quinta-feira, 16 de abril de 2015

China aproveita fragilidade de países em crise

Ao emprestar US$ 3,5 bilhões à Petrobrás, a exemplo do que fez com a Argentina, a Venezuela e a Rússia, a China, aproveita-se da fragilidade de países em crise para garantir a longo prazo o suprimento das matérias-primas essenciais a seu desenvolvimento. No domingo passado, O Globo publicou matéria de Eliane Oliveira sobre o assunto em que fui citado.

Queria ampliar mais meus pontos de vista:

Quando Deng Xiaoping lançou seu programa de reformas para modernizar a China, em 1978, recomendou aos chineses e ao partido: trabalhem muito, sejam discretos, não mostrem sinais de riqueza e não se metam em conflitos externos. 

Depois do caos da Grande Revolução Cultural Proletária (1966-76) e da morte de Mao Tsé-tung, a China precisava de estabilidade interna e externa para tocar adiante seu projeto de desenvolvimento. Na época, em 1978, a China e o Brasil tinham PIBs do mesmo tamanho, cerca de US$ 200 bilhões. O desenvolvimentismo chinês deu mais certo. Foi o mais rápido e extraordinário da história.

O objetivo era claro: crescer, se fortalecer e ganhar massa crítica até tornar a China o país incontornável que é hoje. No fim da Guerra Fria, a China era um aliado não membro da OTAN. A Argentina de Carlos Menem chegou a ter o mesmo status, mas nunca teve o peso da China.

Logo que o presidente George W. Bush (2001-9) chegou à Casa Branca com a arrogância do Partido Republicano de que "nós ganhamos a Guerra Fria, mas ainda não tiramos partido isso", hostilizou os inimigos históricos, Rússia e China, antes de encontrar um novo inimigo no extremismo muçulmano. Em abril de 2001, houve o incidente na ilha de Hainã. 

Um caça chinês tentou interceptar um avião-espião americano, que derrubou o avião chinês, matou o piloto e ainda fez um pouso de emergência na China em Hainã. As autoridades chinesas interrogaram a tripulação e libertaram os americanos. A China ainda se submetia aos EUA.

Ao mesmo tempo, a China tratou de fortalecer suas defesas. No governo anterior, de Bill Clinton (1993-2001), quando a China ameaçou Taiwan por causa da possível vitória do partido a favor da independência da ilha, os EUA mandaram duas fragatas para o Estreito de Taiwan. 

NEUTRALIZANDO A SUPERIORIDADE AMERICANA
Logo a China tratou de instalar mísseis para evitar que isso se repetisse. Desde então, fez mísseis capazes de destruir satélites-espiões, porta-aviões e submarinos, neutralizando na prática a superioridade estratégica dos EUA.

Afinal, a revolução comunista na China foi feita com o objetivo de reparar injustiças e humilhações históricas que o país sofreu a partir das Guerras do Ópio (1839-42 e 1856-60), quando o Império Britânico tomou Hong Kong, para que o antigo Império do Meio, que era o centro do mundo na Ásia, volte a exercer um papel de protagonista nas relações internacionais. 

Até o início do século 19, China e Índia eram responsáveis por 20% da produção industrial, mas perderam a corrida tecnológica. Já haviam perdido a Revolução Comercial. Também ficaram para trás na Primeira Revolução Industrial (máquina a vapor, locomotiva, navio a vapor) e na Segunda Revolução Industrial (eletricidade, automóvel, rádio), e entraram tardiamente na Terceira Revolução Industrial (automação, TV e computadores), mas com força total.

A grande virada nas relações China-EUA vem com a Grande Recessão de 2008-9, que derrubou o mito de invencibilidade do capitalismo americano. A partir daí, a China passa a exigir tratamento de igual para igual dos EUA. 

Hu Jintao foi o último líder a se ajoelhar diante dos EUA. Xi Jinping, que está longe de ser um liberal e se preocupa em manter o liberalismo à distância, quer propor um modelo alternativo ao poder americano em todas as áreas.

Se uma superpotência é um país capaz de projetar seu poderio pelo mundo inteiro, a China já é uma superpotência econômica. Tem uma relação de interdependência com os EUA. 

Deng sempre se afastou de propostas terceiro-mundistas como a feita por Sarney em 1988 de criar um Clube dos Cinco (Brasil, Argentina, México, China e Índia) para se opor ao G-7, formado pelas maiores potências industriais da época. Sabia que precisava de capital e tecnologia para o desenvolvimento. Hoje a China é interdependente e trata de fortalecer suas relações econômicas com todo o resto do mundo.

REORIENTANDO A ECONOMIA
A crise na Europa e nos EUA está obrigando a China a orientar sua economia do mercado externo para o consumo interno, uma transição delicada. Com a derrota do comunismo na Guerra Fria, o extraordinário desenvolvimento econômico legitima o monopólio de poder do PC chinês. Quando a crise vier, a classe média e os ricos vão querer mais poder para decidir seu próprio destino.

No mercado financeiro, se fala de uma bolha chinesa no mercado imobiliário. A economia foi movida a investimento e haveria um excesso de imóveis. Quando a crise das hipotecas de segunda linha estourou nos EUA, o mercado imobiliário representaria 16% das dívidas do sistema financeiro americano; na China, seriam 50% hoje.

