As testemunhas e um clérigo muçulmano foram convocados e se dirigem ao local da execução, em mais um sinal de que o enforcamento do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein (1979-2003) é iminente.
Condenado à morte por crimes contra a humanidade, deve morrer na forca entre 0h30 e 1h00, pelo horário de Brasília.
Ditador cruel e sanguinário, Saddam chegou e se manteve no poder matando e perseguindo xiitas, curdos e sunitas. Chegou a usar armas químicas contra seu próprio povo, no caso a minoria curda, nos anos 80. Seu apoio vinha da comunidade sunita, da parcela que aderiu a seu partido Baath. Mas mesmo dentro do partido e do governo, Saddam promoveu grandes expurgos e matou diversos oponentes.
Saddam Hussein foi responsável pela morte de 200 mil iraquianos e começou duas guerras, ao invadir o Irã em agosto de 1980 e o Kuwait em agosto de 1990. Só a Guerra Irã-Iraque matou cerca de um milhão de muculmanos. Foi o pior conflito no moderno Oriente Médio.
Naquela guerra, os EUA, a Europa, a União Soviética e os países árabes apoiaram Saddam contra o que consideravam um mal maior, a república islâmica fundada pelo aiatolá Khomeini no Irã. O Iraque não conseguiu derrotar as ondas humanas de guerrilheiros islâmicos.
Depois de oito anos de devastação de cidades e de ataques a petroleiros no Golfo Pérsico, a Guerra Irã-Iraque terminou num empate. Falido, Saddam começou a pressionar as ricas monarquias petroleiras da região a lhe conceder vantagens e mais empréstimos. Terminou declarando que o Kuwait era uma província do Iraque e que estava roubando petróleo de um campo comum, justificativas para invadir o país vizinho em 2 de agosto de 1990.
O ditador contava com a conivência dos EUA. Mas o presidente George Bush, pai, enviou imediatamente tropas americanas para proteger a Arábia Saudita. Com o Kuwait, Saddam controlava 15% da produção mundial de petróleo. Se tomasse a Arábia Saudita, ficaria com 40%.
Bush I articulou uma aliança de 30 países, obteve a aprovação do Conselho de Segurança e, numa guerra rápida, de 17 de janeiro a 28 de fevereiro de 1991, expulsou os iraquianos do Kuwait.
Como não tinha um mandato para ir além disso, ouvindo as ponderações do general Colin Powell, na época chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, Bush sr. decidiu não marchar sobre Bagdá. Sua esperança era que generais iraquianos, movidos pela humilhação da derrota, se unissem para derrubar Saddam. Mas o ditador mostrou mais uma vez ter pleno controle sobre a máquina do Estado iraquiano.
O governo americano estimulou as revoltas dos xiitas, no Sul, e dos curdos, no Norte, ambas massacradas por Saddam Hussein.
Com a derrota do Iraque, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, em 3 de abril de 1991, a Resolução 687, impondo as exigências dos vencedores ao Iraque, que deveria abandonar todos os programas de desenvolvimento de armas de destruição em massa (químicas, biológicas e nucleares) e sistemas de mísseis.
Saddam começou então um jogo de gato e rato com os inspetores da Comissão de Desarmamento da ONU que durou mais de uma década. A ONU destruiu mísseis e fechou laboratórios que poderiam fabricar armas químicas. Os programas de armas biológicas só foram descobertos quando dois genros de Saddam fugiram para a Jordânia. Eles voltaram e foram mortos pelos filhos de Saddam.
Em 1998, quando o então presidente americano Bill Clinton ordenou um bombardeio aéreo no momento em que a Câmara votava seu impeachment pelo caso com Monica Lewinsky, uma estagiária da Casa Branca, sob o pretexto de que o Iraque não cooperava, Saddam expulsou os inspetores da ONU.
Disto se valeu o governo George Walker Bush, o filho, para conseguir a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, em 8 de novembro de 2002, da Resolução 1.441, que alegava que o Iraque não cumprira suas obrigações e reinstituía o regime de inspeções. Mas era apenas um passo para justificar a invasão do Iraque. Bush jr. não queria esperar o prazo necessário para a comissão presidida pelo diplomata sueco Hans Blix investigar se Saddam estava realmente escondendo algo, como a maioria dos serviços secretos do mundo suspeitava.
Em 20 de março de 2003, os EUA atacaram o Iraque. Saddam caiu em 9 de abril. No final do ano, foi preso pelos americanos escondido numa toca no subsolo de uma casa no interior do Iraque.
Sua execução deve provocar reações de seus antigos aliados. Afinal, ao desmobilizarem a Polícia e as Forças Armadas do Iraque, os americanos jogaram centenas de milhares de saddamistas na clandestinidade. Mas a insurgência adquiriu sua própria dinâmica. Não depende de Saddam.
É o fim de uma era na História do Iraque.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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