terça-feira, 12 de junho de 2018

RÚSSIA: transição pós-comunismo foi caótica

 O maior desafio do governo Boris Yeltsin era fazer a transição para a economia de mercado. A Guerra Fria não acabara com a derrota militar da URSS, mas uma derrota ideológica, econômica e sobretudo tecnológica. A incapacidade das reformas de Gorbachev de mudar levara ao colapso total da pátria do comunismo.
Em 1991, o produto interno bruto caiu em um sexto e o déficit orçamentário chegou a 25% do PIB. O governo Gorbachev tinha imprimido dinheiro para subsidiar a produção num momento de queda na arrecadação.
No início de 1992, Yeltsin anuncia um programa radical de desestatização e liberalização da economia. Os preços disparam. A transição gera inflação, recessão, desemprego e o colapso da máquina do Estado. Grupos mafiosos formados por ex-agentes e policiais vendem proteção a empresários. Burocratas do partido se aproveitam para fazer fortuna com as privatizações.
A terapia de choque causou uma queda de 50% no PIB e na produção industrial de 1990-95. Os serviços públicos entraram em colapso. A taxa de pobreza passou de 1,5% na era soviética para 49% em 1993.
No verão de 1993, em plena crise econômica, Yeltsin tentou reformar a Constituição, mas encontrou resistência do presidente do Soviete Supremo da Rússia, Ruslan Khasbulatov, a Esfinge Chechena.
Por ordem de Yelstin, em 4 de outubro, o Exército bombardeou a Casa Branca, sede do parlamento da Rússia. Vencida a resistência a ferro e fogo, em dezembro de 1993, um referendo aprovou uma nova Constituição.

PRIMEIRA GUERRA DA CHECHÊNIA

Desde o colapso da URSS, em 1991, havia uma revolta nacionalista muçulmana na república russa da Chechênia, no Norte do Cáucaso. Em 31 de dezembro de 1994, o governo Yeltsin decidiu impor o controle sobre a região.
A Primeira Guerra da Chechênia acabou em 31 de agosto de 1996 depois de um ano, oito meses, duas semanas e dois dias com a vitória dos rebeldes, a morte de 5.732 soldados russos, de até 15 mil militantes chechenos e 100 mil civis.

YELTSIN REELEITO

Em 1996, Yeltsin foi reeleito em segundo turno contra o candidato comunista Guenadi Ziuganov. Gorbachev obteve 0,5% no primeiro turno, um final melancólico para a carreira política do principal responsável pelo fim da Guerra Fria.
No ano seguinte, a Rússia faz uma parceria estratégica com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a aliança militar liderada pelos EUA, para permitir a entrada de países do antigo bloco comunista. Em troca, entra para o Grupo dos Oito (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia), de onde seria excluída depois da anexação da Ucrânia.

SEGUNDA GUERRA DA CHECHÊNIA

Uma invasão de guerrilheiros islâmicos na república do Daguestão atribuída a Chamil Bassaiev, um dos senhores da guerra na Chechênia, e atentados mal esclarecidos em Moscou levaram a Rússia a iniciar a Segunda Guerra da Chechênia. O conflito lançou o primeiro-ministro Vladimir Putin, que sucederia Yeltsin.
Os combates foram de 26 de agosto de 1999 até maio de 2000, quando começa uma fase de guerra de guerrilhas que vai até abril de 2009, com total de mortos de pelo menos 7.217 do lado do governo e de 16.299 rebeldes, além de pelo menos 54.402 civis.
É um conflito brutal distante das câmeras porque é território proibido para jornalistas.

ERA PUTIN

Com o prestígio auferido na guerra, Putin é eleito presidente no primeiro turno com 53% dos votos em março de 2000, beneficia-se da recuperação dos preços do petróleo e se dedica a tentar pôr ordem no caos da transição pós-soviética.
Para o novo homem-forte da Rússia, “o fim da URSS foi o maior desastre geopolítico do século 20”. Seu trabalho então é resgatar pelo menos um pouco do poder imperial soviético. 
Putin adotou o hino e vários símbolos do poder soviético. Tratou de restabelecer o controle estatal sobre o setor de energia e estatizou a Gazprom, que usa para pressionar países vizinhos e a União Europeia, que importa da Rússia 25% do gás que consome.

