Com 2,78 milhões de quilômetros quadrados, a República Argentina
é o segundo maior país da América Latina, atrás apenas do Brasil, e o oitavo maior
do mundo. Vai das planícies quentes do Chaco e da Mesopotâmia argentina e se
estende pelos pampas até as neves eternas da Patagônia, ao sul, e dos Andes, a
oeste.
O pico do Aconcágua, maior montanha do mundo fora da
Ásia, com 6.960 metros, fica na Argentina. A cidade mais ao
sul no mundo inteiro é argentina: Ushuaia.
Um dos dez países mais ricos do mundo no início do século
20, a Argentina foi um dos mais países que mais se subdesenvolveram no século
passado por causa da crise política crônica que sofre desde o golpe militar de
1930. Terminou o século exportando os mesmos produtos básicos que vendia ao
exterior cem anos antes.
O autoritarismo frustrou o desenvolvimento. Basta comparar a
Argentina à Austrália ou ao Canadá, grandes países com enormes recursos e
população escassa construídos por imigrantes.
No momento, a Argentina enfrenta uma nova crise da dívida.
Uma pequena parcela de credores que não aceitou as renegociações de 2005 e 2010
conseguiu na Justiça dos Estados Unidos o direito de receber o valor de face
dos títulos caloteados em 2001. Isso gera o risco de abalar toda a renegociação.
A Argentina precisa pagar os títulos antigos, hoje nas mãos
de fundos de investimento que o governo Cristina Kirchner chama de “abutres”,
antes de remunerar com juros os novos compradores. Terá de renegociar, mas só
oferece trocar por papéis nas mesmas condições das ofertas anteriores. A inflação ronda os 30% ao ano e há escassez de vários produtos.
O impasse criado pela Justiça dos EUA foi criticado até
mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que teme que possa prejudicar outras
renegociações de dívidas públicas.
POPULAÇÃO
O número de habitantes da Argentina aumentou mais de 20
vezes desde o primeiro censo, em 1869, quando eram 1,8 milhão.
Mais de 92% dos 41,66 milhões (estimativa de 2013) de
argentinos vivem em cidades, com destaque para Buenos Aires, a capital federal,
e a Província de Buenos Aires. É uma população menor do que a do estado de São
Paulo, estimada em 43 milhões. Cerca de 97% são de origem europeia, 1,5% índios
e 1,5% mestiços e outras minorias.
Dois terços dos argentinos moram nas chamadas províncias do
Leste (Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Entre Ríos e La Pampa), que incluem a
chamada Mesopotâmia Argentina, entre os rios Paraná e Uruguai.
As outras 17 províncias, que cobrem 70% do território, são
escassamente povoadas, com apenas um terço da população total, atrasadas e
cronicamente pobres.
O país imenso, com enormes espaços vazios, solo fértil e
climas variados, atraiu colonos europeus, principalmente da Itália e da
Espanha. Cerca de 52% dos argentinos têm pelo menos um antepassado italiano. É
a maior comunidade italiana fora da Itália.
“Esta é uma terra de exilados”, respondia Jorge Luis Borges,
o escritor argentino mais universal, quando perguntado sobre a identidade
nacional. É um elemento central do mito fundador da Argentina a ideia um país
moderno construído no Sul por imigrantes europeus com ideias políticas e
sociais liberais ou radicais.
Para um embaixador brasileiro, é uma espécie de Complexo de Austrália ou Nova Zelândia, um país branco europeizado com uma cultura transplantada que se
sente isolado num continente mestiço.
Ao lado do Uruguai, a Argentina é o país mais europeizado e
alfabetizado da América Latina, o mais urbanizado, com a maior classe média e uma
das maiores rendas per capita, com as melhores editoras e livrarias.
GOVERNO
A Argentina é uma república federativa formada por 23
províncias e o distrito federal. O Congresso é formado pelo Senado, com 72
cadeiras, e a Câmara dos Deputados, com 257 cadeiras.
Cada província e a capital federal elegem três senadores com
mandato de seis anos. Os deputados são eleitos por listas de partidos e
coligações para mandatos de quatro anos.
O mandato presidencial é de quatro anos, com direito a uma
reeleição. Em seu segundo mandato, a presidente Cristina Fernández de Kirchner lutou
para obter nas eleições parlamentares de outubro de 2013 a maioria necessária
para reformar a Constituição e concorrer novamente. Não conseguiu.
A legislação eleitoral exige que pelo menos 30% dos
candidatos sejam mulheres. A voto é obrigatório dos 18 aos 70 anos. A partir de
2013, jovens podem votar com 16 e 17 anos, mas não são obrigados.
IDIOMAS
A língua oficial é o castelhano, falado com um sotaque
característico atribuído à imigração italiana.
O italiano, o polonês, o inglês, o alemão, o basco, o
siciliano, o galês e outras línguas de imigrantes também são faladas.
CARACTERÍSTICAS NACIONAIS
No livro Facundo,
sobre o caudilho Facundo Quiroga, da província de La Rioja, que inspirou Carlos
Menem com suas suíças largas, na verdade uma crítica ao caudilhismo de Juan
Manuel de Rosas, o escritor, jornalista, general e presidente Domingo Sarmiento
(1868-74) relaciona as características geográficas do país com o caráter e a
psicologia nacionais:
“O mal que oprime a República Argentina é a extensão; o
deserto a rodeia e se lhe insinua nas estranhas; a solidão, o despovoado sem
uma habitação humana são em regra os limites não contestados entre umas e outras
províncias.
IMENSIDÃO
“Ali, a imensidão está em todos os lados: imensa a planície,
imensos os bosques, imensos os rios, o horizonte sempre incerto, sempre
confundindo-se com a terra entre nuvens e vapores tênues que não permitem, na
longínqua perspectiva, assinalar-se o ponto onde termina o mundo e onde começa
o céu.
“Ao sul e ao norte, acossam-na os selvagens que aguardam as
noites de Lua para cair como enxame de hienas sobre o gado que pasta nos campos
e nas povoações indefesas.”
A conquista da Patagônia no século 19 se assemelha à
conquista do Oeste dos Estados Unidos por caravanas de carroções, com a
diferença de que o avanço era rumo ao Sul frio e gelado.
“Na solitária caravana de carretas que atravessa pesadamente
os pampas, e que se detém em repouso por momentos, a tripulação reunida ao
redor do escasso fogo volta mecanicamente os olhos para o Sul ao mais ligeiro
sussurro do vento que agita as ervas secas para mergulhar seus olhares nas
trevas profundas da noite em busca dos vultos sinistos da horda silvícola que a
pode surpreender desprevenida de um instante para outro”, escreveu Sarmiento.
BARBÁRIE
Um dos pais da pátria, ele descreve essa epopeia como um
duelo entre a civilização ocidental e a barbárie local que marca a história
argentina.
“Se o ouvido não escuta nenhum rumor, se a vista não
consegue varar o véu obscuro que envolve a calada solidão, volta os seus
olhares, para tranquilizar-se de todo, para as orelhas de algum cavalo que
esteja próximo ao fogo a fim de ver se estão imóveis e negligentemente
inclinadas para trás. Então, prossegue a palestra interrompida ou leva à boca o
pedaço de carne chamuscada de que se alimenta.
MORTE TRÁGICA
“Se não é a aproximação do selvagem o que inquieta o homem
do campo, é o temor do tigre que o apoquenta ou de uma víbora em que pode
pisar. Essa insegurança da vida que é habitual e permanente na campanha
imprime, no meu entender, ao caráter argentino certa resignação estoica com a
morte violenta que faz dela um dos acessórios inseparáveis da vida, uma maneira
de morrer como qualquer outra; e pode, quem sabe, explicar em parte a
indiferença com que dão e recebem a morte, sem deixar nos sobreviventes
impressões profundas e duradouras.”
Essa banalização da tragédia está presente no tango, a dança
nacional.
Neste ambiente hostil, acrescenta Sarmiento, “o capataz é um
caudilho como na Ásia o chefe da caravana; são necessários para este mister uma
vontade férrea, um caráter arejado até a temeridade para conter a audácia e a
turbulência dos flibusteiros da terra, que ele tem de governar e dominar
sozinho no desamparo do deserto. Ao menor sinal de insubordinação, o capataz
desenrola um chicote de ferro e descarrega sobre o insolente golpes que o ferem e contundem; e se a resistência se prolonga, antes de apelar para as pistolas,
cujo auxílio em geral desdenha, salta do cavalo com um formidável cutelo na mão
e reivindica prontamente sua autoridade pela destreza superior com que o
maneja.
JUSTIÇA SUMÁRIA
“Quem morre nessas execuções do capataz não deixa nenhum
direito a reclamações, considerando-se legítima a autoridade que o assassinou.
É assim que na vida argentina começa a se estabelecer, por essas
peculiaridades, o predomínio da força bruta, a preponderância do mais forte, a
autoridade sem limites e sem responsabilidade dos que mandam, a justiça administrada
sem formas e sem debate.”
Talvez isso ajude a entender a violência da última ditadura
militar argentina, a que mais matou na América do Sul durante a Guerra Fria,
com total de mortos e desaparecidos estimado em até 30 mil.
DESCOBRIMENTO
A população indígena do que hoje é a Argentina tinha cerca
de 300 mil pessoas quando os europeus chegaram e não foram bem recebidos. Alguns
historiadores acreditam que Américo Vespúcio esteve na foz do Rio da Prata em
1502, mas a maioria não.
O primeiro navegador da Europa a chegar comprovadamente ao
Rio da Prata foi o português João Dias de Solis, a serviço da coroa espanhola. Chamou-o de Mar Doce. Ele foi morto diante da ilha de Martín García e
comido pelos índios em 2 de fevereiro de 1516.
Em 1527, a expedição de Sebastião Cabot fundou um forte, o
primeiro assentamento espanhol na região, logo destruído pelos índios, mas se preocupou
mais subir os rios Paraná e Uruguai.
BUENOS AIRES
Como um dos objetivos da expedição colonizadora portuguesa
de Martim Afonso de Souza de 1530-32 seria reivindicar o Rio da Prata para a
coroa portuguesa, o espanhol Pedro de Mendoza fundou em 1536 a cidade de Santa
María del Buen Aire, hoje Buenos Aires.
