terça-feira, 18 de março de 2014

Crimeia tem direito à secessão mas não à moda Putin

Em princípio, os habitantes da Crimeia têm direito à autodeterminação. Afinal, o Quebec, no Canadá, e a Escócia, no Reino Unido, fizeram vários referendos e vão continuar tentando. O problema é como isso aconteceu na Ucrânia.

Não havia um movimento organizado de independência da Crimeia. Tropas russas sem insígnia tomaram o parlamento regional na madrugada de 27 de fevereiro de 2014. Em seguida, os deputados pró-russos realizaram uma sessão sem o quórum mínimo e elegeram Serguei Axionov, um empresário suspeito de realizar negócios ilícitos, como governador regional.

A partir daí, começaram os preparativos para o plebiscito. O novo governo ucraniano convocou eleições para 25 de maio, o que daria tempo suficiente para realizar uma campanha e fazer coincidir as votações, como aliás destacou a embaixadora dos EUA, Samantha Power, na sessão do Conselho de Segurança da ONU, que condenou o referendo por 13-1, mas foi vetada por Moscou.

Então, em primeiro lugar, sob intervenção militar, as condições eram inadequadas para uma consulta popular democrática. Apesar da maioria de russos étnicos (58% da Crimeia), que deveria ser suficiente para garantir a vitória, houve muitas outras irregularidades.

A Constituição da Ucrânia exige que todo o país vote mudanças territoriais. Putin alegou que o novo governo era ilegítimo, fruto de um golpe, para rejeitar todos os tratados assinados entre os dois países, inclusive o Memorando de Budapeste, em que a Ucrânia cedeu à Rússia todas as armas nucleares herdadas da União Soviética em troca de garantias de segurança

A cédula de votação dava duas alternativas: anexação à Rússia ou maior autonomia dentro da Ucrânia, com base na Constituição de 1992, já revogada. Não havia alternativa de manter o status quo e continuar sendo uma república autônoma da Ucrânia.

Na campanha eleitoral, a Rússia e sua mídia estatal apresentaram a votação com um duelo entre a Rússia e os nazifascistas ucranianos do grupo radical Setor de Direita, que foi ativo nas barricadas da Praça da Independência, mas não participa do governo, aliás dominado por partidários da ex-primeira-ministra Yulia Timochenko, de fortuna suspeita.

A TV estatal russa chegou a noticiar que 675 mil ucranianos tinham fugido do país para escapar de supostos massacres cometidos pelo novo governo. Um repórter de jornal ocidental foi até a fronteira. Encontrou funcionários sonolentos em meio à rotina.

Aí veio a votação, apenas 10 dias depois da convocação do referendo, sem qualquer supervisão internacional. Houve inúmeras denúncias de fraude, desde cédulas pré-marcadas até votações maiores do que o número total de eleitores, como em Sebastopol, sede da Frota do Mar Negro, onde o sim teve 123% como nas eleições da extinta URSS.

Assim, o povo da Crimeia tem direito à secessão, sim, mas não nos termos impostos pelo homem-forte do Kremlin, Vladimir Putin, que fez carreira dentro da polícia política soviética KGB (Comitê de Defesa do Estado) e usa seus métodos até hoje. Em seu discurso hoje diante do Parlamento da Rússia, Putin destacou "o resultado extremamente convincente", oficialmente com 96,7% de votos sim, no pior estilo das eleições soviéticas.

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