O aimará Juan Evo Morales Ayma, primeiro indígena a governar um país da América do Sul, deve ser reeleito hoje para um terceiro mandato como presidente da Bolívia. Desde que Morales chegou ao poder em 2006, a economia cresceu e as reservas em moeda forte aumentaram, enquanto a pobreza e a dívida do governo caíram. Neste ano, o crescimento deve ser superior a 5%, depois de registrar 6% em 2013.
Seu maior feito provavelmente seja a inclusão social da maioria indígena, que até a revolução de 1952 era proibida até mesmo de se dirigir à elite branca. Nesta eleição, a expectativa é que ele ganhe também nas províncias mais ricas da chamada Meia-Lua, inclusive em Santa Cruz de la Sierra, foco de grande resistência no início de seu governo.
Evo Morales disputa a terceira eleição presidencial com 59% das preferências do eleitorado, de acordo com as últimas pesquisas, e uma enorme vantagem sobre seus adversários: Samuel Doria Medina (18%), Jorge Fernando Quiroga (9%), Juan del Granado (3%) e Fernando Vargas (2%).
Sem saída para o mar desde a derrota para o Chile na Guerra do Pacífico (1879-83), a Bolívia tem regiões geográficas bem definidas. O calor e a aridez do altiplano andino dificultam a agricultura no Oeste do país. No Sudeste, o clima tropical e úmido torna as terras baixas extremamente férteis. Lá, vive a população branca de origem europeia e é gerada a metade da riqueza boliviana.
A pobreza é maior no Norte e no Oeste, onde se concentra a população indígena das etnicas aimará e quechua. O crescimento econômico e a redução da pobreza desarmaram o separatismo da chamada Meia-Lua, que reúne as províncias mais férteis e ricas em petróleo e gás natural (Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando).
Morales, candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), começou sua carreira política como líder dos plantadores de coca. Foi eleito presidente da Bolívia em 2005 com 54% dos votos depois de uma série de crises e quedas de presidentes, com a promessa de uma forte intervenção estatal na economia para promover a redistribuição da riqueza na linha do bolivarismo e do "socialismo do século 21" de Hugo Chávez na Venezuela.
Temendo o confisco de suas terras e bens pelo governo socialista, a
elite branca boliviana de origem europeia da Meia-Lua reagiu. Em 2007 e
2008, a Bolívia esteve à beira da guerra civil.
No poder, Morales estatizou o setor de energia, a exploração de gás e petróleo e a geração de eletricidade, confiscando as propriedades de empresas estrangeiras, inclusive da Petrobrás. O governo Lula considerou aceitável o argumento de que os recursos naturais pertencem ao Estado.
Uma emenda constitucional aprovada em 2009 na Bolívia deu ao Estado a
propriedade de todos os recursos naturais bolivianos. Todas as
atividades mineradoras devem ter participação estatal mínima de 51%.
As relações bilaterais com o Brasil voltaram a ter problemas no governo Dilma Rousseff, quando o senador Roger Pinto Molina, processado pelo governo boliviano, pediu asilo político na Embaixada do Brasil em 28 de maio de 2012, mas não recebeu salvo-conduto do presidente Morales para sair da Bolívia.
Quinze meses depois, Pinto Molina foi retirado numa operação secreta arquitetada pelo diplomata Eduardo Saboia. Em carro da embaixada, sob escolta de fuzileiros navais brasileiros, Saboia o levou até Corumbá, no Mato Grosso do Sul, de onde policiais federais o conduziram até Brasília. O caso revoltou Morales, indignou a presidente Dilma Rousseff e provocou a queda do então ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota.
Sob Evo, o produto interno bruto da Bolívia mais que triplicou, de US$ 9,4 bilhões para US$ 30,2 bilhões. A pobreza caiu para 30%. Como uma administração cautelosa dos gastos do governo, a dívida pública baixou de 80% para 33% do PIB. As reservas cambiais subiram de US$ 2,6 bilhões para US$ 17,5% - a ponto de Evo ser elogiado pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que deixou o socialista um tanto constrangido.
Seu governo marca o mais longo período de estabilidade e prosperidade da história boliviana.
A questão é se esse modelo baseado na estatização dos recursos naturais e na distribuição da riqueza é sustentável. A economia boliviana ainda é dependente da exportação de matérias-primas. O país sofre, como o resto da América Latina, com a desaceleração na China.
Com seus preconceitos ideológicos contra a atividade privada, Morales rejeitou investidas de chineses, japoneses e sul-coreanos para desenvolver a mineração de lítio, elemento importante na produção de baterias no momento em que seu aperfeiçoamento é fundamental para viabilizar o carro elétrico e permitir que os eletroportáteis tenham mais tempo de uso antes da próxima recarga.
A Bolívia tem 23% das reservas mundiais de lítio. Também é rica em ouro, prata e zinco. Pode ser a Arábia Saudita do lítio, mas não vai chegar lá sem tecnologia e capital estrangeiros. A vitória fácil tende a diminuir o apetite por reformas. Morales sai das urnas mais convencido de que está no caminho certo.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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