quinta-feira, 13 de março de 2014

Jogos de soma zero unem Putin e Maduro

Há uma convergência além do antiamericanismo nas visões de mundo dos presidentes autoritários da Rússia, Vladimir Putin, e da Venezuela, Nicolás Maduro: ambos veem a política e a economia como jogos de soma zero em que para uns ganharem é necessário que outros percam. Negociar, ceder e cooperar, mais do que sinais de fraqueza, equivalem a uma rendição ao inimigo.

Com essa atitude beligerante e militarista de inspiração marxista de uma guerra sem fim, pintam os adversários políticos como demônios nazifascistas que desrespeitam a democracia e as Constituições feitas sob medida por seus regimes onde os parlamentos se limitam a referendar as decisões do Executivo.

Ao deslegitimar os adversários, eles se tornam inimigos a serem destruídos. Os problemas econômicos, verdadeiras causas das crises na Ucrânia e na Venezuela, são ignorados. A solução está no uso da força.

Tanto Putin quanto Maduro está preso a uma visão de mundo do século 19 que não faz sentido no mundo globalizado do século 21. A riqueza e o poder das nações hoje vêm de economias e sociedades civis vibrantes ligadas tecnologicamente na luta pela qualidade de vida, sem descuidar da defesa, claro. Como mostra a China, o poderio militar é uma decorrência do poder econômico, ainda que as autoridades chinesas compartilhem essa visão do século 19.

No delírio paranoico de restaurar pelo menos parte do poder imperial czarista e soviético, Putin acredita que poder político se traduz em expansão territorial. Em 2008, a Rússia tomou duas regiões autônomas da ex-república soviética da Geórgia, a Abcásia e a Ossétia do Sul, zonas de fronteiras hoje dominadas por mafiosos e bandidos.

A história se repete. Na madrugada de 27 de fevereiro de 2014, pouco antes das 5h, dezenas de homens armados e mascarados tomaram o parlamento regional da Crimeia em apenas cinco minutos. Ao amanhecer, a bandeira tricolar da Rússia estava hasteada no prédio da era soviética.

Em seguida, uma sessão extraordinária instalou o líder do pequeno partido Unidade Russa, o mafioso Serguei Axionov,  como chefe do governo da Crimeia, que tem o status de república autônoma da Ucrânia. Não havia quorum, mas isso pouco importa para o Kremlin.

A exemplo do que fazia Hitler antes da Segunda Guerra Mundial, Putin alega agir em defesa dos russos, supostamente ameaçados por neonazistas ucranianos do grupo Setor de Direita, que realmente participou da revolução que derrubou o presidente Viktor Yanukovich, mas não participa do novo governo de Kiev.

Em mais dois dias, soldados armados e uniformizados sem insígnia tomaram aeroportos, postos de fronteira e bases militares, consolidando a intervenção militar russa na Ucrânia, apresentada por Moscou como reação de "forças de autodefesa" contra supostos abusos jamais identificados ou comprovados contra a população ucraniana de origem russa. Como os ucranianos não aceitaram as provocações, não houve guerra.

O Kremlin então alegou reagir a pedidos de Axionov para restaurar a paz e a ordem na península da Crimeia, enquanto 150 mil soldados russos faziam treinamento militar "de rotina" do outro lado da fronteira. Em 1º de março, Putin pediu autorização ao Conselho da Federação para enviar tropas e usar a força não apenas na Crimeia mas em toda a Ucrânia.

Apesar da reação da Europa e dos EUA, que apoiam o governo provisório da Ucrânia, o parlamento regional da Crimeia convocou um referendo para se integrar à Rússia para o próximo domingo e declarou independência. Putin insiste que não foi a Rússia que iniciou a crise, atribuindo naturalmente a revolução ucraniana a uma conspiração ocidental, como se só os Estados e não os povos fossem agentes políticos.

Com todo o receio dos governos e especialmente das empresas ocidentais de impor sanções à Rússia porque todos vão perder com isso, alguma resposta será inevitável, como advertiu hoje a chanceler (primeira-ministra) da Alemanha, Angela Merkel. Todas as outras ex-repúblicas soviéticas estão de sobreaviso. Isso não ajuda o plano de Putin de criar a União Eurasiana.

Na Venezuela, a onda de protestos contra a inflação, a escassez de produtos essenciais e a violência completou um mês ontem com um total de 25 mortes. Maduro não foi à posse da presidente Michele Bachelet, em 11 de março, no Chile. O ministro do Exterior, Elías Jaua, anunciou que a Venezuela estava sob a ameaça de um golpe já debelado pelo governo.

As países da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) ficaram de formar um grupo de contato para negociar a crise que divide a Venezuela. Em princípio, um acordo nacional deve passar por uma mudança profunda na política econômica, o desarmamento das milícias chavistas, o fim da censura e a libertação dos presos políticos em troca do fim dos protestos, do reconhecimento da legitimidade do governo até a convocação de um referendo revogatório, como prevê a Constituição da República Bolivarista da Venezuela, e do compromisso da oposição de manter os programas sociais, as misiones de Chávez, o resultado positivo da revolução.

Isso implica o desmonte da fracassada "revolução chavista" e seu "socialismo do século 21". Como o governo só fala em defender uma revolução que não consegue garantir o abastecimento de açúcar, carne, leite, papel higiênico e até mesmo energia elétrica num país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo, não há muita esperança.

A cubanização do regime chavista tornará muito mais difícil o desmonte da revolução na área militar. Sem desarmar as milícias chavistas, não haverá trégua com a oposição. Como observou o cientista político Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília (UnB), na Argentina, basta derrotar o kirchnerismo nas urnas para criar novas condições de governabilidade. Na Venezuela, será preciso desarmar a militarização imposta pelo comandante morto.

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