O ambiente hostil, com ataques de índios, e a falta de
riquezas minerais fizeram com que em 1541 os últimos habitantes europeus fossem
para Assunção, hoje capital do Paraguai, na maior derrota do império de Carlos
V na América. Por causa das minas do Peru e da Bolívia, o Norte da Argentina
foi ocupado antes.
Buenos Aires foi refundada em 1580 por Juan de Garay. Sem o ouro e a prata do México e do
Peru, a vasta planície que estende a oeste do Rio da Prata era pouco atraente
para os colonizadores espanhóis. A maioria de seus habitantes vinha de outras
colônias da América e não da Espanha.
No início, a principal atividade econômica era a exploração
do gado que se proliferara no pampa depois do abandono da cidade, em 1541.
Garay incentivou a criação de gado como vocação natural da região. Antes do fim
do século 16, Buenos Aires começou a exportar couro, lã e sebo.
GAÚCHO
Dessa cultura de campo vem o gaúcho, a figura mítica do povo
argentino, o cowboy sul-americano, índio ou mestiço criado livre, solto e
errante pelos campos, caçando as reses das vacarias, sem se submeter a
hierarquias e disciplina.
O gaúcho está eternizado no poema épico Martín Fierro, de José Hernández, um livro importante para decifrar
a alma argentina. É corajoso, autoconfiante, indiferente às durezas da vida,
para ele parte da existência, e apaixonado pela terra onde vive. Está também na
literatura de Borges e tantos outros autores.
DOMÍNIO ESPANHOL
A refundação de Buenos Aires coincide com o início do
período da História do Brasil conhecido como Domínio Espanhol (1580-1640). Com
a morte do rei Dom Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 1578, a coroa de Portugal
foi reivindicada por Felipe II, da Espanha, na União Ibérica, que impôs um
regime teocrático.
Durante aquele período, os portugueses aproveitaram para ir
muito além do limite estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494, que
cortaria o Brasil da Ilha de Marajó, no Pará, a Laguna, em Santa Catarina,
excluindo quase toda a região Sul, o Mato Grosso, o Pantanal e a Amazônia.
COLÔNIA
O Cone Sul da América do Sul foi a única região em que os
impérios português e espanhol entraram em conflito na América Latina.
Quarenta anos depois do fim do Domínio Espanhol, em 1680, os
portugueses fundaram a Colônia do Sacramento, no Rio da Prata, do outro lado de
Buenos Aires, provocando uma reação dos espanhóis, que tomaram a Colônia no ano
seguinte. Essa foi considerada a primeira guerra argentina.
Numa contraofensiva, o governador de Buenos Aires, Juan José de Vértiz y Salcedo, avançou
em 1732 até onde hoje é o Rio Grande do Sul, sendo repelido pelo brigadeiro
Silva Paes, que em 1737 fundou o porto do Rio Grande. No ano seguinte, a região,
que incluía também o que hoje é Santa Catarina, foi declarada Capitania d’el
Rey de Portugal.
Em 1750, o Tratado de Madri deu ao território brasileiro o
contorno que tem hoje, com exceção do Acre, que pertencia ao Alto Peru,
possessão espanhola que se transformou na Bolívia, e do Rio Grande do Sul, que
voltou a ser invadido de 1763 a 1776. O tratados de Santo Ildefonso (1777) e de
Badajoz (1801), redefiniram a fronteira sul, que só seria traçada
definitivamente com a independência do Uruguai, em 1828.
VICE-REINO DO PRATA
Politicamente, a atual Argentina fazia parte do Vice-Reino
de Nova Castela, com capital em Lima, no Peru, que cobria toda a parte espanhola
da América do Sul, enquanto o Vice-Reino da Nova Espanha, com sede na Cidade do
México, administrava as colônias espanholas nas Américas Central e do Norte.
Três cidades hoje argentinas se destacavam: Buenos Aires,
Córdoba e San Miguel de Tucumán. Em 1622, os jesuítas fundaram a Universidade
de Córdoba, a primeira do país.
AUTORITARISMO
Os jesuítas, que criaram nas Missões a chamada República
Comunista Cristã dos Guaranis, tiveram papel importante na colônia até serem
expulsos, em 1768.
Até então, a colonização espanhola na América tinha sido
feita em parceria com a Igreja Católica, que impôs uma “ditadura espiritual”,
em detrimento do desenvolvimento econômico, na visão de José Luis Romero, autor
de Las Ideas Políticas en Argentina.
“A era do colonizador é assim a era da formação do espírito
autoritário em todas as esferas da vida social: autocracia real sustentada pelo
Estado; aristocracia dos colonizadores e funcionários reais; autocracia do
colono e povoador rural, que só dependiam de si mesmos para se sobrepor a mil
elementos hostis”, acrescenta Romero. Nesta ordem imutável, “toda tentativa de
inovação é contrária à ordem estabelecida e constitui um fato revolucionário”.
LIBERALISMO
As ideias liberais que fervilhavam na Europa desde a
Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688, começaram a chegar à América no
século 18, a Época das Luzes, com as reformas promovidas pela dinastia de
Bourbon numa tentativa de modernizar a monarquia espanhola. Tiveram papel
fundamental na luta pela independência.
Em 1776, foram criados os vice-reinos do Prata, com capital
em Buenos Aires, cobrindo Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, e de Nova Granada,
com sede em Santa Fé de Bogotá, com jurisdição sobre o atual território de
Colômbia, Venezuela e Equador.
INDEPENDÊNCIA
O movimento pela independência começa depois de Buenos Aires
e Montevidéu resistirem a duas invasões britânicas, em 1806 e 1807, quando até
azeite fervendo foi usado para combater o inimigo, e ganha força com a invasão
napoleônica da Península Ibérica, em 1807 em Portugal e em 1808 na Espanha.
Depois de uma votação em 22 de maio de 1810 que os
argentinos citam como exemplo de que o país nasceu republicano e democrático, em
25 de maio, dia da festejada Revolução de Maio, o Cabildo de Buenos Aires criou
o primeiro governo autonômo da América espanhola, no caso, para governar o
Vice-Reino do Prata até a restauração de Fernando VII.
Quando Fernando VII recuperou o trono em Madri, em 1814, não
teve força para impor seu controle sobre as colônias americanas. Em 9 de julho
de 1816, uma assembleia reunida em San Miguel de Tucumán declarou a
independência das Províncias Unidas do Rio da Pátria.
A guerra da independência começou imediatamente, sob a
liderança do general José de San Martín, um dos grandes libertadores da América
ao lado do venezuelano Simón Bolívar.
San Martín cruzou os Andes para libertar o Chile, em 1818.
Com o apoio da Marinha chilena, investiu contra o Peru, um dos últimos redutos
do imperialismo espanhol, com o apoio de Bolívar, com quem se encontrou em 22
de julho de 1822 em Guaiaquil, no Equador.
Os espanhóis ainda resistiram no Norte da Argentina. A
libertação da América do Sul só acaba com a vitória na Batalha de Ayacucho, no
Peru, em 1824, que marca o fim do império espanhol na América do Sul.
DIVISÃO
As Províncias Unidas do Prata se dividiram com as
independências do Paraguai, em 1814, da Bolívia, em 1825, e do Uruguai, em
1828.
A República Argentina, nome que aparece pela primeira vez na
Constituição de 1823, mergulha numa guerra civil entre os unitários, que
queriam um sistema político centralizado com hegemonia de Buenos Aires, e os
federalistas, muitos deles caudilhos de províncias interessados na autonomia
regional.
Para conter a anarquia, em 1820, o coronel Manuel Dorrego,
governador de Buenos Aires, nomeou Juan Manuel de Rosas, e família tradicional,
para chefe da milícia provincial.
Em 1826, a Assembleia Constituinte extrapolou seus poderes e
nomeou presidente o liberal portenho (natural de Buenos Aires) Bernardino
Rivadavia, provocando a revolta, em 1827, de Facundo Quiroga, caudilho da
província de La Rioja.
Rivadavia, considerado o primeiro presidente da Argentina,
caiu em 1827, quando o Brasil bloqueou o porto de Buenos Aires na guerra contra
a independência do Uruguai, que havia sido anexado por Dom João VI em 1816. O
governo nacional foi dissolvido e Dorrego virou governador de Buenos Aires, com
o apoio de Rosas.
ROSAS
Quando as tropas voltaram da guerra da independência do
Uruguai, em dezembro de 1828, derrubaram o federalista Dorrego e empossaram
Juan Lavalle, afastado por Rosas, que reinstalou a assembleia dissolvida por
Lavalle e foi eleito, em 1829, governador de Buenos Aires, cargo que ocupou até
1832, voltando em 1835 como ditador com poderes absolutos.
O assassinato de Facundo Quiroga, em 1835, mostrou que a anarquia e a
guerra civil persistiam. Como ditador, Rosas criou uma força policial
terrorista, a Mazorca, para perseguir seus inimigos e degolar alguns.
No fim dos anos 1830s, os moradores de Buenos Aires eram
obrigados a andar com insígnias na lapela que diziam: “Vivan los federales!
Mueran los immundos, asquerosos, salvajes, traidores unitários!” Retratos de
Rosas estavam em altares nas igrejas.
Em 1839, Lavalle, que estava exilado no Uruguai, invadiu a
província de Entre Ríos com o apoio da França, que bloqueou o porto de Buenos
Aires, e os bolivianos entraram no Noroeste da Argentina. Com um Exército de 20
mil homens e uma milícia de 15 mil homens, Rosas reafirmou sua condição de
força política suprema da confederação.
Em 1845, Rosas fechou o Rio Paraná para controlar o comércio
e a navegação. Forças navais da França e da Grã-Bretanha bloquearam mais uma
vez o porto de Buenos Aires e enviaram uma esquadra pela Bacia do Prata. Rosas
conseguiu impedir os fuzileiros navais de tomar as margens do Rio Paraná.
Em 1847, os britânicos desistiram do bloqueio porque estavam
perdendo mais comércio com Buenos Aires do que ganhariam com as províncias. Em
1848, Rosas voltou a bloquear o Rio Paraná em sinal de triunfo sobre as duas
grandes potências mundiais.
GUERRA COM BRASIL
O bloqueio irritou o Brasil e também o caudilho-governador
da província de Entre Ríos, general Justo José de Urquiza. Em 1851, um exército
de 28 mil entrerrianos, unitários, 1,5 mil colorados uruguaios e 3,5 mil
brasileiros marchou sobre Buenos Aires. Derrotado na Batalha de Caseros, perto
de Buenos Aires, em 3 de fevereiro de 1852, Rosas foi para o exílio na
Inglaterra, onde morreu em 1877. O Brasil nunca mais entrou em guerra contra a
Argentina.
