As experiências de Salvador Allende no Chile, nos anos 70, e dos sandinistas na Nicarágua, nos anos 80, mostram que a esquerda não pode governar sozinha em nenhuma parte da América Latina, declarou o ex-presidente boliviano Jaime Paz Zamora, em entrevista ao jornal argentino La Nación.
"Para governar, para encabeçar o governo, a esquerda deve se aliar com o centro e com os setores democráticos de centro-direita", aconselhou, advertindo o presidente Evo Morales, o primeiro indígena a governar a Bolívia, de que lhe resta pouco tempo para mudar.
Paz Zamora, do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), oriundo da luta armada contra ditaduras militares, fez um acordo nos anos 80 com o ex-ditador Hugo Banzer, que o perseguira, para chegar à presidência (1989-93). Isto lhe valeu críticas ferozes dos setores mais à esquerda, que hoje apóiam o governo Morales e seu Movimento ao Socialismo (MAS).
Agora, acredita que Morales precisa enfrentar o "dilema de Lula": governar para todo o país ou apenas para seus seguidores ideológicos.
"Lula fez e Morales tem de se resolver", argumenta o ex-presidente boliviano. "Lula vinha de um partido muto radical, o PT, num país com grandes níveis de pobreza. Teve de resolver se governava para o PT ou governava para o Brasil. Foi doloroso para ele. Teve de enfrentar dramas de consciência mas decidiu: vou governar para o Brasil, não para o PT; não vou fazer experiências".
Morales enfrenta uma queda de braço com a elite de origem européia e quatro departamentos ricos do Leste da Bolívia, que exigem autonomia e ameaçam até se separar. O presidente apelou ao Exército para manter a unidade nacional, enquanto líderes departamentais fazem greve de fome.
A oposição exige ainda que Morales respeita a regra inicial da Assembléia Constituinte, que exigia maioria de dois terços. Teme ainda que, com sua reforma agrária, mande índios do altiplano para as planícies do
O MAS, que tem maioria absoluta mas não chega a dois terços, mudou a regra do jodo para metade mais. A oposição chegou a apelar ao presidente Lula, durante a reunião de cúpula da Comunidade Sul Americana (Casa), em Cochabamba, na Bolívia. Afinal. há muitos produtores rurais brasileiros ameaçados de confisco pela reforma agrária na Bolívia.
Lula preferiu não se intrometer nas questões internas bolivianas.
Na opinião de Paz Zamora, a América Latina de hoje é fruto de dois grandes processos ocorridos nos últimos 25 anos: a democratização e as reformas econômicas de livre mercado.
"Ainda que com problemas e falhas, temos democracia", observa o ex-presidente. "Os problemas estão sendo resolvidos democraticamente".
Para o ex-presidente, "Morales é um produto da democracia boliviana. Deve reconhecer que a democracia não é ocidental nem burguesa, como querem alguns setores indígenas. O que me surpreende é que, tendo chegado ao governo com a simpatia da maioria e da comunidade internacional, começou a desperdiçar oportunidades de maneira irresponsável.
"Evo começou a inventar inimigos atrás de cada pedra. Começou a ver conspirações. Caiu no velho esquema da esquerda de ver inimigos por toda parte. Chegou o momento da democracia, de dar o salto por cima do indígena, que na Bolívia é sinônimo de indigente. Queremos ser uma África do Sul e que Morales seja o nosso Nelson Mandela. Mas no momento ele se parece mais com Robert Mugabe, do Zimbábue, que está isolado".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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