terça-feira, 28 de outubro de 2014

Arábia Saudita congela reaproximação com o Irã

Depois de seis meses de uma tentativa de se aproximar pela primeira vez da rival República Islâmica do Irã, a Arábia Saudita abortou a iniciativa diplomática por entender que não está ajudando a conter o regime dos aiatolás. Ao contrário, estaria abrindo espaço para aumentar a influência iraniana no Oriente Médio.

Numa reviravolta, o governo saudita passou a enfrentar o Irã em todas as frentes, como em guerras indiretas no Iêmen, na Síria e no Iraque. Acredita que precisa acumular força para ter melhores condições de negociar.

A Arábia Saudita, onde ficam as cidades sagradas de Meca e Medina, se considera guardiã dos princípios do islamismo e do mundo árabe. Sob a perspectiva saudita, o Irã é um grande país persa situado na extremidade leste do Oriente Médio que usa o xiismo, a sua corrente do islamismo, para projetar seu poderio no mundo árabe.

Com a queda da ditadura sunita de Saddam Hussein, a maioria xiita assumiu o poder no Iraque. Há então hoje um arco xiita que começa no Irã e segue pelo Iraque, a Síria e o Líbano até o Mar Mediterrâneo.

Os sauditas professam o wahabismo ou salafismo, uma seita ultrapuritana do islamismo, a mesma da rede terrorista Al Caeda (Ossama ben Laden era saudita) e do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que vê o xiismo como um desvio do verdadeiro Islã.

Desde maio, quando a Arábia Saudita anunciou disposição de iniciar um diálogo com seu maior adversário geopolítico, houve uma série de encontros bilaterais públicos. O último foi em 22 de setembro, em Nova York, durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, quando se reuniram os ministros do Exterior iraniano, Javad Zarif, e saudita, príncipe Saud al-Faissal.

Por um momento, parecia que a ameaça comum do Estado Islâmico pressionava as duas potências regionais a trabalhar em conjunto pela segurança do Oriente Médio. Há um conflito entre sunitas e xiitas que vai da região ao leste de Bagdá, no Iraque, até o Líbano, passando pela Síria.

Na região mais conflagrada do mundo, o diálogou não durou. Em 13 de outubro, ao receber o ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, em Jedá, o príncipe Saud atacou o Irã, acusando-o de manter forças de ocupação na Síria, no Iraque e no Iêmen.

O chanceler saudita responsabilizou a república islâmica por vários conflitos na região e advertiu: "Se o Irã quiser ser parte da solução na Síria, deve retirar suas forças de lá e de outros países."

Foi um golpe no diálogo. Para o principal negociador iraniano, o vice-ministro do Exterior, Amir Abdollahian, "se os comentários foram citados com precisão, pode-se dizer que vão contra a atmosfera existente. Sugerimos que a Arábia Saudita seja cautelosa com teorias conspiratórias e não perca a chance de ter um papel positivo na região."

Na visão saudita, as propostas iranianas de uma fraternidade pan-islâmica e união entre sunitas e xiitas são demagógicas e dissimuladas. Tentam criar uma falsa sensação de coexistência pacífica que os sauditas e outros sunitas consideram inviável. Assim, só podem ser neutralizadas se os sunitas tiverem uma posição negociadora forte. A própria disposição para negociar seria vista como sinal de fraqueza pelo rival.

A Arábia Saudita vê na república teocrática iraniana uma ameaça à sua monarquia absolutista. A Primavera Árabe derrubou repúblicas autoritárias e fracassou em todos os países, menos na Tunísia, sem afetar diretamente as monarquias petroleiras. Mas deixou no ar uma pressão latente por reformas até mesmo na monolítica elite saudita.

Ao mesmo tempo, aumentou o espaço de manobra do Irã, que chegou a saudar os movimentos pela democracia da Primavera Árabe como um "renascimento muçulmano" em repúdio a ditadores apoiados pelo Ocidente.

O governo saudita apostava na queda de Bachar Assad na Síria para minar a influência iraniana no mundo árabe, mas o ditador resistiu. Os rebeldes apoiados pelos sauditas foram menos capazes no campo de batalha do que a Frente al-Nusra, ligada à rede Al Caeda, e o Estado Islâmico. A relutância do presidente Barack Obama em apoiar a estratégia de mudança de regime na Síria irritou os sauditas.

Sob pressão por causa da difusão do fundamentalismo sunita que exporta desde que enriqueceu com a crise do petróleo dos anos 1970s, a Arábia Saudita está mais fraca no momento, enquanto o Irã se reabilita perante a sociedade internacional negociando com os Estados Unidos uma possível desmilitarização de seu programa nuclear.

Os EUA e o Irã ainda têm um considerável progresso a fazer se quiserem chegar a um acordo nuclear até a data-limite de 24 de novembro de 2014. Mesmo sem acordo, nenhum dos dois países tem interesse em desprezar o avanço nas relações bilaterais desde que aiatolá moderado Hassan Rouhani foi eleito presidente do Irã. Estavam rompidos desde a invasão da Embaixada dos EUA em Teerã, em 1979, depois da revolução islâmica.

Uma das principais revelações dos documentos do Departamento de Estado americano vazados pelo WikiLeaks há poucos anos foi um apelo do sultão da Arábia Saudita para que os EUA atacassem o Irã para destruir seu programa nuclear. Uma bomba atômica iraniana certamente vai deflagrar uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio.

Agora, os sauditas estão convencidos de que têm de cuidar eles mesmo de sua segurança. Estão treinado rebeldes sírios na Turquia com o apoio dos EUA, mas organizam seus próprios aliados para lutar contra o grupo xiita huti no Iêmen. O desafio é como enfrentar o Irã sem fortalecer milícias jihadistas como o Estado Islâmico.

Enquanto o conflito Irã-Arábia Saudita não for controlado, o esforço de guerra dos EUA e seus aliados contra o Estado Islâmico será enfraquecido e o Oriente Médio ficará sob a ameaça de uma grande conflagração entre sunitas e xiitas.

Para agravar a situação, um tribunal saudita condenou à morte recentemente o xeque Nimr al-Nimr, um clérigo dissidente xiita preso em 2012.

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