Na opinião de alguns historiadores, Rosas foi o caudilho
mais interessante da América. Até hoje o debate sobre ele não está concluído. Ainda
é amado e odiado.
INDEPENDÊNCIA DE BUENOS AIRES
Depois da vitória sobre Rosas, o general Urquiza sancionou a
Constituição de 1853, rejeitada pela Província de Buenos Aires, que se separou
da Confederação Argentina proclamando-se um independente Estado de Buenos
Aires.
Era o início de mais uma guerra civil, que durou quase dez
anos. Acabou na Batalha de Pavón, na província de Santa Fé, em 17 de setembro
de 1861.
GUERRA DO PARAGUAI
Em 1862, Bartolomé Mitre, o vencedor da batalha, foi eleito
o primeiro presidente da Argentina unificada. Durante seu governo (1862-68), o
país foi invadido pelo ditador paraguaio Francisco Solano López e começou a
Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai), que deixou 300 mil
mortos e arrasou o Paraguai.
Mitre foi sucedido pelo liberal Domingo Faustino Sarmiento
(1868-74), o autor de Facundo. Grande
incentivador da educação, criador de muitas bibliotecas públicas, é chamado de
Professor da América.
Sarmiento acreditava que a educação era o caminho da
felicidade e da democracia: “Um povo ignorante vai sempre preferir Rosas”.
O próximo presidente argentino foi Nicolás Avellaneda
(1874-80). Em seu governo, a cidade de Buenos Aires foi separada da Província
de Buenos e transformada em Distrito Federal e o general Julio Roca comandou a
conquista da Patagônia. Roca foi duas vezes presidente, 1880-86 e 1898-1904.
GUERRAS INDÍGENAS
As campanhas militares para submeter os índios no Centro-Sul
da Argentina são outro capítulo de uma história trágica. Começam durante a
ditadura do general Juan Rosas (1835-52) e vão até o fim do século 19, quando o
general Roca colocou todas as terras da Patagônia sob efetivo controle do
governo de Buenos Aires, na chamada Conquista do Deserto (1878-9).
Em sua passagem por Bahía Blanca, durante a ditadura de
Rosas, o naturalista inglês Charles Darwin manifestou sua indignação com as
matanças de índios, que talvez tenham influenciado o desenvolvimento da Teoria
da Evolução das Espécies e do princípio da sobrevivência do mais forte e do
mais apto.
DARWIN SE INDIGNOU
“Poucos dias depois, vi outra tropa desses soldados com
jeito de bandidos iniciar uma nova expedição contra uma tribo de índios numa
pequena salina que tinha sido traída por um cacique preso”, escreveu Darwin em
seu diário.
“O terreno era montanhoso e selvagem. Devia ser bem para o
interior porque de lá se via a cordilheira. Os índios, homens, mulheres e
crianças, eram cerca de 110. Todos foram passados na espada. Os sobreviventes
ficaram tão aterrorizados que fugiram negando suas famílias e filhos; mas,
quando capturados, lutam contra quantos forem até o fim.
“Um índio agonizante cravou os dentes no dedo de um inimigo
e deixou que lhe arrancasse um olho para não soltar sua presa. Outro, que
estava ferido, fingiu-se de morto, mas manteve a faca em posição para dar um último
golpe fatal”, contou Darwin.
BARBÁRIE
“Um homem que perseguia um índio que pediu clemência disse:
‘Aí eu o derrubei com meu sabre, pulei do cavalo e cortei sua garganta’”,
registrou o naturalista inglês com indignação. “Esse é um quadro sombrio; mas
muito mais chocante é o inquestionável fato de que todas as mulheres acima de
20 anos são massacradas a sangue frio. Quando exclamei que isso é desumano, ele
respondeu: ‘Por quê? O que se pode fazer? Elas têm muitos filhos’.”
“Todo o mundo aqui está convencido de que esta é a mais
justa das guerras porque é contra bárbaros. Quem acreditaria que nos dias de
hoje tais atrocidades fossem cometidas num país cristão e civilizado? As
crianças indígenas que são salvas são vendidas ou dadas como servos, ou melhor,
escravos”, registrou Darwin.
CONQUISTA DO DESERTO
Pelo menos 1.313 índios foram mortos e outros 15 mil
expulsos de suas terras na Conquista do Deserto pelo general Roca em 1878 e
1879. Foi um verdadeiro genocídio. Abriu caminho para a colonização europeia e
a transformação da Argentina numa superpotência agrícola, capaz hoje de
produzir alimentos para 350 milhões de pessoas.
Nos últimos anos, movimentos de esquerda têm atacado
estátuas do general Roca, acusado de genocídio contra os índios na conquista da
Patagônia. O próprio conceito de “conquista do deserto” implica que eram terras
de ninguém.
IMIGRAÇÃO
Com estabilidade política depois de mais de meio século de
guerra civil, a Argentina começou seu desenvolvimento econômico e passou a
atrair uma grande leva migratória da Europa.
Em suas Bases e pontos
de partida para a organização política da República Argentina, Juan
Bautista Alberdi, um dos pais espirituais da pátria, apresenta suas ideias para
construir o país. Elas estão na origem da Constituição de 1853.
Para Alberdi, “governar é povoar”, e povoar com imigrantes
europeus.
A população argentina passou de 1,1 milhão em 1857 para 3,3
milhões em 1890 e 8 milhões em 1914.
Entre 1871 e 1914, foram 5,9 milhões de migrantes. De 1830 a 1950, a
Argentina recebeu 10% dos emigrantes que saíram da Europa para a América.
Cerca de 80% dos imigrantes vieram de países mediterrâneos.
A metade era de italianos; um quarto, espanhóis; além de turcos, russos,
franceses, poloneses e portugueses.
CRESCIMENTO ECONÔMICO
O grande atrativo era o desenvolvimento da indústria do frio
para processar carnes e da agricultura de clima temperado.
Em 1869, só 3% da população de Buenos Aires trabalhavam na
agricultura. A Argentina era dependente das importações de trigo do Chile e dos
EUA.
No final dos anos 1880s, a Argentina se tornou um grande
produtor mundial de milho, trigo, aveia e cevada, e linho.
As exportações de trigo aumentaram 20 vezes de 1880-84 para
1890-94. O comércio exterior pulou de 37 milhões de pesos-ouro, em 1861, para
mais de 250 milhões em 1889.
REBANHO
O rebanho de ovelhas cresceu de 7 milhões em 1852 para 87
milhões em 1888. A Província de Buenos Aires tinha 5 milhões de cabeças de gado
bovino e 45 milhões de ovinos. A exportação de lã cresceu na mesma medida, de
300 toneladas em 1829 para 111 mil toneladas em 1882.
A alta nas exportações de lã no início dos anos 1860s foi
resultado da Guerra da Secessão, nos EUA, e ajudou na pacificação argentina de
1862. Com a guerra civil americana, a imigração para a Argentina aumentou.
FERROVIAS
O sistema ferroviário, inaugurado com uma linha de 10
quilômetros de extensão em 1857, chegou a mais de 9 mil quilômetros de estradas
de ferro em 1890, 33,5 mil km em 1914 e 43,9 mil km em 1960, quando chegou ao
máximo. Esses dados econômicos são de David Rock, no livro Argentina: 1516-1987: from Spanish colonization to Alfonsín e de
Diego Arguindeguy em 365 días para
conocer la História Argentina.
Até 1930, a Argentina estava entre as dez maiores economias
do mundo. Desde então, criou uma indústria nacional sob o peronismo, que entrou
em decadência nos anos 60, sofreu com a hiperinflação, o neoliberalismo da
ditadura e a dolarização da era Menem. O produto interno bruto argentino em
2013 foi estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em US$ 488 bilhões e
a renda média por habitante, em US$ 11,72 mil.
REVOLUÇÃO DO FRIO
No Natal de 1876, um navio francês aportou em Buenos Aires
trazendo a novidade no seu próprio nome: La
Frigorifique. A degustação dos pratos preparados com carne congelada não
agradou muito aos paladares acostumados com carne fresca da melhor qualidade.
Mas o país mudou.
A partir daí, as melhores terras da Argentina passaram a
criar gado para uma indústria voltada para a exportação de carnes e derivados.
Em 1882, Eugenio Terrasón transformou sua charqueada San
Luis no frigorífico Elisa, o primeiro da América do Sul. No ano seguinte,
chegou a River Plate Meat Company. Os britânicos e americanos passaram a
dominar o negócio com empresas como Swift, Armour e Anglo.
O Censo de 1914 revelou que só os frigoríficos de Buenos
Aires empregavam mais de 10 mil trabalhadores, mais de 10% dos operários da
cidade mais industrializada da Argentina.
Uma elite política e intelectual tentava criar uma sociedade
no modelo europeu e norte-americano nas vastas terras férteis do Cone Sul da
América Latina, tentando superar ou ignorar um passado de índios nômades e
gaúchos rebeldes.
O crescimento das exportações, os investimentos estrangeiros,
sobretudo britânicos, de 157 milhões de libras até 1890, a tecnologia moderna e
a oferta de mão de obra imigrante transformaram uma colônia menor do Império
Espanhol num dos países mais ricos do mundo em cem anos de independência. O
passado de violência e miséria deu lugar à prosperidade, ao progresso e a um
estilo de vida cosmopolita.
Impressionado, o poeta nicaraguense Rubén Darío chegou a
prever que os argentinos seriam os “ianques do Sul”, capazes de liderar o resto
da América Espanhola na trilha do desenvolvimento.
VOTO SECRETO E UNIVERSAL
A primeira revolução pelo sufrágio universal aconteceu em
1893, e a festa do Primeiro Centenário, em 1910, foi sob estado de sítio depois
da revolução de 1905 contra a “república conservadora”, em que as eleições eram
uma farsa.
Para combater as fraudes e modernizar o sistema político
dominado pela oligarquia latifundiária que costumava indicar um general para a
presidência, em 1912, a Lei Roque Sáenz Peña, proposta pelo presidente de mesmo
nome, introduziu o voto secreto, universal e obrigatório para todos os homem
com mais de 18 anos.
