maior potência militar e única potência nuclear, preços do petróleo flutuantes, regimes árabes autoritários reprimindo seus povos, supremacia americana e uma coexistência difícil entre Israel e os palestinos.

A ocupação do Iraque pelos EUA, em março de 2003, termina com esta era de dominação americana, entende Haass. Ao acabar com o Iraque sunita de Saddam Hussein, os americanos despertaram a rivalidade entre sunitas e xiitas não só no Iraque mas em todo o Oriente Médio. Os terroristas ganharam uma base de operações. A democracia é associada ao colapso da ordem pública. O já considerável sentimento antiamericano ficou mais forte. A guerra reduziu o poderio americano no mundo inteiro.

FUTURO DA REGIÃO
Em suas previsões para o novo Oriente Médio, o presidente do Conselho de Relações Exteriores faz 12 observações:

1. Os EUA continuarão sendo a potência mais influente na região mas serão menos importantes.

2. A posição americana será desafiada pelas políticas externas de outros atores importantes, como a China, a Rússia e a União Européia. Tanto a China quanto a Rússia resistem a pressionar o Irã na questão nuclear e se afastaram das tentativas dos EUA de promover a democracia na região.

3. O Irã será um dos países mais poderosos do Oriente Médio. Quem acreditava que os reformistas prevaleceriam na luta interna pelo poder dentro do regime dos aiatolás estava errado. É um país rico em petróleo. Tem grande influência sobre a maioria xiita, cerca de 60% da população do Iraque, o Hesbolá e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), o que o transforma numa potência imperial disposta a moldar a região à sua imagem e semelhança.

4. Israel será o outro país poderoso, com uma economia capaz de competir no mundo globalizado. Tem as melhores Forças Armadas e armas nucleares. Mas precisa arcar com os custos da ocupação da Cisjordânia e as múltiplas ameaças dos palestinos, dos países vizinhos e do terrorismo internacional. Está um pouco mais fraco depois da campanha contra o Hesbolá no Líbano de 12 de julho a 14 de agosto. Ficará muito mais fraco se o Irã fizer a bomba atômica.

5. Qualquer coisa semelhante a um processo de paz viável é improvável no futuro próximo. A operação no Líbano enfraqueceu o partido Kadima e o primeiro-ministro Ehud Olmert provavelmente não consiga apoio para uma retirada unilateral de parte da Cisjordânia. Com a vitória do Hamas nas eleições de 25 de janeiro e o enfraquecimento do presidente Mahmoud Abbas, não há um parceiro com mandato para negociar do lado palestino.

6. O Iraque, tradicionalmente um centro de poder no mundo árabe, será confuso e violento nos próximos anos, com um governo central fraco e uma sociedade dividida. Na pior das hipóteses, pode se tornar um Estado em colapso em uma guerra civil que atrairia os países vizinhos.

7. O preço do petróleo continuará alto, com o forte aumento da demanda na China e na Índia, e o risco de choques de oferta por crise nos países exportadores. Para Haass, é mais provável que o preço do barril se aproxime de US$ 100 do que caia para menos de US$ 40. A Arábia Saudita, o Irã e outros grandes produtores lucrarão com isso.

8. Sob Estados fracos, a proliferação de milícias deve continuar, como se observa no Líbano, no Iraque e nos territórios palestinos. O relativo sucesso do Hesbolá ao resistir à ofensiva israelense deu à milícia um prestígio que nenhum Exército árabe tem,

9. O terrorismo, no sentido de uso intencional da força com objetivos políticos contra civis escolhidos ao acaso, continuará sendo endêmico no Oriente Médio. É uma arma tanto de Estados totalitários quanto de grupos irregulares que travam guerras assimétricas contra estes Estados. Será cada vez mais sofisticado e usado contra Israel e a presença militar americana na região.

10. O islamismo vai cada vez mais preencher o vácuo político e intelectual no mundo árabe, servindo de base para o pensamento político da maioria de seus habitantes. Para Haass, o nacionalismo e o socialismo árabes pertencem ao passado e a democracia ainda está num futuro distante. A unidade árabe é um mito e o conflito entre sunitas e xiitas criará problemas em sociedades divididas como no Iraque, na Arábia Saudita, no Líbano e no Bahrein.

11. Os regimes políticos devem continuar sendo autoritários, talvez mais intolerantes em religião e mais antiamericanos. Os países mais importantes são o Egito, que tem um terço da população árabe, e a Arábia Saudita, terra das cidades sagradas de Meca e Medina. Ambos introduziram reformas moderadas mas estão longe de tolerar a oposição política, cada vez mais radicalizada. O Egito está entre o autoritarismo do regime militar e o fundamentalismo da Irmandade Muçulmana. Na Arábia Saudita, a monarquia usa a renda do petróleo para aplacar as reivindicações internas por mudanças. Como a voz mais forte é dos religiosos conservadores, suas propostas acabam prevalecendo.

12. As instituições regionais permanecem fracas. Os conflitos entre Israel e os árabes, e a rivalidade entre o Irã, persa, e os países árabes, impedem o desenvolvimento do regionalismo econômico que marca a inserção internacional de tantos países na era da globalização.

Entre as lições que os EUA devem tirar deste novo Oriente Médio que lhe será hostil, analisa o cientista político, estão:

• Há limites no uso da força, como mostram as experiências do Iraque e de Israel no Líbano. De nada adiantará bombardear as instalações nucleares do Irã. Só serviria para radicalizar ainda mais o regime e o mundo muçulmano, fomentar o terrorismo e aumentar os preços do petróleo.

• Não dá para esperar pela democracia para pacificar a região. Não é fácil criar democracias maduras; leva décadas. Neste meio temo, é preciso lidar com governos autoritários e antidemocráticos. Se jovens muçulmanos no Reino Unido são voluntários para o terrorismo suicida, as democracias não estão imunes aos apelos do radicalismo. Mais importante, argumenta Haass, seria modernizar os sistemas educacionais, promover a abertura econômica, isolar politicamente o terrorismo e seus simpatizantes, e atacar os problemas da juventude, sobretudo o desemprego.

O risco, conclui Haass, é que o novo Oriente Médio dê saudade do velho Oriente Médio.

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