TERRORISMO

Além de ataques terroristas a um teatro e ao metrô de Moscou, em setembro de 2004, extremistas muçulmanos tomaram uma escola primária em Beslã, na Ossétia do Norte, matando 330 pessoas, inclusive 186 crianças. Bassaiev foi acusado. Ele morreu em 2006.
Sem poder concorrer a um terceiro mandato consecutivo, em 2008, Putin indica Dimitri Medvedev. Eleito com 70% dos votos, Medvedev sempre foi considerado o segundo de Putin, que voltou ao poder em maio de 2012, devolvendo o cargo de primeiro-ministro ao fiel aliado.

AUTORITARISMO

A maior crítica a Putin é a volta do autoritarismo. Ele suprimiu as eleições para governadores das 83 unidades administrativas da Federação Russa, censurou a imprensa, perseguiu empresários que financiavam a oposição, como Mikhail Khodorkovsky e Boris Berezovski, que se matou no exílio na Inglaterra, e jornalistas. Ativistas dos direitos humanos foram mortos em casos não esclarecidos.
Um dos casos mais notórios foi da jornalista Anna Politkovskaya, morta ao chegar em casa em 7 de outubro de 2006 depois de fazer inúmeras denúncias sobre violações dos direitos humanos na Chechênia e no livroA Rússia de Putin, extremamente crítico. 
Em 15 de julho de 2009, foi a vez da ativista Natalia Estemirova, principal defensora dos direitos humanos na Chechênia.

GUERRA DE ESPIÕES

Depois de encontrar dois ex-colegas num hotel em Londres, em 1º de novembro de 2006, o ex-espião russo Alexander Litvinenko passou mal, procurou um hospital. Quando contou que acreditava ter sido envenenado, primeiro chamaram um psiquiatra. Em 23 dias, ele agonizou diante das câmeras até morrer intoxicado por Polônio-210, um elemento radioativo que só países com alguma capacidade nuclear são capazes de processar.
Os ex-colegas, Andrei Lugovoi e Dimitri Kovtun, prometiam informações exclusivas sobre o assassinato de Politkvskaya. Litvinenko era ligado ao oligarca Boris Berezovski, que havia caída em desgraça com Putin.
Lugovoi virou deputado da Duma do Estado, a câmara dos deputados do Parlamento da Rússia. Há dois meses, comentou na televisão o caso mais recente.
Em 5 de março de 2018, o ex-agente Serguei Skripal e sua filha foram encontrados desacordados numa praça em Salisbury, no interior da Inglaterra. Eles acabaram sobrevivendo, mas o governo britânico protestou energicamente. Mais de 130 diplomatas russos foram expulsos por mais de 25 países e pelo próprio Reino Unido. A Rússia respondeu na mesma medida, expulsando mais de 120 diplomatas dos mesmos países.

GUERRA COM A GEÓRGIA

No dia de abertura da Olimpíada de Pequim, 8 de agosto de 2008, a ex-república soviética da Geórgia atacou a capital da Ossétia do Sul na expectativa de reassumir o controle de territórios ocupados por rebeldes ligados a Moscou.
A Rússia reagiu com força muito superior e esmagou a Geórgia em nove dias em apoio aos rebeldes das regiões da Abecásia e da Ossétia do Norte. Pelo menos 659 pessoas foram mortas.
O ataque, embora provocado pelo presidente georgiano Miheil Saakachvili, foi uma resposta da Rússia às ex-repúblicas soviéticas que, depois das revoluções Rosa na Geórgia em 2003 e Laranja na Ucrânia em 2004, tentaram se associar à OTAN, a aliança militar liderada pelos EUA. Com o fim da Guerra Fria e do comunismo na Europa Oriental, a OTAN chegou às fronteiras russas, ressuscitando o antigo medo do cerco.
Sob Putin, fortaleceu-se o conceito de “exterior próximo”, referência às ex-repúblicas soviéticas, o antigo império interior soviético, em contraste com o antigo império exterior soviético, o antigo Bloco Soviético. 
A Rússia considera o “exterior próximo” sua esfera de influência política e militar, uma das razões da intervenção na Ucrânia.