O primeiro presidente eleito sem fraude foi Hipólito
Yrigoyen (1916-22), da União Cívica Radical, em 1916, o grande responsável
pelas campanhas para acabar com a fraude eleitoral. A classe média urbana
chegava ao poder.
Yrigoyen fez uma série de reformas sociais: melhorou as
condições de trabalho nas fábricas, regulamentou as jornadas de trabalho, criou
um sistema de aposentadorias e pensões com contribuições compulsórias, e
universalizou o acesso a escolas públicas.
De 1917 a 1922, superadas restrições de crédito e acesso a
mercado decorrentes da Primeira Guerra Mundial, a Argentina cresceu 40%. Era o
décimo país mais rico do mundo em renda média por habitante.
HORA DA ESPADA
A oposição aos governos radicais de 1916-30 foi “aberta e
sem trégua”, observou o ex-embaixador Juan Archibaldo Lanús no livro La Causa Argentina. Entre os maiores
críticos da reforma eleitoral e do sufrágio universal que “produz governos cada
vez piores”, estava o pensador católico conservador Leopoldo Lugones, que
considerava a democracia um “desastre”.
“Ao povo, não interessa a Constituição, essa máquina
anglo-saxônica que nunca entendeu”, dizia Lugones. “Não temos por que seguir
respeitando um ídolo de papel. Seria um estranho fetichismo”.
Em 1924, ele lançou o manifesto golpista A hora da espada. Diante da ineficiência do sistema político, só
restava uma solução: o militarismo.
“O atual estado de coisas não tem solução em eleições, pois,
corrompida já a massa eleitoral por demagogos, toda a propaganda para
conquistar a maioria faz um excesso de ofertas que só agrava a desordem”,
argumentava Lugones.
O movimento contra a reforma eleitoral de Sáenz Peña se
apresentava como nacionalista: “Ante a democracia ideológica e sempre falaz dos
direitos humanos, ergue-se agora a realidade da nação. Ante a liberdade das
formas, o bem-estar dos fatos. Porque livre e justo só pode ser em realidade o
são e o forte. A liberdade, a justiça, a cultura, a saúde, são consequências do
bem-estar conseguido. Pois só assim se alcança a expressão positiva do direito,
que é a organização da liberdade e da justiça.
GOLPE MILITAR
Reeleito em 1928, Yrigoyen enfrentou o início da Grande
Depressão e sobreviveu a uma tentativa de assassinato, em 1929. Foi deposto em 6
de setembro de 1930 numa
conspiração com participação da companhia de petróleo Standard Oil of New
Jersey, insatisfeita com o combate ao contrabando da província argentina de
Salta para a Bolívia.
O golpe de 6 de setembro de 1930 devolveu à oligarquia
latifundiária exportadora não o poder real, que ela não perdera, mas o controle
da máquina do Estado. Era o fim da aliança entre parte da elite e a classe
média que vinha desde o início do movimento pela reforma eleitoral, em 1890.
Estava começando o que os argentinos chamam de “década infame”.
A queda de Yrigoyen, derrubado pelo general José Félix
Uriburu, foi o primeiro de uma sucessão de golpes militares da História da
Argentina. Desde 1930, o primeiro presidente civil eleito democraticamente a
concluir o mandato e entregar o poder a outro civil eleito democraticamente foi
Carlos Menem para Fernando de la Rúa, em 1999. De la Rúa caiu em dezembro de
2001, na crise gerada pelo colapso da dolarização da era Menem (1989-99).
DITADURA
Ao pisotear as leis e a Constituição em nome da pátria, o
general Uriburu lançou as bases do que seriam as ditaduras militares argentinas
do século 20. Fechou o Congresso, interveio em todas as províncias, decretou a
pena de morte, censurou a imprensa, impôs o estado de sítio, proibiu os
partidos políticos, perseguiu a oposição com prisões arbitrárias e tortura, e
interferiu nas universidades.
“As casas de estudos deixam de ser estabelecimentos
destinados exclusivamente ao cultivo de disciplinas científicas quando se dá
guarida nelas a doutrinas filosóficas, sejam o materialismo histórico, o
romantismo rousseauniano ou o comunismo russo”, declarou o governo militar para
justificar a intervenção.
Em sua defesa, o ditador alegou que 60% dos argentinos eram
analfabetos e por isso seriam presas fáceis da demagogia eleitoreira.
A “década infame” foi marcada por fraude eleitoral,
corrupção, negociatas, perseguição a oposicionistas, tortura e entrega do país
a interesses estrangeiros, afirma o historiador Felipe Pigna no livro Los Mitos de la História Argentina (vol.
3). Durante a Grande Depressão (1929-39), a desocupação e a miséria tomariam
conta do “celeiro do mundo” criando as condições para o surgimento do fenômeno
político que domina a política argentina até hoje: o peronismo.
Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, a Argentina, que
flertava com o fascismo, declarou-se neutra para manter suas relações
comerciais com as três grandes potências daquela época: os EUA, a Alemanha
nazista e a Grã-Bretanha, que ainda era a maior fonte de investimentos externos
na Argentina.
Com a entrada dos EUA na guerra depois do ataque japonês a
Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, o Brasil rompeu com as
potências do Eixo e passou a receber uma ajuda militar americana que preocupava
os militares argentinos. Alguns sonhavam com uma vitória alemã sobre os EUA,
que faria da Argentina a maior potência do continente.
TENSÃO COM O BRASIL
Enquanto a crise interna do governo argentino se agravava,
em maio de 1943, Washington ofereceu ao Brasil equipamento para uma divisão
motorizada com base no Rio Grande do Sul.
Um golpe de inspiração nazista do Movimento Nacionalista
Revolucionário, na Bolívia, em 1944, apoiado por Buenos Aires, aumentou a
decisão americana de pressionar a Argentina.
Em fevereiro de 1944, boatos de
que navios de guerra americanos e brasileiros entravam no Rio da Prata,
assustou Buenos Aires, revela uma carta do embaixador José Rodrigues Alves ao
presidente Getúlio Vargas, citada por Luiz Alberto Moniz Bandeira no livro Presença dos Estados Unidos no Brasil.
“Não se tratava de mero boato. A esquadra
americano-brasileira, sob o comando do almirante Ingram, chegou realmente a
penetrar no Rio da Prata, sob o pretexto de uma visita a Montevidéu cujo
cancelamento Vargas sugeriu e Roosevelt não aceitou”, nota Moniz Bandeira. O presidente americano chegou a propor
uma “associação continua” das Forças Armadas dos dois países, um pacto de
segurança contra agressões de terceiros.
A Argentina só declarou guerra à Alemanha em março de 1945,
quando a Segunda Guerra Mundial estava acabando. Por isso, não é convidada para
as festas em homenagem à vitória sobre o nazifascismo. O país recebeu vários
refugiados nazistas depois da guerra, com o beneplácito do coronel Perón.
GOLPE DE 1943
Em 4 de junho de 1943, o Grupo de Oficiais Unidos, uma
sociedade secreta nacionalista, derrubou o presidente Ramón Castillo a pretexto
de acabar com as fraudes eleitorais da “década infame”.
Entre eles, destacava-se o coronel Juan Domingo Perón, que
foi subsecretário do Ministério da Guerra, vice-presidente e ministro do
Trabalho, onde implantou uma legislação trabalhista que lhe deu grande
prestígio popular e o apoio dos sindicatos.
Perón melhorou as condições de trabalho, conseguiu um
aumento real de 4% nos salários de 1943 e 1946, criou indenização para
acidentes de trabalho, a Justiça do Trabalho, a Previdência Social, o salário
mínimo, pagamento de feriados e férias, o 13º salário (conhecido na Argentina
como aguinaldo), garantiu férias e o
direito de sindicalização de trabalhadores rurais, limitou a jornada de
trabalho e congelou os preços dos arrendamentos de terras.
DIA DA LEALDADE
Sob pressão da ala conservadora do Exército, Perón foi
demitido em 9 de outubro de 1945 e preso quatro dias depois. Uma onda de
protestos populares organizados pela Confederação Geral do Trabalho (CGT)
forçou a sua libertação em 17 de outubro, festejado até hoje pelos peronistas
como Dia da Lealdade.
Naquele dia, Perón fez seu primeiro discurso triunfante na
janela da Casa Rosada diante de uma multidão reunida na Praça de Maio, ao lado
de sua segunda mulher, a atriz Maria Eva Duarte de Perón, a Evita, com quem se casaria quatro dias
depois, formando o casal que até hoje, muito depois de suas mortes, ainda
domina a política argentina.
Com os votos de mais de 1,5 milhão de argentinos, 53% do
eleitorado, Perón foi eleito presidente da Argentina em 24 de fevereiro de
1946.
PERONISMO
Exemplo típico do populismo latino-americano, o peronismo,
na definição do cientista político argentino Torcuato di Tella, é “uma aliança
de parte da elite, como militares e industriais nacionalistas, com os
trabalhadores para enfrentar outro segmento da elite, o mais conservador”, no
caso argentino a oligarquia latifundiária exportadora.
Para os militares argentinos, que alimentavam o sonho de
hegemonia na América do Sul, argumentava Di Tella, os Estados Unidos, a
potência realmente hegemônica no continente, não armariam a Argentina para
atacar o Brasil, que tinha uma política de aliança automática com Washington. A
Argentina precisava de um desenvolvimento industrial autônomo.
PRIMEIRO GOVERNO
PERÓN
Ao tomar posse em 4 de junho de 1946, Perón prometeu justiça
social e independência nacional. Entre 1946 e 1949, os salários dos operários
da indústria argentina subiram em média 53%. A participação da massa salarial
no produto interno bruto passou de 40,1% para 49%.
De 1930-35 a 1945-49, a produção industrial dobrou. O número
de fábricas passou de 38 mil em 1935 para 86 mil. Nesse período, o operariado
passou de 436 mil para mais de um milhão. O total de sindicalizados pulou de
500 mil em 1946 para 2 milhões em 1950, quando a força de trabalho tinha 5
milhões.
As greves cresceram na mesma medida, de 500 mil dias de
trabalho perdidos em 1945 para 2 milhões em 1946 e mais de 3 milhões em 1947.
Nos seus dois primeiros anos de governo, Perón nacionalizou
o Banco Central, pagou uma dívida bilionária com o Banco da Inglaterra,
estatizou as ferrovias, a marinha mercante, as universidades, os serviços e transportes
públicos. Em 1949, lançou a ideia de uma terceira via entre o capitalismo e o
comunismo para manter distância da Guerra Fria.
