Em princípio, os habitantes da Crimeia têm direito à
autodeterminação. Afinal, o Quebec, no Canadá, e a Escócia, no Reino
Unido, fizeram vários referendos e vão continuar tentando. O problema é
como isso aconteceu na Ucrânia.
Não
havia um movimento organizado de independência da Crimeia. Tropas
russas sem insígnia tomaram o parlamento regional na madrugada de 27 de fevereiro de 2014. Em seguida, os deputados pró-russos realizaram uma sessão sem o
quórum mínimo e elegeram Serguei Axionov, um empresário suspeito de
realizar negócios ilícitos, como governador regional.
A
partir daí, começaram os preparativos para o plebiscito. O novo governo
ucraniano convocou eleições para 25 de maio, o que daria tempo
suficiente para realizar uma campanha e fazer coincidir as votações,
como aliás destacou a embaixadora dos EUA, Samantha Power, na sessão do
Conselho de Segurança da ONU, que condenou o referendo por 13-1, mas foi
vetada por Moscou.
Então,
em primeiro lugar, sob intervenção militar, as condições eram
inadequadas para uma consulta popular democrática. Apesar da maioria de
russos étnicos (58% da Crimeia), que deveria ser suficiente para
garantir a vitória, houve muitas outras irregularidades.
A
Constituição da Ucrânia exige que todo o país vote mudanças
territoriais. Putin alegou que o novo governo era ilegítimo, fruto de um
golpe, para rejeitar todos os tratados assinados entre os dois países,
inclusive o Memorando de Budapeste, em que a Ucrânia cedeu à Rússia
todas as armas nucleares herdadas da União Soviética em troca de
garantias de segurança
A
cédula de votação dava duas alternativas: anexação à Rússia ou maior
autonomia dentro da Ucrânia, com base na Constituição de 1992, já
revogada. Não havia alternativa de manter o status quo e continuar sendo
uma república autônoma da Ucrânia.
Na
campanha eleitoral, a Rússia e sua mídia estatal apresentaram a votação
com um duelo entre a Rússia e os nazifascistas ucranianos do grupo
radical Setor de Direita, que foi ativo nas barricadas da Praça da
Independência, mas não participa do governo, aliás dominado por
partidários da ex-primeira-ministra Yulia Timochenko, de fortuna
suspeita.
A
TV estatal russa chegou a noticiar que 675 mil ucranianos tinham fugido
do país para escapar de supostos massacres cometidos pelo novo governo.
Um repórter de jornal ocidental foi até a fronteira. Encontrou
funcionários sonolentos em meio à rotina.
Aí
veio a votação, apenas 10 dias depois da convocação do referendo, sem
qualquer supervisão internacional. Houve inúmeras denúncias de fraude, desde cédulas
pré-marcadas até votações maiores do que o número total de eleitores,
como em Sebastopol, sede da Frota do Mar Negro, onde o sim teve 123% como nas eleições da extinta URSS.
Assim, o povo da Crimeia tem direito à secessão, sim, mas não nos termos impostos pelo homem-forte do Kremlin, Vladimir Putin, que fez carreira dentro da polícia política soviética KGB (Comitê de Defesa do Estado) e usa seus métodos até hoje. Em seu discurso hoje diante do Parlamento da Rússia, Putin destacou "o resultado extremamente convincente", oficialmente com 96,7% de votos sim, no pior estilo das eleições soviéticas.
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