domingo, 10 de dezembro de 2006

General Pinochet morre impune

O ex-ditador chileno Augusto Pinochet Ugarte (1973-1990) morreu hoje aos 91 anos sem pagar pelos crimes cometidos pelo regime militar que comandou, inclusive a morte de mais de 3,1 mil pessoas. Ele sofrera um violento ataque cardíaco há uma semana.

Pinochet era considerado um oficial medíocre. Por isto, teria sido nomeado comandante do Exército pelo presidente socialista Salvador Allende (1970-73). Semanas depois de assumir o cargo, liderou o golpe de 11 de setembro de 1973, que levou Allende ao suicídio.

Sucedeu-se um reino de terror que começou pela morte dos assessores que estavam no Palácio La Moneda na hora do golpe e continuou com a perseguição política de toda a esquerda chilena, além de milhares de refugiados latino-americanos que foram para o Chile na era Allende.

O Estádio Nacional de Santiago ficou tristemente célebre como centro de detenção, tortura e execução de opositores do golpe, inclusive o cantor e compositor Victor Jara, um dos mais importantes da música popular chilena.

Com mão-de-ferro, Pinochet tornou-se a mais perfeita tradução do ditador latino-americano: cruel e implacável com seus inimigos e seus adversários dentro do regime, sempre de quepe e óculos escuros, sempre negando os atrocidades da ditadura. Orgulhava-se de dizer que "nenhuma folha se mexe no Chile sem que eu saiba", numa clara indicação de que sabia das violações de direitos humanos, dos seqüestros, da tortura, do desaparecimento de pessoas e dos assassinatos políticos.

Na Operação Condor, fez uma aliança com outras ditaduras militares sul-americanas do Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia para perseguir e matar dissidentes além de suas fronteiras nacionais. O caso mais escandaloso foi o assassinato do ex-ministro da Defesa e ex-chanceler Orlando Letelier, em 1976, em Washington, onde estava exilado.

Sem oposição - o líder sindical que chegou a ser chamado de Lula chileno emigrou para a Austrália, o regime de Pinochet promoveu uma profunda reforma econômica no Chile baseada nas idéias do economista americano Milton Friedman, pai do neoliberalismo e da Escola de Chicago. O crescimento econômico ajudou a sustentar o regime, que foi o último a cair.

Seu legado é a economia mais estável da região, com taxa média de crescimento de 6% ao ano e renda média anual por pessoa de US$ 10 mil. Ao mesmo tempo, ele sucateou a indústria e acabou com a previdência social.

Em 1988, o ditador submeteu-se a um plebiscito para prorrogar seu mandato e perdeu. Perdeu mas teve 40% dos votos. Em 1989, Patricio Aylwin foi o primeiro presidente chileno eleito democraticamente desde Allende.


Aylwin tomou posse em março de 1990 mas Pinochet continuou no comando do Exército até 1998. Em 16 de outubro de 1998, durante visita a Londres para tratamento de saúde, foi preso por ordem internacional expedida pelo juiz de instrução Baltasar Garzón, que o denunciou por genocídio, tortura, seqüestro, desaparecimento de pessoas e assassinato.

Entrevistei Garzón durante o Fórum Social Mundial 2002, em Porto Alegre. O juiz espanhol disse que Pinochet era culpado de politicídio, a tentativa de eliminar toda uma corrente de pensamento político, a esquerda. Este crime não está tipificado no Direito Internacional, como o genocídio, que é a tentativa de exterminar um povo inteiro, ou a tortura, que é o tratamento cruel e desumano de presos.

Stalin não permitiu que fosse incluído na Convenção sobre Tortura, aprovada depois da Segunda Guerra Mundial, porque afinal o comunismo pregava a destruição da burguesia e do liberalismo.

Quando a Câmara dos Lordes, que exerce a função de supremo tribunal no sistema constitucional britânico, decidiu que o general não tinha imunidade, criou-se uma crise internacional. No Chile, os militares e a direita pediam a volta do seu general. Já o governo direitista espanhol não tinha nenhum interessa na extradição pedida por Garzón.

A situação começou a ser resolvida no Brasil, durante a Conferência de Cúpula América Latina-União Européia realizada no Rio em 28 e 29 de junho de 1999, quando os ministros do Exterior do Reino Unido, da Espanha e do Chile se reuniram para discutir a questão.

Assim que o chanceler espanhol deixou claro que seu governo não queria ver Pinochet sendo processado na Espanha por crimes contra a humanidade, o representante britânico disse que então não fazia sentido continuar com o pedido da extradição. Acertou-se que Pinochet seria examinado por uma junta médica que o consideraria demente e incapaz.

No início do ano 2000, ele foi declarado gravemente enfermo, demente, sem condições de responder conscientemente a um processo. Libertado, voltou ao Chile em março. Já no aeroporto, ao se levantar da cadeira de rodas para abraçar os amigos, deixou claro que os problemas de saúde eram mero pretxto. Mas renunciou à cadeira de senador vitalício.

Mais de 100 ações foram movidas contra Pinochet, inclusive por ter US$ 26 milhões no exterior. Mas o general morreu sem ser condenado pela Justiça.

Já está condenado pela História.

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