EVITA
Filha ilegítima de uma cozinheira, a cantora, modelo e atriz
de teatro e radioteatro María Eva Duarte era amante do coronel Perón. Eles se conheceram
num evento beneficente em 22 de janeiro de 1944 no Luna Park, em Buenos Aires,
e se casaram quatro dias depois da volta triunfal de Perón ao poder, em 17 de outubro
de 1945, formando um casal sem paralelo na história política da América Latina.
Evita cuidava das obras sociais do governo. Era ministra do
Trabalho e do Bem-Estar Social e presidia a Fundação Eva Perón, criada em 1948,
com orçamento anual de US$ 50 milhões, que distribuía generosamente dinheiro,
empregos e moradia para os descamisados,
os migrantes vindos do interior.
Em entrevista ao escritor Tomás Eloy Martínez, em 1970,
Perón declarou que “Evita foi uma criação minha”, negando que a imagem de sua
segunda mulher tenha se tornado maior do que a dele. Essa posição é defendida
hoje por peronistas que acusam a oligarquia argentina de inflar o mito de Evita
para torná-la maior do que o caudilho.
A primeira-dama foi fundamental na campanha para a
introdução do voto feminino, em 1947. Chegou a ser cotada como candidata a
vice-presidente, mas enfrentou forte resistência dos conservadores e militares.
Um grande comício realizado pela CGT em 22 de agosto de 1951
foi insuficiente para virar o jogo. Depois de uma tentativa de golpe em 28 de
setembro, a candidatura Evita foi abandonada.
SANTA EVITA
Uma espécie de Cinderela vingadora, Eva Perón morreu de
câncer no útero menos de um ano depois, em 26 de julho de 1952, no auge de sua
popularidade. Foi convertida numa santa.
Seu funeral durou quatro dias para que todos pudessem dar
adeus à mãe dos pobres. De maio de
1952 a julho de 1954, dois anos depois de sua morte, o Vaticano recebeu mais de
40 mil cartas pedindo a canonização de Evita.
Mais da metade das meninas nascidas em algumas províncias
argentinas naquela época foram batizadas Eva ou María Eva. As adolescentes
pintavam o cabelo de louro. Evita ditava a moda.
DISPUTA PELO CADÁVER
Quando Evita morreu, o plano era construir um memorial em
sua homenagem. Ela seria enterrada na base de um monumento aos descamisados.
Como o líder da revolução comunista na Rússia, Vladimir Lenin, seu corpo
embalsamado ficaria em exposição ao público.
Antes da conclusão da obra, Perón foi derrubado pelo golpe
militar de 1955 e fugiu sem se preocupar com a múmia de Evita, que desapareceu
da sede da CGT, em Buenos Aires, onde ficara. De 1955 a 1971, o peronismo foi
proscrito na Argentina. Era proibido ter fotos de Eva e Juan Perón em casa e
até mesmo de citar seus nomes.
Em 1957, com a ajuda do Vaticano, o cadáver de Evita foi
retirado da Argentina e enterrado com nome falso na Itália.
Só em 1971 os militares revelaram que a ex-primeira-dama
estava enterrada numa cripta em Milão, na Itália, com o nome de María Maggi.
Naquele ano, o corpo foi exumado e entregue ao general Perón no exílio na Espanha.
Depois da morte de Perón, em 1974, a terceira mulher do
caudilho, María Estela Martínez de Perón, a Isabelita, assumiu o governo e
repatriou o cadáver de Evita, que ficou um tempo ao lado dos restos de Perón na
Quinta de Olivos, residência oficial dos presidentes da Argentina.
Com o golpe
militar de março de 1976, mais uma vez os peronistas temeram pelo destino dos
restos mortais da grande líder de massas. Em outubro daquele ano, sob a
supervisão da ditadura, o cadáver de Evita foi levado de Olivos para o
Cemitério da Recoleta, onde estão enterrados os grandes líderes da oligarquia
argentina, e sepultado no mausoléu da família Duarte.
Até hoje, os dois cadáveres assombram e dominam a política
argentina.
QUEDA DE PERÓN
As políticas econômicas de Perón deram certo até 1949 por
causa do sucesso das exportações durante e logo após a Segunda Guerra Mundial.
Mas o preço dos produtos primários exportados pela Argentina caiu e o aumento
das importações para suprir a indústria deixaram a balança comercial negativa.
Houve queda nos salários reais.
Reeleito com 62,5% dos votos em 11 de novembro de 1951,
Perón teve um segundo governo muito mais difícil. Com a crise econômica e sem a
carismática e angelical Evita a seu lado, o caudilho enfrentou oposição crescente
dos estudantes e da Igreja Católica. Isso levou ao golpe liderado pelo general Eduardo
Lonardi, chamado de Revolução Libertadora, em 16 de setembro de 1955.
Lonardi, reconhecendo a força do peronismo, tentou fazer um
acordo. Foi afastado e substituído pelo general linha-dura Pedro Aramburu por
adiar a desperonização. O Partido Justicialista (peronista) foi dissolvido e
houve intervenção nos sindicatos.
SUCESSÃO DE GOLPES
Os peronistas continuaram sendo a maior força política
argentina. Em 1958, apoiaram a candidatura do radical Arturo Frondizi, que
prometia trazê-los de volta à legalidade. Frondizi foi derrubado em março de
1962.
Até outubro de 1963, a Argentina foi governada interinamente
pelo Presidente do Senado, José María Guido, enquanto duas facções militares
disputavam o poder: os vermelhos, favoráveis a adotar mais dureza contra o
peronismo, e os azuis, mais moderados, que acabaram prevalecendo.
Um novo acordo para tentar reinstitucionalizar o país depois
do golpe contra Perón levou à eleição de 7 de julho de 1963, vencida por Arturo
Illia, derrubado em junho de 1966 pelo comandante do Exército, general Juan
Carlos Onganía, que desfilara com a faixa presidencial no dia da posse de
Illia.
Os governos militares de 1966 a 1973 foram marcados por uma
explosão social, o Cordobazo, em maio
de 1969, na segunda maior cidade argentina, e pelas atividades de grupos
guerrilheiros como o Exército Revolucionário do Povo (ERP), trotskista, e os
Montoneros, peronistas, que capturaram a mataram o ex-ditador Aramburu.
Onganía foi derrubado em junho de 1970 pelo general Roberto
Levingston, substituído em 1991 pelo general Alejandro Lanusse, que prometeu
restabelecer a democracia.
Com a volta do peronismo à legalidade, Héctor Cámpora foi
eleito presidente em março de 1973. Ao assumir, em maio, deixou claro que
estava apenas preparando a volta de Perón.
BATALHA DE EZEIZA
Depois de 18 anos no exílio, Perón foi recebido com a
Batalha de Ezeiza, travada no aeroporto internacional de Buenos Aires entre a
direita peronista, que incluía a temida Aliança Anticomunista Argentina (AAA),
e a extrema esquerda, representada pelos Montoneros.
Da plataforma de onde Perón discursaria, franco-atiradores
dispararam contra a Juventude Peronista e os Montoneros. Pelo menos 13 pessoas
morreram e outras 365 saíram feridas do Massacre de Ezeiza. O jornal Clarín
disse que na época que os números reais deveriam ser muito maiores. Não houve
uma investigação oficial sobre essa suspeita.
Em 23 de setembro de 1973, o velho caudilho foi eleito
presidente da Argentina pela terceira vez, com 62% dos votos, desta vez tendo a
mulher como vice. Só que não era mais Evita. Era María Estela Martínez de Perón,
uma bailarina de cabaré que ele conhecera no exílio no Panamá.
GUERRA SUJA
Com a morte do general, em 1º de julho de 1974, Isabelita
tomou posse, tornando-se a primeira mulher presidente no mundo inteiro. Mas a
crise do peronismo se aprofundou, o terrorismo de direita e de esquerda piorou.
O golpe de 24 de março de 1976, liderado pelo general Jorge
Rafael Videla e o almirante Emilio Massera, marca o início do “processo de
reorganização nacional”, a guerra suja
contra a esquerda argentina. O total de mortos e desaparecidos é estimado entre
12 e 30 mil, o que a torna a pior ditadura da América do Sul durante a Guerra
Fria.
Houve uma tentativa de eliminar toda uma corrente de
pensamento político, um politicídio. Cerca de 62% dos desaparecidos foram
sequestrados em suas casas à noite e 25% nas ruas em plena luz do dia, concluiu
a comissão que investigou o desaparecimento de pessoas presidida pelo escritor
Ernesto Sábato.
A decadência da economia aprofundou-se ainda mais com o
ministro da Economia, José Alfredo Martínez de Hoz, que promoveu uma
desregulamentação que favoreceu o setor financeiro, valorizando o peso e
reduzindo ainda mais a competitividade da indústria. Os resultados foram
inflação alta e déficits comerciais que levaram à crise da dívida externa nos
anos 1980s.
MÃES DA PRAÇA DE MAIO
Com o Congresso fechado e a imprensa censurada, em 1977, as
mães dos desaparecidos se organizaram a passaram a marchar toda quinta-feira à
tarde na praça central de Buenos Aires, diante da Casa Rosada. Na cabeça,
levavam lenços brancos com os nomes dos filhos desaparecidos.
As Mães da Praça de Maio se tornaram no maior símbolo da
luta contra a ditadura militar argentina. Suas fundadoras foram mortas pela
repressão. O presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Buenos
Aires, Adolfo Pérez Esquivel, preso e torturado em 1977, ganhou o Prêmio Nobel
da Paz 1980.
GUERRA DAS MALVINAS
Para dar um golpe dentro do golpe, derrubar o presidente
Roberto Viola, que sucedera Videla, e assumir a presidência, em 1981, o
comandante do Exército, general Leopoldo Galtieri, fez um acordo com a Marinha
para invadir as Ilhas Malvinas ou Falklands, uma possessão britânica no Sul do
Atlântico reivindicada pela primeira vez por Rosas em 1833.
Havia uma negociação em andamento com o Reino Unido nos anos
1970s, semelhante à que acertou a devolução de Hong Kong à China, em 1997. As
violações de direitos humanos da ditadura militar argentina inviabilizaram um
acordo.
