sábado, 28 de outubro de 2006

Lafer: política externa precisa de choque de gestão

O governo Luiz Inácio Lula da Silva politizou excessivamente a política externa, introduzindo um viés ideológico antiamericano, o que faz necessário um choque de gestão também nesta área, afirmou ontem o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer (nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique), ao falar no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro, sobre a política externa do candidato Geraldo Alckmin.

“Como acabo de entrar para a Academia Brasileira de Letras, vou usar a pena da galhofa”, ironizou Lafer no início da palestra, dizendo que precisava do humor para falar de alguém que já se comparou a Jesus Cristo, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, como o presidente Lula.

Por causa da excessiva ideologização da política externa, “Alckmin, se for eleito, fará um choque de gestão numa perspectiva social-democrata, um choque de gestão também em política externa”.

Na opinião de Lafer, o governo Lula e o PT “achavam que tinham recebido uma herança maltida, que a política externa estava toda errada. O governo queria se diferenciar. Não fez isso na economia. Usou a política externa”.

Em política externa, adverte o ex-chanceler, devem-se evitar dois riscos: subestimar o que o país representa e superestimar-se.

“É sempre uma fina avaliação do que se pode obter do mundo”, argumentou Lafer. “Nosso principal tema é o desenvolvimento. As questões de fronteira foram resolvidas pelo Barão do rio Branco. É uma região sem conflitos internacionais. A vizinhança também é importante. Somos um país-continente, um país-monstro. Mas somos um país-monstro benigno. Lidar com a vizinhança é uma prioridade.

“A América do Sul não foi descoberta por Lula nem por Fernando Henrique. No Mercosul, Lula recebeu uma herança mas está depreciando os ativos”, alfinetou Lafer, critico da entrada da Venezuela de Hugo Chávez como membro pleno do bloco sem uma longa negociação de acesso.

“O Mercosul é a grande operação dos últimos 15 anos para a diplomacia brasileira”, observou o ex-chanceler. “É um projeto de sustentação política e econômica, democracia e inclusão social. A integração da Venezuela é equivocada. Chávez tem um projeto político antiamericano. Dificultará o projeto anterior, comprometendo sua eficácia. O Mercosul opera por consenso. O Brasil deve usar isto para vetar as ambições de Chávez.”

Para Lafer, “mais importante do que o Parlamento do Mercosul é o fortalecimento da Secretaria Técnica”.

O bloco tem um déficit institucional. Tudo acaba sendo decidido pelos presidentes, o que reforça o personalismo. A entrada de Chávez não ajuda neste sentido.

OMISSÃO NO MERCOSUL
“Este governo se omitiu na ‘guerra das papeleiras’”, acusou Lafer, referindo-se conflito entre Uruguai e Argentina por causa da instalação de duas fábricas de papel e celulose no Uruguai, na margem oriental do Rio Uruguai. “A Argentina recorrer à Corte Internacional de Justiça de Haia. Para o Uruguai, eram investimentos da ordem de 15% do PIB. O Uruguai mandou uma carta não-respondida para o Brasil, que ocupava a presidência pro tempore do bloco”.

Lafer negou que o governo Fernando Henrique tenha abandonado a América Latina, citando como exemplo a primeira reunião de cúpula da América do Sul.

O governo Lula investiu na criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), reunindo o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações. Lafer vê um conflito deste projeto com a Alternativa Bolivarista para as Américas (Alba), negociada por Chávez com os presidente de Cuba, Fidel Castro, e da Bolívia, Evo Morales: “A Alba contesta a Casa. Gera conflito e não cooperação. A visão do Chávez é promover o conflito para estimular a revolução bolivarista”.

Pelas mesmas razões ideológicas que apressaram o ingresso de Chávez no Mercosul, o Brasil reagiu timidamente quando o governo boliviano estatizou as reservas de petróleo e gás, e ocupou militarmente as instalações da Petrobrás naquele país.

O ex-ministro também a “tripartição” na condução da política externa, com o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da Preisdência para relações exteriores, Marco Aurélio Garcia, fazendo sombra ao ministro Celso Amorim. Não poupou o atual ministro, “que chama o presidente de nossa guia. Não me lembro de nenhum chanceler que chamasse o presidente de nosso guia”.