Na China, será feito o teste definitivo da hipótese de que o desenvolvimento econômico e social leva à democracia. O modelo chinês é uma mistura do desenvolvimentismo japonês com o modelo empresarial sul-coreano de megacorporações (chaebol) e o regime político que o chinês (de origem) Lee Kuan Yew criou em Cingapura, a ditadura perfeita, um Estado policial que funciona.

A política externa chinesa está a serviço do seu projeto de desenvolvimento econômico. Um dos objetivos centrais é garantir o suprimento de matérias-primas para a indústria. Isso orienta as relações com a África, a América Latina e o Oriente Médio, onde navios da Marinha chinesa resgataram nas últimas semanas diplomatas estrangeiros do porto de Áden, no Iêmen. Foi a primeira vez, sinal de que a China está disposta a assumir suas obrigações como grande potência do bem.

Porque o problema central das relações com a China é este: não existe uma superpotência benigna, como observou o historiador britânico Jonathan Spence. 

IMPERIALISMO
O poder existe para ser exercido. Quem não o exerce, perde. As relações econômicas da China com a América Latina são neocoloniais: exportamos matérias-primas e importamos produtos industrializados. 

A indústria chinesa está tomando os mercados de manufaturados da indústria brasileira na América Latina. Os EUA compram muito mais produtos manufaturados da América Latina do que a China. Nosso problema é como negociar com a China, que tem um peso hoje equivalente ao dos EUA.

O acordo da China com a Argentina foi uma clara violação das regras do Mercosul, que cada vez mais se torna irrelevante. O Uruguai, que sempre quis fazer um acordo com os EUA mas não fez porque seria punido como sócio menor, alegou mais uma vez que é preciso mudar a regra que proíbe acordos isolados de um só país com outros de fora do bloco.

A Rússia negociava há dez anos um acordo de gás com a China. Sob pressão internacional por causa de intervenção militar na Ucrânia, fechou negócio, certamente a preços de barganha.

A China já tinha feito isso com o Zimbábue, desgovernado pelo ditador Robert Mugabe, alvo de sanções do Ocidente por perseguir a oposição, e com outros países da África. Agora, chega a vez de Argentina, Brasil e Venezuela, o eixo da América do Sul, que enfrenta crises econômicas e políticas.

Na minha opinião, está fazendo negócios da China, conquistando mercados e garantindo matérias-primas para o futuro.

O grande desafio de qualquer país hoje é como negociar com a China e com os EUA, como se equilibrar neste mundo em que há uma transição hegemônica, talvez não dos EUA para a China, mas para um grupo de grande potências em que a China será a maior.

SUPERPOTÊNCIA EM ASCENSÃO
A história ensina que a ascensão de grandes potências sempre provoca guerras no sistema internacional. A China afirma ter aprendido as lições da Alemanha, do Japão e da União Soviética. Mas flexiona seus músculos contra os países com os quais têm disputas territoriais: Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Malásia e Vietnã.

Uma aliança tácita entre EUA, Índia e Japão se forma para contrabalançar o poderio da China, que como superpotência econômica não pode ser contida como foi a URSS. Todo o mundo quer fazer negócios da China.

O presidente Barack Obama manifestou a intenção de concentrar a maior parte do poderio militar dos EUA na Ásia e no Pacífico. Mas a Doutrina Obama, de usar a diplomacia em vez da força, e a decisão de não bombardear a Síria quando o governo Assad atacou com armas químicas, apesar das ameaças, convenceram os chineses de que os EUA não vão entrar em guerra com a China para defender seus aliados asiáticos, possivelmente com a exceção da Coreia do Sul e do Japão.

Em junho de 2014, escrevi aqui:

Ao comentar as críticas de Washington à agressividade chinesa nas disputas territoriais com países vizinhos no Mar da China Meridional, durante o Diálogo de Xangrilá, realizado em Cingapura no último fim de semana, o general Zhu Chenghu, professor da Universidade da Defesa Nacional, disse em tom provocativo que os Estados Unidos sofrem de "disfunção erétil".

"À medida que o poder dos EUA declina, Washington precisa confiar nos aliados para conter o desenvolvimento da China", declarou o general a uma televisão de língua chinesa. "Mas se vão se envolver ou intervir militarmente numa disputa territorial entre a China e seus vizinhos é outra história."

Em seguida, disparou: "Podemos ver na situação da Ucrânia uma espécie de disfunção erétil."

A Síria é um exemplo melhor da hesitação do governo Obama de usar a força. Os EUA não entrariam em guerra com uma potência nuclear como a Rússia por causa da Ucrânia. A mesma lógica se aplica aos vizinhos da China, com a exceção do Japão e da Coreia do Sul.

Na corrida tecnológica, ataques de saturação com mísseis de cruzeiro podem se tornar a maior ameaça a grupos navais dos EUA liderados por porta-aviões, adverte um ensaio Centro Chinês para Estudo de Assuntos Militares e a Universidade da Defesa Nacional.


A China não sofre de "disfunção erétil" nas relações econômicas com a América Latina.

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