Em 2 de abril de 1982, os argentinos invadiram e ocuparam as
Malvinas e no dia seguinte as Geórgias do Sul. Por três semanas, enquanto uma
força naval britânica avançava 10 mil quilômetros para retomar as ilhas, não
foi possível chegar a uma solução diplomática.
Os britânicos retomaram as Geórgias em 25 de abril e a
Argentina se rendeu nas Malvinas em 14 junho, depois da morte de 649 soldados
argentinos, 255 soldados britânicos e três britânicos habitantes nas ilhas. A
vitória fortaleceu a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e derrubou a
ditadura militar argentina, apressando o fim dos governos militares no
continente.
Repressores sanguinários como o capitão da Marinha Alfredo
Astiz, o Anjo da Morte, acusado de
matar uma menina sueco-argentina de 17 anos pelas costas e duas freiras
francesas, se rendeu aos britânicos sem disparar um tiro. Thatcher não quis
entregá-lo aos governos europeus interessados em processá-lo.
A Argentina mantém sua reivindicação sobre as ilhas. O Reino
Unido alega que qualquer decisão terá de ser referendada pelos moradores das
ilhas. Em plebiscito recente, 98% preferiram que ser governados por Londres.
DEMOCRATIZAÇÃO
Galtieri e sua
junta militar caíram quatro dias depois da derrota. Foi sucedido em 1º de julho
de 1982 pelo general Reynaldo Bignone, que governou até a realização de
eleições democráticas e a posse de Raúl Alfonsín, em 10 de dezembro de 1983.
Alfonsín convocou uma comissão para investigar o
desaparecimento de pessoas e abriu processo contra os nove comandantes das três
juntas militares que desgovernaram a Argentina de 1976-82. Todos foram
condenados, mas foram indultados pelo presidente Carlos Menem (1989-99).
Alvo de três rebeliões militares dos carapintadas, Alfonsín acabou aceitando as Leis Ponto Final e de
Obediência Devida, que na prática deixavam os repressores impunes. Foram
revogadas no governo Néstor Kirchner (2003-7), que reabriu os processos.
HIPERINFLAÇÃO
O outro desafio de Alfonsín foi a crise econômica. A
Argentina decretou a moratória durante a crise das dívidas externas da América
Latina. Devia US$ 43 bilhões e sofreu com a hiperinflação. Em 1985, Alfonsín
lançou o Plano Austral, mudando a moeda quando a inflação atingiu 1000% ao ano.
A hiperinflação voltou com ainda mais força apressando o fim
do governo. Em 1989, chegou a 200% ao mês. Num país com trigo em abundância, o
preço do pão era reajustado duas vezes por dia.
O primeiro presidente civil eleito democraticamente desde o
golpe de 1930 na Argentina não chegaria ao fim do mandato. Cinco meses e dois
dias antes da data marcada para a posse, entregou o poder a Menem, em 8 de
julho de 1989, para que o novo presidente enfrentasse a crise econômica.
FIM DA GUERRA CIVIL
Representante da direita do peronismo, Menem se elegeu com
47,5% dos votos prometendo um “salariaço” (aumentos reais como no primeiro
governo Perón) e uma “revolução produtiva”.
Ao entregar o Ministério da Economia para o grupo Bunge y
Born, a maior empresa privada argentina, Menem acabava, na visão do cientista
político Torcuato di Tella, com a longa guerra civil iniciada pelo golpe de
1943. O peronismo buscava se reconciliar com a elite econômica. Para a esquerda
peronista, era uma traição.
Menem também indicava a intenção de adotar as políticas
liberais propostas pelo Consenso de Washington: redução da participação do
Estado na economia, equilíbrio das contas públicas, juros reais positivos,
privatização, abertura comercial e para o investimento estrangeiro. Outra
traição. A reação a essas políticas está na raiz do kirchnerismo.
O programa de privatizações vendeu companhias de petróleo,
gás, telecomunicações, energia elétrica, bancos, aeroportos e canais de
televisão.
SATÉLITE PRIVILEGIADO
Como complemento dessa revolução econômica liberal, Menem
adotou uma política externa de alinhamento automático com os EUA. Tentava
reassumir a condição de “satélite privilegiado” que a Argentina tinha com o
Império Britânico no seu momento de maior prosperidade, no fim do século 19 e
início do século 20. O ministro do Exterior, Guido di Tella, chegou a falar
numa “relação carnal” com os EUA.
Para acabar com as revoltas militares, Menem deu indultos
aos comandantes das juntas militares e a guerrilheiros, num total de 220
militares e civis, entre eles o líder montonero Mario Firmenich, preso no
Brasil.
DOLARIZAÇÃO
A resistência da inflação levou à nomeação de Domingo
Cavallo para ministro da Economia, em 1991. Ele dolarizou a economia do país,
criando a paridade dólar-peso, que resolveu o problema da inflação por algum
tempo, mas terminou em desastre.
Menem mudou a Constituição para concorrer a um segundo
mandato, governando por dez anos, mas não elegeu o sucessor. O candidato
peronista, Eduardo Duhalde, seu vice no primeiro governo, perdeu em 1999 para o
radical Fernando de la Rúa, que teve 48,5% dos votos.
De la Rúa foi um presidente fraco que herdou uma política de
que discordava e que já começava a dar problemas, mas não soube desarmar a
bomba-relógio da dolarização, sacramentada pela Lei da Convertibilidade, que só
poderia ser transformada pelo Congresso. O simples debate para mudá-la seria
capaz de deflagrar uma grande especulação financeira.
COLAPSO
Em março de 2001, De la Rúa nomeou Cavallo para ministro da
Economia na esperança de salvar a dolarização. Em 1º de dezembro, o governo
decretou estado de emergência financeiro, congelando os depósitos bancários por
90 dias, no chamado corralito,
curralzinho, em português.
Diante de violentas manifestações que terminam com 39
mortes, De la Rúa renunciou em 20 de dezembro de 2001 e fugiu da Casa Rosada de
helicóptero. Três dias depois, a Argentina suspendeu o pagamento de sua dívida
pública de US$ 81,8 bilhões.
Pela segunda vez, uma crise econômica encurtava o mandato de
um presidente da União Cívica Radical (UCR). Desaba a credibilidade do partido
como alternativa de poder, consolidando a hegemonia peronista.
O presidente do Senado, Ramón Puerta, presidiu o país por
dois dias, passando o poder para Adolfo Rodríguez Saá, que durou uma semana no
cargo. Em seguida, veio Eduardo Camaño, que ficou três dias na presidência.
ESTABILIZAÇÃO
Em 2 de janeiro de 2002, assumiu a Presidência da Argentina
Eduardo Duhalde, o candidato derrotado em 1999, para terminar o mandato de De
la Rúa e evitar a realização de eleições em plena crise. Seu maior objetivo era
controlar a pior crise da história econômica de um país relativamente
desenvolvido.
O governo suspendeu o pagamento da dívida pública de US$ 100
bilhões. As contas em dólares desapareceram. Foram convertidas em pesos com 30%
do valor. Cerca de 58% dos argentinos caíram abaixo da linha de pobreza, em
comparação com 24% em 1999, quando De la Rúa fora eleito.
O embaixador Roberto Lavagna foi nomeado ministro da
Economia, com a função prioritária de renegociar a dívida. O PIB caiu 10,9% em
2002, mas a economia reagiu no início de 2003, crescendo 5% no primeiro
trimestre, antes da eleição de abril de 2003.
ERA KIRCHNER
Duhalde indicou o governador da província de Santa Cruz, na
Patagônia, Néstor Kirchner, como candidato da esquerda peronista para evitar a
volta de Menem. Kirchner ficou em segundo lugar no primeiro turno, com 22% dos
votos, atrás de Menem, que teve 24,5% da votação mas desistiu de disputar o segundo
turno para negar legitimidade ao rival.
Kirchner se antoinvestiu da missão desmontar o
neoliberalismo da era Menem, que julgava responsável pela crise econômica.
Entre as realizações de seu governo, estão a redução à metade dos índices de
desemprego e miséria, a reabertura dos processos por violações de direitos
humanos durante a ditadura militar, o fortalecimento das relações com a América
Latina, a rejeição junto com o resto do Mercosul e a Venezuela da Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA), e a renegociação da maior parte da dívida.
Em 2005, foram revogadas todas as leis de anistia e os
processos por violações de direitos humanos durante a ditadura foram retomados.
O general Videla, líder do golpe de 1976, foi condenado à prisão perpétua pela
morte de 31 prisioneiros e a mais 50 anos pelo sequestro e desaparecimento de
crianças, antes de morrer, em 17 de maio de 2013.
Aré 2007, a Argentina viveu um processo econômico virtuoso,
com aumento do salário real, crescimento da qualidade e da quantidade de
empregos, expansão da indústria e da construção civil, diminuição da pobreza e
melhoria na distribuição da riqueza. Mesmo assim, Néstor preferiu não concorrer
à reeleição, indicando sua mulher Cristina Fernández de Kirchner como
sucessora.
A PRESIDENTA
Cristina Kirchner tornou-se em 28 de outubro de 2007 a
primeira mulher eleita presidente da Argentina, com 45% dos votos contra 23%
para Elisa Carrió. Na Argentina, basta ter 40% dos votos e ficar 10 pontos
percentuais à frente do segundo colocado para ganhar no primeiro turno.
Seu governo começa quando a crise financeira internacional
se agravava, complicando a situação da Argentina, que não voltou plenamente ao
mercado desde a moratória de 2001. Para garantir o caixa do governo, Cristina
aumentou a alíquota do imposto sobre exportação de grãos, que para grandes
volumes passou de 35%.
REVOLTA DO CAMPO
O impostaço gerou uma revolta no campo, com uma greve
(locaute) de cem dias de produtores rurais que causou desabastecimento e
marchas de panelas vazias. Quando a Lei de Retenções foi à votação no
Congresso, houve empate no Senado e o vice-presidente Julio Cobos deu o voto de
minerva a favor dos ruralistas, deflagrando uma crise no governo.
GUERRA AO CLARÍN
O principal grupo de mídia argentino, liderado pelo jornal
Clarín, que apoiara Néstor Kirchner, ficou ao lado dos ruralistas. O casal
Kirchner declarou guerra ao jornal. Conseguiu aprovar uma Lei de Meios de
Comunicação para obrigar o grupo a devolver mais de 200 licenças de rádio e
televisão. O caso se arrastou na Justiça durante anos. O governo ganhou.