SOCIEDADE CIVIL

Desde que as oposições rejeitaram o resultado das eleições parlamentares de dezembro de 2011, Putin tenta esvaziar os movimentos de protestos da sociedade civil. Censurou a Internet, baixou uma lei que acusa o movimento gay de fazer propaganda criminosa do homossexualismo e processou o blogueiro dissidente Alexey Navalny, impedindo-o de se candidatar à Presidência.
Por suspeitar da influência dos EUA na mobilização da sociedade civil russa, Putin responsabilizou a então secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pela onda de manifestações e decidiu lutar contra sua ascensão à Casa Branca.
A condenação das roqueiras da banda punk Pussy Riot por gravar um clipe anarquista em tom de arruaça na Catedral de Moscou e a prisão de ativistas do Greenpeace que protestavam contra a exploração de petróleo no Oceano Ártico, inclusive de uma brasileira, fazem parte da estratégia de Putin de sufocar a sociedade civil e qualquer tipo de dissenso, como a Tcheka, o NKVD e o KGB faziam no passado. 
Putin não está preocupado com a opinião pública internacional liberal. Apela ao machismo da cultura nacionalista russa, às gangues que espancam homossexuais e atacam paradas gays, à desconfiança histórica em relação aos estrangeiros e à crueldade da Justiça da Rússia.

REVOLUÇÃO NA PRAÇA

Em 21 de novembro de 2013, multidões saíram às ruas de Kiev em protesto contra a decisão do presidente Viktor Yanukovich de suspender, sob pressão de Moscou, as negociações de um acordo de associação da Ucrânia à União Europeia.
Quando os manifestantes acamparam na Praça Maidã, foram violentamente atacados pela repressão governamental em 30 de novembro. No dia 11 de dezembro, com a temperatura a -13º C, a polícia tentou esvaziar a praça.
Pelo menos 113 pessoas morreram e mais de mil saíram feridas em violentos confrontos até a renúncia e fuga de Yanukovich, em 22 de fevereiro.
A Rússia não aceitou a mudança de governo. Alegou se tratar de um regime ilegítimo. Com os soldados russos da Frota do Mar Negro estacionados em Sebastopol, na Península da Crimeia, iniciou uma rebelião que levou a um plebiscito para aprovar a transferência da Crimeia para a Rússia, realizado em 16 de março de 2014.
No dia seguinte, o Parlamento da Rússia aprovava a anexação da Crimeia. No início de abril, começava uma rebelião de russos étnicos contra o governo central da Ucrânia no Vale do Rio Dom, no Leste do país, com apoio do Kremlin.
Desde então, cerca de 10 mil pessoas morreram e o conflito armado ainda não acabou. Em resposta à anexação ilegal de um território que pertencia à Ucrânia, os EUA e a União Europeia impuseram sanções à Rússia.
O clima entre a Rússia e o Ocidente é o pior desde a Guerra Fria. Bombardeiros russos voltaram a invadir ameaçadoramente o espaço aéreo de países da OTAN. Antes da eleição de março de 2018, Putin anunciou o desenvolvimento de um míssil nuclear “invencível”. Não impressionou os especialistas.

INTERVENÇÃO NA SÍRIA

Quando o então presidente americano Barack Obama hesitou em atacar a Síria, depois do ataque do governo com armas químicas em Guta que matou 1.421 pessoas em 21 de setembro de 2013, Putin propôs o desarmamento das armas químicas da ditadura de Bachar Assad.
Obama aceitou o acordo e Assad voltou a atacar civis com agentes tóxicos. Quando estava ameaçado, a Força Aérea da Rússia entrou na guerra, a partir de 30 de setembro de 2015, a pretexto de “combater o terrorismo”, mudou o rumo da guerra. Hoje, Assad controla as principais cidades e quase todo o território sírio.
A Rússia usa três bases militares na Síria, ajudou Assad a acobertar um ataque de armas químicas à cidade de Duma, na periferia de Damasco, em 7 de abril de 2018, com pelo menos 70 mortes. Estará no centro de qualquer negociação sobre o fim de uma guerra que matou 500 mil pessoas e fez 5,5 milhões fugirem da Síria.
Nas duas vezes em que atacou instalações militares sírias em retaliação e ataques químicos, o atual presidente americano, Donald Trump, avisou os russos. Mas há um novo risco de conflito entre as superpotências por causa da belicosidade crescente entre Israel, apoiada pelos EUA, e o Irã, apoiado pela Rússia.

