O primeiro-ministro designado pelos partidos vencedores das eleições de 4 de março, Giuseppe Conte, desistiu ontem de formar um novo governo depois que o presidente Sergio Mattarella vetou o indicado para ministro da Economia, Paolo Savona, de 81 anos, um economista eurocético contrário à união monetária europeia. A Itália deve ter novas eleições, provavelmente em 9 de setembro.
Pela lei italiana, o presidente, eleito indiretamente pelo Congresso, tem funções cerimoniais, mas precisa aprovar os nomes dos ministros a serem aprovados pela Câmara e o Senado. Conte, que não foi eleito, durou quatro dias. Enquanto a Liga, neofascista, aceita novas eleições, o Movimento 5 Estrelas, populista, pede o impeachment de Mattarella.
O jornal La Stampa, de Turim, vê um agravamento da crise crônica da política italiana: "Depois de 85 dias de impasses e tentativas infrutíferas de dar um governo ao país, o impasse político traz o risco de se tornar una crise institucional sem precedentes", comentou em editorial.
"A escolha de Mattarella é incompreensível", reagiu o presidente do M5E, Luigi di Maio, citado pelo jornal italiano La Repubblica. "A verdade é que não querem o M5E no governo. Estão com muita raiva porque terminamos aqui. Quero o impeachment de Mattarella."
Em um comício em Fiumicino, Di Maio afirmou que "a democracia foi abolida. Savona é punido por um delito de opinião. Antes de voltar às urnas, é preciso denunciar Mattarella por alta traição e atentado contra as instituições. (...) Era uma coisa premeditada, derrubar o governo do M5E e da Liga. Difícil agora é ter confiança nas instituições e nas leis do Estado."
O presidente se defendeu alegando: "Não obstaculizei a formação do governo. Mas um chefe de Estado não pode sofrer imposições. Pedi para o Ministério da Economia a indicação de um influente expoente político da maioria, coerente com o programa político, que não seja visto como defensor de uma linha muitas vezes manifestada que pode provocar a saída da Itália do euro e provocar inquietude nos investidores italianos e estrangeiros."
Na sua opinião, o risco seria enorme: "A indicação de um ministro da Economia manda uma mensagem imediata aos operadores econômicos e financeiros. (...) É meu dever estar atento à proteção da poupança italiana, que garante a soberania da Itália."
Por isso, o presidente queria um ministro que, "além da estima e da consideração pessoal, não seja visto como defender de posições capazes de levar a saída da Itália do euro, coisa diferente de tornar a União Europeia melhor do ponto de vista italiano. Diante desta minha solicitação e de constatar a lamentável indisponibilidade de outra solução, o presidente designado do Conselho [de Ministros] abandonou o mandato."
Mattarella convocou para uma reunião na manhã desta segunda-feira, no Palácio Quirinal, Carlo Cottarelli foi alto funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e comissário de Despesas Públicas no governo Enrico Letta (2013-14), quando ficou conhecido como Senhor Tesoura.
Cottarelli é um tecnocrata. Deve ser encarregado de formar um governo provisório até as próximas eleições. Em artigo recente, criticou as promessas do M5E e da Liga, que orçou em 108 a 125 bilhões de euros.
"É um absurdo. Cottarelli não tem o apoio do Parlamento", protestou Di Maio. Em nota, o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, líder da direita tradicional, que virou aliada menor na aliança com a Liga, contra-atacou: "O M5E que fala em impeachment é como sempre irresponsável." Berlusconi está proibido de se candidatar em razão de condenações, mas pode voltar em breve.
O líder da Liga, antiga Liga Norte, Matteo Salvini, também reclamou: "Que dia brutal para a Itália e para a democracia. Estava tudo pronto, eu estava pronto para me ocupar da imigração e da segurança, mas nada, alguém hoje disse não. O governo da mudança não poderá nascer. Os senhores do spread e dos bancos, os ministros de Berlim, Paris e Bruxelas não estavam de acordo. Raiva? Muita. Medo? Zero. Vamos mudar este país juntos. Eu não vou largar [a luta]. Conto com vocês. Primeiro, os italianos."
Nas próximas eleições, o duelo será em torno do euro, o que permitiria até uma grande aliança do Partido Democrático, da esquerda tradicional, com a frente de direita liderada por Berlusconi. Seria difícil de imaginar no passado. Hoje, seria uma alternativa para barrar o M5E.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
segunda-feira, 28 de maio de 2018
Presidente veta ministro da Economia e Itália deve ter novas eleições
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