MANIPULAÇÃO
Desde a campanha para a eleição de Cristina, o casal
Kirchner foi acusado de manipular os índices oficiais de inflação do Indec. Em
2012, a inflação oficial ficou em 10%, enquanto institutos independentes
estimam que tenha sido de 25%. O FMI advertiu o governo argentino que não
confiaria mais nas estatísticas oficiais argentinas se não houve uma revisão no
método de cálculo.
REELEIÇÃO
Quando tudo indicava que Néstor Kirchner preparava uma volta
ao poder em 2011, o ex-presidente morreu de um ataque cardíado, em outubro de
2010. Coube a Cristina, embalada pela recuperação pós-crise, defender o poder
do clã.
Em 23 de outubro de 2011, ele obteve 54% dos votos, a quarta
maior votação da história argentina, com uma diferença de 37,3 pontos para o
segundo colocado, a maior da história.
CRISE
Com a falta de investimento externo, escassez de divisas e
inflação em alta, Cristina Kirchner apelou para medidas como controle do câmbio
e congelamento de preços, sem muito sucesso.
Sua popularidade caiu pela metade desde a reeleição. Sem
obter maioria no Congresso nas eleições parlamentares intermediárias de outubro
de 2013 para mudar a Constituição, Cristina não pode se candidatar de novo em
2015.
No fim de agosto de 2013, o governador da Província de
Buenos Aires, Daniel Scioli, começou a articular a candidatura da Frente pela
Vitória, a facção kirchnerista. Defende a realização de eleições prévias para
que o peronismo tenha um candidato único, o que não acontece desde 1999.
O candidato da direita peronista pode ser o prefeito de
Buenos Aires, Mauricio Macri, ex-presidente do Boca Juniors, enquanto a União
Cívica Radical e o Partido Socialista articulam uma chapa de centro-esquerda.
A grande estrela das eleições de 2013 foi o ex-chefe de
gabinete de Cristina, ex-prefeito de Tigre e atualmente deputado Sergio Massa,
outro nome que desponta para disputar. Elegeu-se pela Frente Renovadora (do
peronismo).
PAPA ARGENTINO
Em 13 de março de 2013, o cardeal Jorge Mario Bergoglio,
arcebispo de Buenos Aires, foi eleito o primeiro papa latino-americano e adotou
o nome de Francisco, indicando a intenção de fazer da humildade a marca de seu
pontificado.
Francisco logo se revelou um pastor hábil e um grande
diplomata, conseguindo agradar a todos ou quase todos. Grande crítico do
kirchnerismo, ele chegou a ser apontado como verdadeiro líder da oposição pelo
então presidente Néstor Kirchner, em 2004. Cristina Kirchner logo entendeu que
não pode brigar com um papa argentino.
A ala mais radical do movimento das Mães da Praça de Maio
acusou Bergoglio de omissão diante dos abusos de direitos humanos cometidos
pela ditadura militar, mas o ganhador do Prêmio Nobel da Paz 1980, o ativista
Adolfo Pérez Esquivel, o defendeu, negando a cumplicidade do papa com os crimes
da guerra suja argentina.
No dia seguinte à sua eleição, diversos repressores da
ditadura que estão sendo processados compareceram ao tribunal com insígnias do
Vaticano na lapela.
RELAÇÕES COM O BRASIL
Depois de uma história conturbada e de uma rivalidade
alimentada pelo fato de que a Argentina, mesmo sendo menor, era mais rica do
que o Brasil, os dois países se tornaram sócios no Mercosul e hoje são aliados,
embora seja uma parceria incerta, marcada por desconfianças mútuas.
A formação do Mercosul é resultado da democratização da
América Latina nos anos 1980s, que acabou com a suspeição mútua, e da adoção de
políticas de abertura comercial justificadas em parte pela integração econômica.
Essa reaproximação começa ainda no regime militar, quando o
presidente João Figueiredo, que vivera exilado na Argentina quando menino, se
empenhou em resolver a questão em torno do aproveitamento energético do Rio
Paraná. Quando o Brasil anunciou a construção de Itaipu, a Argentina temia que
o potencial energético fosse esgotado. Os dois países chegaram a um acordo em
1979.
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
Com a democratização da Argentina, em 1983, e do Brasil, em
1985, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín iniciaram o processo de
integração econômica do continente. Naquele momento, os dois países estavam
marginalizados pelo sistema financeiro internacional por causa da crise da
dívida.
Além de um acordo sobre bens de capital e outras iniciativas
econômicas, em 1989, os dois países chegaram a um acordo para abandonar seus
programas nucleares militares e abrirem suas instalações atômicas a inspeções
mútuas e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
MERCOSUL
Quando Menem e Fernando Collor chegaram ao poder em 1989, com
o fim da Guerra Fria e uma nova onda de globalização, a negociação do Acordo de
Livre Comércio da América do Norte entre EUA, México e Canadá, em 1990,
pressionou Brasil e Argentina a seguirem o mesmo caminho.
Com a integração dos sócios menores, Paraguai e Uruguai, que
não poderiam ficar de fora de um acordo entre Brasil e Argentina, o Tratado de
Assunção criou o Mercosul em 26 de março de 1991.
Desde então, o bloco enfrentou crises, desvalorização de
moedas e, recentemente, o afastamento temporário do Paraguai por causa do golpe
contra o presidente Fernando Lugo. Recebeu a adesão da Venezuela e tem agora
pedidos de associação da Bolívia e do Equador.
A nova crise da dívida argentina exige um controle ainda
maior do câmbio. Como o país absorvia 90% das exportações brasileiras de automóveis,
o setor já prevê uma queda de 10% da produção no Brasil.
CULTURA
Com sua cultura transplantada da Europa, Buenos Aires é uma
das cidades mais cosmopolitas da América. Tem seus cafés, teatros e
restaurantes, uma vida cultural vibrante e a fama de virar a noite com suas
danceterias que começam a funcionar a uma da madrugada. Mais de 97% dos
argentinos são alfabetizados.
A Biblioteca
Nacional, fundada em 1810, tem mais de 2 milhões de volumes. A capital
argentina tem ainda museus de arte moderna, de arte latino-americana, história
natural, arqueologia, etnografia, design e um dedicado à memória de Evita. A
esquerda peronista o acusa de ser parte de uma conspiração da oligarquia para
colocar Evita acima de Perón.
LITERATURA
O país tem grandes escritores, como Domingo Sarmiento, José
Hernández, autor do poema épico Martín
Fierro, Jorge Luis Borges, Julio Cortazar, Adolfo Bioy Casares, Ernesto
Sábato, Manuel Puig, Tomás Eloy Martínez, Alicia Portnoy e Luisa Valenzuela.
CINEMA
A Argentina produz cerca de 80 filmes de longa-metragem por
ano. Tem uma das maiores quantidades de salas por habitante da América Latina e
o maior índice de frequência ao cinema do continente.
Filmes como La
Historia Oficial, de Luis Puenzo, de 1985, falando sobre a adoção de
crianças sequestradas pela ditadura e Tangos
– o exílio de Gardel, de Fernando Pino Solanas, de 1986, são tentativas de
encarar a própria história trágica depois da democratização.
O ator Ricardo Darín, estrela de filmes como Carancho e Una pistola en cada mano, ganhou fama internacional.
MÚSICA
O Teatro Colón, de Buenos Aires, inspirado no Scala, de
Milão. Com uma das melhores acústicas do mundo, foi palco para compositores
como Alberto Ginestera e Juan Carlos Paz.
No rock argentino, destacam-se Charly García e Fito Páez. Mas
a grande contribuição argentina à música está no tango.
TANGO
A música típica argentina tem suas origens nas danças e
“reuniões de negros” no começo do século 19 nas margens do Rio da Prata,
sustenta Diego Arguindeguy em 365 dias
para conocer la historia argentina. Os primeiros registros documentados são
de autoridades interessadas em reprimir sua prática.
Para a Enciclopédia Britânica, o tango mistura o tango
espanhol, uma variedade do flamenco, com a habanera cubana e a milonga
argentina.
Era uma dança de gaúchos, criollos e mestiços, de cabarés, com letras de amor, violência e
traição, rejeitada pela aristocracia rural e a elite portenha. Quando começou a
fazer sucesso em Paris e convidaram o embaixador argentino para uma
apresentação, ele rejeitou o convite. Era uma música e dança para
desclassificados.
Quando a delegação da Espanha chegou a Buenos Aires para a
festa do centenário da independência da Argentina, em 1910, a princesa Isabel
de Bourbon quis fazer o que todo turista faz: ver um espetáculo de tango.
Imediatamente, o tango virou moda.
Seu maior nome, Carlos Gardel, não era tão famoso quando
morreu num acidente de avião em Medelim, na Colômbia, em 1935, quanto se
tornou. Perón promoveu o tango como um elemento importante da identidade
cultural argentina.
Até hoje se discute se Gardel era argentino, uruguaio ou
francês. Essa névoa reforça a imagem do mito. A julgar pelas fotos que se veem
nas bancas de jornais e revistas na Argentina, os grandes ídolos da
nacionalidade são Carlos Gardel, Evita Perón e Ernesto Che Guevara, acima de
Diego Maradona, Lionel Messi e o general Juan Domingo Perón.
Outros nomes importantes do tango foram Anibal Troilo,
Osvaldo Pugliese, Juan d’Arienzo e Astor Piazzolla, que modernizou o tango,
dando-lhe um caráter universal.
PICARDIA
Muito associada ao tango e à malícia é a chamada picardia ou
viveza criolla, a malandragem ou
falsa malandragem argentina, a habilidade para enganar ou passar os outros para
trás, o recurso dos gaúchos e deserdados pela vida na luta diária contra os
ricos e poderosos.
O princípio básico é que é legítimo para as vítimas
subverter a ordem estabelecida, numa distorção do “direito à sedição” do
filósofo liberal inglês John Locke, o primeiro a defender a ideia de que os
governantes devem ter o consentimento dos governados.
A picardia é um elemento central do futebol argentino, o que
explica o orgulho com o gol de mão de Maradona na Copa de 1986.
CULINÁRIA
Outro elemento essencial da cultura argentina é a
alimentação baseada na carne e no assado chapa ou parrilla, a parrillada,
símbolo da cultura gaúcha. Há também as massas trazidas pelos imigrantes
italianos, os embutidos de carne e as sobremesas com receitas importadas da
Europa.
