O governo corrupto e ilegítimo da República Democrática do Congo luta para conter um surto de ebola. A doença hemorrágica, que pode levar à morte, chegou a uma grande cidade, Mbandaka, um porto com 1,2 milhão de habitantes, depois de matar várias pessoas em Bikoro, uma comunidade rural situada a 150 quilômetros de distância.
A Organização Mundial da Saúde pode declarar uma "emergência de saúde internacional" para facilitar o acesso de ajuda externa. Seus agentes identificaram 432 pessoas que tiveram contato com doentes. Até agora, foram diagnosticados 14 casos no país.
"Agora, estamos rastreando mais de 4 mil contatos dos pacientes, que se espalham por toda a região do Noroeste do Congo. Tiveram de ser seguidos e a única maneira de chegar onde estão é de motocicleta", declarou Peter Salama, porta-voz da OMS.
Na maior epidemia do vírus ebola, cerca de 11,3 mil pessoas morreram na Guiné, na Libéria e em Serra Leoa entre 2014 e 2016. Uma vacina ainda não aprovada totalmente foi usada com sucesso. Milhares de doses foram enviadas com urgência a Kinshasa. Desde 1978, houve oito surtos de ebola no Congo, com 811 mortes.
"Estamos entrando numa nova fase do surto de ebola, que agora atinge três regiões, inclusive uma em zona urbana", declarou o ministro da Saúde congolês, Ilunga Kalenga.
A RDC é um grande país de 2,3 milhões de quilômetros quadrados e 79 milhões de habitantes situado no coração da África, riquíssimo em recursos naturais, mas ao mesmo tempo pobre e miserável, com uma renda média de apenas US$ 476 por ano (177ª do mundo), e uma história trágica.
Já foi chamado de Congo Belga, Congo Oriental, Congo-Kinshasa, simplesmente Congo, ou Zaire, nome adotado pelo ditador Joseph Mobutu em 1971 e abandonado depois de sua queda, em 1997.
O país foi colonizado brutalmente por uma empresa privada a mando do rei Leopoldo II, da Bélgica, com métodos hoje considerados violações inaceitáveis dos direitos humanos beirando o genocídio. Essa história está contada no livro No Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Em 1908, sob pressão do Império Britânico, a Bélgica assumiu a administração colonial.
Depois da independência, em 1960, a Bélgica apoiou uma rebelião secessionista na província de Katanga. Sem sucesso ao apelar aos Estados Unidos e às Nações Unidas para evitar a divisão do Congo, o primeiro-ministro Patrice Lumumba pediu ajuda à União Soviética. Assim, dividiu o Exército e ficou contra os EUA e a Bélgica.
Lumumba ficou apenas 12 semanas no poder. Um golpe militar liderado por Mobutu levou ao assassinato de Lumumba, em 17 de janeiro de 1961, numa conspiração organizada pela CIA (Agência Central de Inteligência), o serviço de espionagem dos EUA.
A guerra civil durou até 1964 e terminou com o poder absoluto de Mobutu, aliado dos EUA, da Europa Ocidental e da China na luta contra a influência da União Soviética na África durante a Guerra Fria.
O genocídio de 800 mil pessoas em Ruanda e a fuga da milícia assassina hutu Interahamwe para o Leste da RDC, em 1994, desestabilizou a região. Os baniamulengues do Congo são da mesma etnia dos tútsis e entraram em choque com os hutus.
Esse conflito levou Laurent Kabila sair do seu esconderijo nas Montanhas da Lua, onde estava desde que sua revolta, em que lutou Ernesto Che Guevara, fracassou, e marchar com o Exército de Ruanda até Kinshasa para derrubar Mobutu, em 1997.
A queda do ditador corrupto, com fortuna estimada entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões, deflagrou a chamada Primeira Guerra Mundial Africana, em que lutaram nove exércitos nacionais e 25 grupos armados irregulares.
Entre 1996 e 2008, estima-se que 5,4 milhões de pessoas morreram em combate, de fome ou de doenças causadas pela guerra civil congolesa. A ONU mantém no país sua maior missão de paz, com 17 mil soldados. Mas o país não tem estradas e infraestrutura que o una. As regiões são relativamente isoladas umas das outras.
Para agravar a situação, o presidente Joseph Kabila, que substituiu o pai, assassinado em 2001, não convocou até hoje as eleições presidencial e parlamentares previstas para 2016, sob a pretexto de que a comissão nacional eleitoral não poderia organizar o pleito antes de um novo censo da população.
Na prática, isso significou a prorrogação indefinida do que deveria ser o último mandato de Kabila, que perdeu toda legitimidade.
Quando o surto anterior de ebola chegou à Nigéria, o país mais populoso da África, a infraestrutura estatal e o sistema de saúde foram capazes de evitar uma epidemia. O teste será muito mais difícil para o Congo. A OMS espera que as lições da Guiné, da Libéria e de Serra Leoa ajudem a evitar mais uma tragédia congolesa.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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