quinta-feira, 19 de outubro de 2006

EUA precisam negociar com inimigos

Os Estados Unidos devem negociar com a Síria e o Irã para pacificar o Iraque, assim como terão de negociar com a Coréia do Norte para evitar uma corrida armamentista nuclear no Leste da Ásia.

A violência política no Iraque acaba "em meses" se o Irã e a Síria se juntarem aos esforços de estabilização do país, declarou em 17 de outubro o presidente iraquiano, Jalal Talabani.

"Seria o começo do fim do terrorismo", disse o líder curdo em entrevista à BBC.

A proposta de negociar com os inimigos seria da comissão presidida pelo ex-secretário de Estado americano James Baker para encontrar saídas para o atoleiro em que os EUA se meteram no Iraque. Baker lembrou que fazia isto quando assessor do pai de Bush.

Na verdade, antes da Guerra do Golfo de 1991, para expulsar os iraquianos do Kuwait, Baker rifou os cristãos libaneses, entregando o controle do Líbano à Síria em troca do apoio sírio contra Saddam Hussein. Saddam já era inimigo da Síria, então a negociação foi mais fácil do que será agora.

O Irã e a Síria, que são aliados, são inimigos dos Estados Unidos e, portanto, contra o projeto americano para o Iraque. No momento, é principalmente através da Síria que entram armas e recursos para a insurgência sunita e para a rede terrorista sunita Al Caeda, enquanto o Irã apóia a maioria xiita, que também tem milícias ferozes, como o Exército Mahdi, do aiatolá Muktada al-Sader, que controla as favelas xiitas da periferia de Bagdá.

Mesmo antes da reeleição de Bush, em entrevista à CNN, o professor Fred Halliday, da London School of Economics, já defendia esta solução internacional para pacificar o Iraque: basta negociar com os países vizinhos que têm ascendência sobre as populações sunitas e o Irã, que tem forte influência sobre os xiitas.

O problema, raciocinava o professor Halliday, é que nem árabes nem iranianos têm interesse em ajudar o atual governo dos EUA, que não avança, por exemplo, na questão palestina, símbolo para os árabes de uma jnjustiça histórica: “Eles querem deixar os americanos sangrarem um pouco mais para diminuir sua arrogância e enfraquecer sua posição negociadora”.

Enquanto, quem sangra é o Iraque. Estão morrendo em média cem pessoas por dia. A situação é de caos e anarquia. Aumenta o coro dos que pedem a retirada das tropas, de deputados do Partido Republicano, de Bush, ao comandante do Exército Real britânico.

Baker só vai apresentar seu relatório depois das eleições americanas de 7 de novembro, quando serão eleitos toda a Câmara e um terço do Senado. Isto tem provocado especulações quanto a seu conteúdo, inclusive sobre uma possível retirada das forças americanas, o que obrigou o presidente George W. Bush a reassegurar o governo iraquiano de que os EUA não estabeleceram um prazo para que o novo regime controle a violência, num dia em que pelo menos 57 pessoas morreram, sendo que 15 em dois atentados com carros-bomba contra um enterro.

Só no último fim de semana, foram 89 mortes. Se o total de 650 mil desde a invasão americana, resultado de uma pesquisa por amostragem divulgada na prestigiada revista médica britânica The Lancet, parece exagerado, a estimativa do site Iraq Body Count fica entre 44 e 49 mil civis iraquianos mortos.

PESADELO NUCLEAR
Diante dos problemas nos outros países do ‘eixo do mal’, os EUA gostariam de sair logo do atoleiro no Iraque. Podem usar a questão iraquiana para iniciar negociações com o Irã e daí passar para a questão nuclear, a maior preocupação americana hoje.

Se for possível chegar a um acordo com o Irã para pacificar o Iraque, por que não na questão nuclear? Na verdade, a simples abertura de negociações retira a demonização implícita na expressão ‘eixo do mal’.

Diante do teste nuclear da Coréia do Norte da determinação do Irã de manter seu programa nuclear, o do clima guerra civil no Iraque, dá para dizer que o ‘eixo do mal’ derrotou a Doutrina Bush, de guerra preventivas e uso da força.

Tanto o Irã quanto a Coréia do Norte se revelaram refratários às políticas de Bush. A retórica agressiva do presidente americano e a invasão do Iraque só radicalizaram suas posições, acelerando o desenvolvimento de seus programas nucleares para terem um poder dissuasório capaz de inibir um ataque dos EUA.

É certo que os EUA tem planos para eliminar uma possível ameaça nuclear, seja do Irã ou da Coréia do Norte, provavelmente através de bombardeios maciços a instalações atômicas importantes. Mas no momento não há o menor apoio político para a guerra atual, quanto mais para uma nova guerra.

A opção é a diplomacia. Mas não deu muito resultado até agora. O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou por unanimidade um embargo ao comércio de armas, sanções financeiras e comerciais à Coréia do Norte. Mas a China e a Coréia do Sul, suas principais parceiras comerciais, já avisaram que não suspenderão seus negócios.

Estes dois países vizinhos temem uma implosão da ditadura stalinista de Pionguiangue, que jogaria milhões dos 23 milhões de norte-coreanas nas estradas para o Sul e para a China.

Há uma suspeita de que o teste nuclear norte-coreano foi uma tentativa desesperada de auto-afirmação de um regime à beira do colapso, que provocou uma fome com milhões de mortos nos últimos anos e não tem a menor perspectiva para o futuro. O regime considerou as sanções impostas pela ONU como uma “declaração de guerra”.

É o Absurdistão, como disse a revista alemã Der Spiegel. A população é miserável. Milhões morreram de fome. O ditador Kim Jong Il é conhecido como Querido Líder. Tanto a economia quanto o regime, e provavelmente também o ditador, estão nas mãos do Exército, que teria exigido a antecipação dos testes atômicos.

Em meio a rumores de que Pionguiangue prepara um segundo teste, ignorando a exigência da Resolução 1.718 do Conselho de Segurança da ONU para que pare os testes e desmonte seu programa nuclear, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, iniciou uma viagem ao Leste da Ásia, onde vai se encontrar com líderes da China, Japão, Rússia e Coréia do Sul. Todos são países interessados em evitar uma corrida nuclear que seria capaz de desestabilizar a região que mais cresce no mundo, com sérios prejuízos para toda a economia mundial.

Rice advertiu que um novo teste só aumentaria o isolamento internacional do regime norte-coreano.

O fato é que o eixo do mal voltou com força redobrada para assombrar o segundo governo Bush e lembrar a todos da maldição do segundo mandato.

A lição que nos lembra James Baker, que reaparece mais uma vez para salvar Bush, jr. (ele defendeu o então candidato nos processos de recontagem dos votos da Flórida pedidos pelo vice-presidente Al Gore após a eleição de 2000 nos EUA), é que é sempre melhor negociar com o inimigo do que demonizá-lo deixando-o sem saída a não ser a radicalização.

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