Além disso, há as invenções criollas, as empanadas, espécie de pastéis de forno, locro, uma
mistura de milho, feijão, carne, bacon e cebola, o choriço, uma linguiça
apimentada, o doce de leite, os sanduíches de miga e a erva mate, tomada com
açúcar, diferentemente do que acontece no Rio Grande do Sul, onde os gaúchos
brasileiros preferem o mate amargo.
A indústria de vinho argentina é uma das maiores e mais
importantes do mundo fora da Europa. Os vinhos nobres, de exportação, são
produzidos na Província de Mendoza, enquanto os mais populares vêm de La Rioja.
A uva Malbec, francesa, produz melhores vinhos na Argentina.
ESPORTE
Por causa de sua cultura da campo e da influência britânica,
a Argentina é uma potência mundial no polo, graças à força de seus cavalos e à
destreza de seus cavaleiros. As classes média e alta são associadas a clubes
que oferecem esportes como tênis, remo, vela.
AUTOMOBILISMO
Em outro esporte de elite, um dos maiores campeões de automobilismo
até hoje é o argentino Juan Manuel Fangio, que recebeu ajuda de Perón para
correr na Europa e dominou a primeira década da Fórmula Um ganhando cinco
campeonatos mundiais.
Até hoje, Fangio tem o maior percentual de vitórias da F-1,
46%. Venceu 24 das 52 corridas que disputou.
Na época de Emerson Fittipaldi, um de seus adversários era o
argentino Carlos Reutemann, vice-campeão por um ponto em 1981, que depois fez
carreira política levado por Menem e foi governador da província de Santa Fé.
RÚGBI
A Argentina tem uma importante seleção de rugby conhecida
como Os Pumas e muitos jogadores atuam na Europa. Como seus jogadores eram de
esquerda, a seleção foi dizimada pela última ditadura militar argentina. Em
2007, ficou em terceiro lugar no Mundial da França.
TÊNIS
Com quatro títulos de Grand Slam, o argentino Guillermo
Vilas é considerado o maior tenista latino-americano de todos os tempos. De
1974 a 1982, esteve entre os dez melhores do mundo. Há sempre vários tenistas
argentinos no circuito mundial. O destaque no momento é Juan Martín del Potro.
Recentemente, na era Guga, jogavam Gastón Gaudio, Guillermo Coria e David
Nalbandián.
BASQUETE
O segundo esporte mais popular na Argentina é o basquete. A
geração de Manu Ginobili, do San Antonio Spurs, na NBA, Luis Scola, Andrés
Nocioni, Carlos Delfino e Fabricio Otero ganhou medalha de ouro na Olimpíada de
2004 e bronze em 2008.
FUTEBOL
O futebol é longo o esporte mais popular no país. A seleção
argentina tem 25 títulos internacionais, inclusive duas Copas do Mundo, duas
medalhas de ouro em Olimpíadas e 14 Copas Américas.
Mais de mil argentinos jogam profissionalmente no exterior,
com destaque para o rosarino Lionel Messi, eleito quatro vezes o melhor jogador do
mundo. Em 2009, havia 331.881 jogadores registrados na Associação de Futebol de
Argentina (AFA). Nos últimos anos, aumentou muito o número de mulheres.
O Club Atlético Boca Juniors é o mais popular da Argentina.
Ganhou seis Copas Libertadores e 30 campeonatos nacionais. Seu estádio, La
Bombonera, fica na Boca, tradicional bairro operário de imigrantes italianos,
uma das atrações de Buenos Aires. Por falta de espaço, é muito verticalizado.
Com uma torcida passional e entusiasmada, é um dos maiores, senão o maior,
alçapões do futebol mundial.
O Club Atlético Independiente, de Avellaneda, na Grande
Buenos Aires, tem um recorde de sete vitórias na Copa Libertadores da América,
além de dois títulos mundiais, em 1973 e 1984. De 1972 a 1975, foi
teatracampeão. Ganhou 16 campeonatos argentinos, mas foi rebaixado e disputa a
temporada 2013-14 na segunda divisão.
Maior campeão nacional, com 35 títulos, o Club Atlético
River Plate, conhecido como conjunto milionário, ganhou duas Copas Libertadores
e um título mundial. Seu estádio, o Monumental de Núñez, é o maior da
Argentina. Foi palco da decisão da Copa de 1978, primeiro título mundial da
seleção argentina.
O futebol de praia e o futebol de salão são cada vez mais
populares.
COPA ROCA
De 1914 a 1976, as seleções de futebol do Brasil e da
Argentina disputaram regularmente um torneio bilateral. A Copa Roca foi uma
iniciativa do presidente Julio Argentino Roca, que era embaixador no Brasil em
1913, depois de governar a Argentina por dois mandatos.
A Copa Roca foi disputada onze vezes, com sete vitórias do
Brasil, três da Argentina e um empate. Pelé estreou e marcou seu primeiro gol
pela seleção brasileira numa Copa Roca, em 7 de julho de 1957, no Maracanã, mas
a Argentina venceu a partida por 2-1.
VITÓRIA MORAL?
Em 1978, a FIFA ainda não havia introduzida a regra que
obriga a disputar os jogos decisivos do mesmo grupo no mesmo horário.
Quando o Brasil derrotou a Polônia por 3-1, depois de
empatar com a Argentina em 0-0, na segunda fase do mundial, que naquela época
era disputada em grupos, a seleção argentina entrou em campo para jogar contra
o Peru sabendo que precisaria de um saldo de quatro gols e ganhou por 6-0.
O capitão Claudio Coutinho, treinador brasileiro, que levara
um time retranqueiro, deixando Falcão no Brasil, alegou que o Brasil era
campeão moral porque a Argentina haveria manipulado o jogo contra o Peru.
COPA SOB DITADURA
No livro La Verguenza
de Todos:o dedo na chaga do Mundial 78, o jornalista, militante de esquerda
e hoje advogado Pablo Llonto fala da importância política do Mundial para a ditadura
militar argentina, que sequestrou pelo menos 67 pessoas durante a Copa.
Pelo relato de Llonto, o zagueiro Rodolfo Manso teria
recebido na terça-feira 20 de junho de 1978 em telefonema anônimo uma oferta de
US$ 50 mil para “deixar a Argentina ganhar por mais de quatro gols. Não te
esqueças, negro, são 50 mil verdinhas”, disse a voz grossa e arrogante do outro
lado da linha.
BRASIL OFERECEU MIMO
O Brasil já tinha feito sua oferta, afirma Llonto: US$ 6 mil
por cabeça mais férias na Ilha de Itaparica.
A delegação peruana estava dividida entre jogadores do
Alianza e do Sporting Cristal. A estrela do time, José Muñante, que jogava no
México e estava fora dessa briga, se desentendeu com o técnico, que lhe pediu
mais empenho no intervalo do jogo com a Polônia.
Eliminado antes do jogo contra a Argentina, o Peru foi
aconselhado por seus guarda-costas a passear. Francisco Morales Bermúdez, filho
do ditador peruano do mesmo nome, que acompanhava a delegação, se declarava
muito amigo dos militares argentinos.
Um ex-militante montonero sequestrado em Lima em 1977 foi
entregue na sinista Escola de Mecânica da Armada (Esma), em Buenos Aires. Os
regimes militares se associavam.
INTIMIDAÇÃO
Sem polícia para reprimir, a torcida argentina fez festa e
soltou foguetes a noite toda junto ao hotel do Peru.
Na manhã seguinte, o motorista de ônibus chegou armado e
acompanhado de quatro policiais. O trajeto até o estádio do Rosário Central
levou duas horas. Os jogadores peruanos eram xingados e intimidados ao longo do
caminho.
Manzo e Velázquez estavam machucados, mas foram escalados
pelo técnico Marcos Calderón. Hugo Sotil e La Rosa ficaram no banco.
Havia suspeitas no plantel sobre a lealdade do goleiro
Quiroga, argentino naturalizado peruano por influência de Morales Bermúdez,
filho.
VIDELA NO VESTIÁRIO
Os peruanos chegaram ao estádio uma hora antes do jogo.
Quando a porta do vestiário se abriu, às 18h25, o corredor estava cheio de
homens de óculos escuros. Não era a primeira vez que o ditador Jorge Videla ia
a um jogo da Copa, mas a primeira em que visitou o vestiário da equipe
visitante.
Estava começando o que o jornalista chama de partida mais
longa do mundo. O primeiro tempo terminou 2-0. Não classificava a Argentina.
Menotti pediu velocidade ao time. Nos primeiros seis minutos do segundo tempo,
Kempes e Luque fizeram os 4-0 que classificavam a Argentina para a grande
final. O placar final de 6-0 foi estabelecido 20 minutos antes de acabar o
jogo.
Enquanto a pequena torcida peruana os chamava de “vendidos”
e “traidores”, Héctor Chumpitaz foi um dos poucos que falou, mas seu desejo
nunca será realizado: “O que aconteceu hoje é melhor esquecer”.
No vestiário argentino, Videla cumprimentava os heróis da
pátria.
SUBORNO?
Em Como roubaram a
Copa, o jornalista investigativo inglês David Yallop, autor de Em nome de Deus, alegando que o papa
João Paulo I foi assassinado, afirma que a ditadura militar argentina subornou
o Peru com 35 mil toneladas de trigo, o descongelamento de uma linha de crédito
de US$ 50 milhões e propinas menores para funcionários subalternos peruanos
saídas de contas da Marinha argentina.
Cada jogador peruano selecionado para participar do esquema,
não teriam sido todos, recebeu US$ 20 mil, alega Yallop. Foi um suborno de alto
nível. O dinheiro teria saído da junta militar argentina para a junta militar
peruana, que teria se encarregada de fazer a entrega na etapa final da
corrupção.
Oito anos depois, na Copa de 86, Oblitas, um dos craques chamuscados nesta história, declarou: “Houve coisas muito estranhas naquela partida. Quatro ou cinco jogadores peruanos se venderam.” Teófilo Cubilas, um dos melhores jogadores peruanos daquela geração, respondeu que tantos anos depois era melhor ficar calado.
Oito anos depois, na Copa de 86, Oblitas, um dos craques chamuscados nesta história, declarou: “Houve coisas muito estranhas naquela partida. Quatro ou cinco jogadores peruanos se venderam.” Teófilo Cubilas, um dos melhores jogadores peruanos daquela geração, respondeu que tantos anos depois era melhor ficar calado.
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