No Itamaraty, “o choque de gestão seria contra o aparelhamento. Primeiro, o patrulhamento ideológico, as leituras obrigatórias. Nunca houve isso. Segundo, o critério de promoção passou a ser o ‘entusiasmo pelo presidente Lula’, e não seriedade, zelo, competência. Já fui chefe dele e não lhe pedi entusiasmo. O Barão do Rio Branco era monarquista e foi o maior chanceler da república. Ninguém lhe cobrou lealdade ao regime”.

ERROS DE AVALIAÇÃO
Mas é na parte da negociações comerciais que ficaria mais evidente a diferença entre o governo Lula e um possível governo Alckmin: “Com exceção da Organização Mundial do Comércio (OMC), as demais negociações têm sido politizadas e conduzidas de maneira inadequada do ponto de vista técnica. Falta maior proximidade com o setor privado”.

Por erros de avaliação, raciocina Lafer, o Brasil perdeu tudo o que pleiteou: a vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a diretoria-geral da OMC, a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a secretaria-geral da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal).

“A vaga no Conselho de Segurança não deve ser prioritária”, entende Lafer.

De nada adiantou o Brasil reconhecer a China como uma economia de mercado. A China está mais preocupada em vetar o Japão. A Índia, outra candidata, tem um sério problema com o Paquistão.

Se a Alemanha entrar, a Itália acha que também merece mas há também o problema da super-representação européia.

Na África, há uma disputa entre África do Sul, Nigéria e Egito. O Egito é um país árabe, o que levanta a questão do Oriente Médio.

“Nós enfrentamos a resistência da Argentina e do México”, comenta Lafer. “Como envolve o México, aliado dos EUA no Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), os EUA não querem se envolver.”

Acima de tudo, depois da forte oposição à invasão do Iraque, os EUA vêm com desconfiança qualquer reforma que possa ampliar o Conselho de Segurança. Com a exceção do Japão, os novos membros poderiam ser votos contra os EUA.

Além da obsessão com a vaga no Conselho de Segurança, o ex-chanceler criticou a abertura de embaixadas num número grande de países, alegando que seria mais importante abrir mais consulados para atender à quantidade cada vez maior de brasileiros que moram no exterior.

Como o Brasil disputava vários cargos, o ex-chanceler e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco “Rezek não foi reconduzido à Corte de Haia. O Itamaraty resolveu não concorrer”.

Para a OMC, o embaixador Luiz Felipe de “Seixas Correa era um ótimo nome mas o momento era inadequado. O Brasil deveria ter retirado sua candidatura em favor do candidato uruguaio”. Mas o uruguaio fizera o texto preparatório sobre a questão agrícola para a conferência interministerial da OMC em Cancún em setembro de 2003 contemplando os interesses protecionistas dos países ricos, o que irritou o chanceler Celso Amorim.

Acabou ganhando o ex-comissário de Comércio Exterior da União Européia, o francês Pascal Lamy. Como a França é a maior defensora do protecionismo agrícola, o resultado acabou sendo pior para o Brasil.

Para negar que o governo Fernando Henrique tenha sido subserviente com os países ricos, Celso Lafer lembrou o discurso do então presidente na Assembléia Nacional da França condenando tanto o terrorismo quanto o unilateralismo dos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.

“O relacionamento com a China, a Índia e a Rússia não é novo”, relembrou o ex-chanceler. “Temos uma cooperação espacial antiga com a China. Somos aliados da Índia em negociações multilaterais há décadas. Mas é ingenuidade supor que eles vão se aliar conosco contra os EUA. Eles procuram as convergências possíveis com os americanos e evitar os conflitos desnecessários. Talvez um governo Alckmin seja mais realista.”

Lafer admitiu que a formação do Grupo dos Vinte foi um avanço importante.
Disse que só foi possível porque a China entrou na OMC mas destacou a divergência de interesses entre os grandes países em desenvolvimento: “O Brasil quer liberalizar a agricultura, a China quer liberalizar a indústria e a Índia quer liberalizar os serviços”.

Quanto à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o ex-chanceler reconheceu, inclusive citando o ex-presidente Fernando Henrique, que é uma negociação muito difícil por causa das exigências do Brasil em agricultura e dos EUA em propriedade intelectual, entre outras questões.

“Lula e seus aliados fizeram da Alca a 'bête noire', uma verdadeira anexação do país pelos EUA”, analisou Lafer. “Bush gerou um antiamericanismo e o governo Lula navegou neste antiamericanismo, apoiado pelo movimento antiglobalização. Há um desconforto na relação do atual governo com os EUA. Eu negociaria até o fim. Se não houvesse acordo, o ônus seria deles”.

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