Com a desaceleração da China e a queda nos preços dos produtos primários, a África é o continente que mais sofre. A crise econômica gera revoltas populares e manipulação de eleições para não entregar o poder.
As 16 eleições presidenciais previstas para 2016 testam a democracia no continente. Se a oposição chegou ao poder em 2015 na Nigéria e neste ano em Cabo Verde, no antigo Congo Francês, no Níger, em Uganda e em Zanzibar, parte da Tanzânia, houve fraude e manipulação de eleições.
A empresa de análise e consultoria Africa Confidential identifica três tendências inquietantes:
• os presidentes em exercício estão usando a tecnologia da informação para driblar a vontade popular;
• há uma ascensão da "democracia antiliberal" e do "desenvolvimentismo autoritário"; e
• os partidos de oposição mais marginalizados estão boicotando eleições.
Em fevereiro, Yoweri Museveni, no poder desde 1986 em Uganda, reprimiu a oposição e fraudou as eleições para se reeleger. Em março, houve eleições livres e limpas no Benin, em Cabo Verde e no Senegal, mas Denis Sassou-Nguesso teve de mudar a Constituição e manipular as eleições no Congo-Brazzaville (ex-Congo Francês) para se manter no cargo que ocupa desde 1997.
No Sudão, em abril, o ditador Omar Bachir, no poder desde 1989 reprimiu a oposição, manipulou a votação e ameaçou lançar uma nova ofensiva militar para vencer o referendo sobre Darfur, uma região do país onde seu governo islamita é acusado de cometer genocídio matando mais de 300 mil pessoas.
Em março de 2009, Bachir se tornou o primeiro presidente em exercício denunciado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra em Darfur. O Superior Tribunal de Justiça da África do Sul mandou prendê-lo durante uma reunião de cúpula da União Africana em Joanesburgo em junho de 2015, mas o governo Jacob Zuma ignorou a decisão.
Também em abril foram reeleitos fraudulentamente Teodoro Obiang, no poder desde 1979 na Guiné Equatorial; Idriss Déby, no poder desde 1990 no Chade; e Ismaïl Omar Guelleh, no poder desde 1999 em Djibuti depois de substituir o tio.
Por 233 a 143, graças à maioria do Congresso Nacional Africano (CNA), o presidente Jacob Zuma sobreviveu a um pedido de impeachment na Assembleia Nacional da África do Sul depois que a Suprema Corte o obrigou a devolver aos cofres públicos US$ 23 bilhões gastos na reforma de sua mansão particular.
As eleições municipais de agosto na África do Sul serão um teste para o CNA, que reluta em afastar seu líder corrupto. Também em agosto, será a vez o Gabão, onde há suspeitas de fraude contra o presidente Ali Bongo, no poder desde 2009, quando substituiu o pai, que foi ditador por 42 anos. Na Zâmbia, Edgar Lungu concorre à reeleição. Seus partidários são acusados de intimidar a oposição.
A República Democrática do Congo a Gana realizam eleições gerais em novembro. No antigo Congo Belga e Zaire, o presidente Joseph Kabila, no poder desde 2001, quando sucedeu ao pai, Laurent Kabila, tenta mudar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato. A oposição já protesta nas ruas e pode haver violência. Em Gana, a expectativa é de eleições livres e limpas.
Em dezembro, haverá eleições parlamentares na Costa do Marfim, com favoritismo para os partidários do presidente Alassane Ouattara, reeleito em 2015, e na Gâmbia, que na prática é uma ditadura com um partido dominante, sob o comando de Yahya Jammeh, no poder desde 1994.
Esta onda de fraudes e manipulações eleitorais mina a democracia e desanima os partidos e candidatos derrotados, aumentando o risco de recurso à violência para combater a injustiça social, como advertiu o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan durante um fórum sobre segurança realizado na Etiópia em 25 de abril: "Se um líder não quer deixar o poder, as eleições são vistas como fraudadas para favorecer o líder e ele fica no poder mandato após mandato após mandato, a tendência é acreditar que a única maneira de tirá-lo é através de um golpe ou tomando as ruas."
Um dos instrumentos da fraude eleitoral na África contemporânea é a alta tecnologia, introduzida sob o pretexto de combater as irregularidades.
No Quênia, mais da metade dos kits eletrônicos usados para controlar o acesso dos eleitores às seções de votação não funcionaram, impedindo muita gente de votar nas eleições de 2013. O sistema de transmissão de dados por telefonia celular também não funcionou.
Ninguém foi responsabilizado por problemas semelhantes aos que deflagraram uma onda de violência depois das eleições de dezembro de 2007. A oposição e monitores independentes atribuíram as irregularidades à chapa vencedora, formada pelo presidente Uhuru Kenyatta e o vice-presidente William Ruto, e a seus aliados na Comissão Eleitoral Independente. Como em 2007, Raila Odinga foi roubado.
A exemplo do que aconteceu na eleição de Jorge Salinas no México em 1988, os dois principais candidatos disputavam voto a voto quando houve um problema técnico na apuração. Uma vez resolvido o problema, o candidato oficial dispara.
Em Uganda, sem o uso abusivo da tecnologia da informação, o veterano líder oposicionista Kizza Besigye denuncia que no distrito de Kiruhura, um dos redutos eleitores do presidente Museveni, 67 seções eleitorais registraram 100% de comparecimento às urnas e em 47 seções todos os votos foram para Museveni.
Mesmo depois do anúncio da vitória do presidente com cerca de 60% dos votos, o governo continuou perseguindo a oposição e confiscando documentos capazes de denunciar a fraude em foros internacionais. Besigye está em prisão domiciliar.
Ao impedir a fiscalização direta dos partidos em cada mesa de votação, a tecnologia acaba colaborando para encobrir a fraude. Duas empresas israelenses, SuperTech Ltd. em Gana e Nikuv na Zâmbia e no Zimbábue, foram acusadas por partidos de oposição de manipular resultados e destruir as provas do crime.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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