Em discurso no Kremlin diante de parlamentares russos, depois de assinar o termo de reintegração da Crimeia, o presidente Vladimir Putin afirmou hoje que a região "sempre foi e sempre será parte inalienável da Rússia", ignorando que fora doada à Ucrânia em 1954, na era soviética, quando isso não faria a menor diferença. Rejeitar o pedido de anexação da Crimeia, acrescentou, "teria sido uma traição".
Sob o aplauso de deputados, senadores e líderes separatistas da Crimeia, no luxuoso e imperial Salão São Jorge do Kremlin, Putin afirmou que não quer confronto com o Ocidente, mas prometeu defender os interesses dos russos. Cerca de 25 milhões vivem em outras ex-repúblicas soviéticas que não a Rússia. Todas estão em alerta diante das manobras do Kremlin.
Putin apontou cinco razões para anexar a Crimeia, observou o jornal americano The Wall St. Journal:
1. Historicamente, a Crimeia faz parte da Rússia. A transferência da região para a Ucrânia, em 1954, foi uma violação das leis da União Soviética. Quando o secretário-geral do Partido Comunista, o ucraniano Nikita Kruschev, cedeu a Crimeia à Ucrânia, ninguém esperava o fim da União Soviética. A Ucrânia foi cedida como um "saco de batatas", disse Putin. "O que parecia inacreditável, infelizmente tornou-se realidade", o fim da URSS, que o ditadorzinho russo já chamou de "maior catástrofe geopolítica do século 20.
2. A Crimeia precisa ser parte de um Estado forte e estável. Putin nega legitimidade ao governo central da Ucrânia formado depois da fuga do presidente Viktor Yanukovich em meio a uma batalha nas ruas entre a polícia de choque e rebeldes interessados em se aproximar da União Europeia. Reafirma o direito de defender os "compatriotas", mesma desculpa usada por Hitler na Segunda Guerra Mundial para invadir países. O dirigente russo citou o resultado do referendo como prova convincente de que a maioria da Crimeia quer fazer parte da Rússia e citou como precedente a independência do Kossovo depois de uma guerra em que Moscou apoiou a Sérvia, em 1999, outra derrota geopolítica de que tenta se vingar. A vitória do sim com 96,77% lembra as eleições soviéticas.
3. A Rússia não pretende tomar mais territórios da Ucrânia. Apesar das manobras militares, da tomada de quartéis, de novos confrontos no Leste do país e da morte do primeiro militar ucraniano desde a invasão russa, Putin declarou não estar interessado no resto da Ucrânia. Mas seu ministro do Exterior, Serguei Lavrov, já falou em federalismo na Ucrânia. Isso aumentaria a influência de Moscou sobre as regiões de maioria russa.
4. O Ocidente cruzou um limite ao apoiar o novo governo da Ucrânia. Putin acusa o Ocidente de apoiar um governo surgido de um "golpe inconstitucional". Na sua argumentação, isso anula qualquer crítica relativa à ocupação militar da Ucrânia e à realização de um referendo de resultado conhecido muito antes da votação. O ditatorzinho russo tenta jogar a ilegitimidade para o outro lado, como se o governo revolucionário da Ucrânia não tivesse convocado eleições na busca de legitmidade.
5. A Rússia não está preocupada com as sanções. A modesta reação ocidental não incomoda o homem-forte do Kremlin. Muitos altos funcionários sancionados não têm dinheiro nem propriedades no exterior, ironizou Putin, então as sanções não terão grande efeito.
Cada vez mais isolado internacionalmente, Putin agradeceu o apoio da China, embora o embaixador chinês tenha votado em branco no Conselho de Segurança das Nações. O regime comunista chinês rejeita em princípio referendos sobre a independência de regiões, principalmente tendo em vista Taiwan e o Tibete.
Como se falasse da Rússia, Putin acusou a política externa ocidental de se basear na lei de força: "Nossos parceiros do Ocidente, liderados pelos Estados Unidos, preferem não se guiar pelo direito internacional, mas pela lei do mais forte. Passaram a acreditar na sua excepcionalidade e na crença de que são escolhidos. Não podem decidir os destinos do mundo", afirmou, ignorando o princípio de autodeterminação dos povos que alega defender.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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