ELEIÇÕES NOS EUA

Para agravar ainda mais a tensão com os EUA, a Rússia foi acusada de deflagrar uma verdadeira guerra cibernética para influenciar as eleições nos EUA, com a preocupação central de impedir a vitória da candidata democrata, Hillary Clinton.
A Rússia pirateou 44 mil mensagens de correio eletrônico da campanha do Partido Democrata e deixou vazar pelo WikiLeaks. Uma agência de produção de notícias falsas do serviço secreto da Rússia com sede em São Petersburgo.
Em 2014, a Agência de Pesquisas na Internet, um braço de espionagem eletrônica do governo russo com sede em São Petersburgo, iniciou as ações de sabotagem às eleições dos EUA.  Só com propaganda no Facebook, gastou US$ 100 mil, atingindo 126 milhões de americanos. No Twitter, foram identificados cerca de 3,8 mil perfis falsos e 50 mil robôs ligados à operação russa.
O procurador especial Robert Mueller, encarregado de investigar um possível conluio do Kremlin com a campanha de Trump, denunciou 13 cidadãos e três empresas russas, além de vários assessores da campanha de Trump, entre eles o coordenador, Paul Manafort.

MAIS PODEROSO?

No plano internacional, Putin foi considerado o homem mais poderoso do mundo por ter evitado um bombardeio dos EUA à Síria para punir a ditadura de Bachar Assad por usar armas químicas na guerra civil do país, intervir na Ucrânia e na guerra civil síria e dar asilo ao ex-agente americano Edward Snowden, que denunciou um vasto esquema de espionagem eletrônica do governo dos EUA. 
Na época, a revista Forbes o indicou para mostrar a fraqueza do segundo colocado, Barack Obama.
Sob Putin, a Rússia fortaleceu seu poderio militar e voltou a ser grande exportadora de armas, mas o sucesso a longo prazo depende de uma economia moderna, aberta e desenvolvida para a qual o autoritarismo de Putin não ajuda.

ORÇAMENTO MILITAR

A forte redução nos gastos militares, de 20% no ano passado, para US$ 63 bilhões, nove vezes menor do que o dos EUA, indica problemas para cumprir um ambicioso plano de modernização das Forças Armadas.
Com os cortes orçamentários, o Programa de Armamentos do Estado (2018-25)  não conseguirá modernizar 70% das Forças Armadas até 2020.
A Marinha não foi modernizada desde o fim da URSS, em 1991. O único porta-aviões russo, o Almirante Nuznetsov, é de 1985. Em maio do ano passado, o vice-primeiro-ministro Dimitri Rodozin, encarregado da indústria bélica, admitiu que, ao contrário dos EUA, a Rússia não é uma potência naval.
Desde a Guerra Fria, a Marinha de superfície é uma força auxiliar da frota de submarinos, o setor da força naval a ser poupado dos cortes.
O mecanismo de dissuasão nuclear da Rússia se assenta num tripé: mísseis baseados em terra, aviões bombardeiros estratégicos e mísseis balísticos lançados de submarinos.
Na Força Aérea, o Kremlin deve investir em grandes aviões de transporte e caças-bombardeiros, com foco no aperfeiçoamento dos aviões atuais, em vez de comprar modelos de última geração como o avião de combate invisível aos radares T-50.

RELAÇÕES COM O BRASIL

Como um país gelado que sempre sonhou com uma saída para um mar de águas tépidas, o Rio de Janeiro e o Brasil são idealizados no imaginário russo como paraísos tropicais. A expressão “não é um Rio de Janeiro” significa que algo não é o máximo. O Rio de Janeiro é o paraíso tropical sonhado.
No século passado, as relações entre os dois países foram marcadas pela Guerra Fria. O Partido Comunista Brasileiro foi fundado em 1922, pouco depois da Revolução Russa.
A URSS fomentou a Intentona Comunista de 1935, sob a liderança do PCB e de Luiz Carlos Prestes, que serviu de pretexto para o endurecimento do governo de Getúlio Vargas e a implantação da ditadura do Estado Novo, em 1937.
Muitos comunistas brasileiros costumavam fazer cursos ou se exilar na URSS em caso de necessidade.
Atualmente, os dois países têm acordos de cooperação nos setores de tecnologia espacial, militar e de telecomunicações. Ambos integram o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um fórum informal que reúne grandes economias emergentes.

COMÉRCIO BILATERAL

Praticamente a metade do que o Brasil exporta para a Rússia é carne, de boi, frango ou porco. Também vende açúcar, café, grãos e preparações alimentícias diversas. 
A Rússia exporta principalmente fertilizantes, produtos petroquímicos, alumínio, ferro fundido e máquinas elétricas. 
Neste ano, de janeiro a maio, o Brasil importou US$ 1,05 bilhão e exportou US$ 1,08 bilhão.

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