Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo, em janeiro de 2003, o Brasil estava envolvido em três grandes negociações de comércio, na Organização Mundial do Comércio (OMC), entre o Mercosul e a União Européia (UE), e com os Estados Unidos e os demais países do continente para criar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). A Europa e os EUA são os maiores parceiros comerciais do Brasil mas as negociações se estagnaram. Na OMC, se a Rodada Doha for concluída este ano, como previsto, seu resultado será medíocre.
“A pressão para concluir logo esvazia a negociação”, opina Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone). “O fim da ALCA também é um grande problema. Hoje 70% do que a gente exporta vai para o continente”.
A negociação bloco a bloco com a UE permitiria dar um rumo ao Mercosul. Hoje o Mercosul está perdido entre o interesse argentino de aprofundar a integração e resolver seus problemas internos, a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações defendida pelo governo Lula, a frustração dos pequenos sócios, Paraguai e Uruguai, que podem fazer acordos bilaterais com os EUA, e o complicador representado pela adesão da Venezuela do presidente Hugo Chávez.
Será importante também retomar a agenda com os EUA além da ALCA, em temas de grande potencial como bioenergia, que está bloqueada por preconceitos ideológicos. Mas o governo começa a perceber que a maior ameaça ao desenvolvimento industrial brasileiro vem da Índia.
A questão foi avaliada no seminário A Rodada Doha depois da Conferência Interministerial de Hong Kong: Perspectivas para 2006, realizado ontem pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.
No momento, concordaram os painelistas, há uma falta de liderança no sistema multilateral de comércio. Os EUA, que sempre lideraram as rodadas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, da sigla em inglês) estão menos interessados na liberalização comercial, especialmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. “Os EUA construíram o sistema e avançaram até a Rodada Uruguai”, disse Jank. Sobrou o núcleo duro do século 19: agricultura e têxteis”.
A Europa continua protecionista e todos temem o Efeito China.
“Há uma ressaca da liberalização dos anos 90”, comentou o economista Pedro Motta Veiga, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNA), que falou do setor de serviços, onde as maiores pressões são pela abertura dos setores de telecomunicações, seguros e serviços financeiros. “Há ciclos de abertura alternados com momentos mais protecionistas. A Rodada Doha, lançada dois meses depois do 11 de setembro, foi o último suspiro do multilateralismo americano.”
Na Rodada Uruguai, havia uma coalizão liberalizante de países ricos reunindo EUA, Europa, Canadá e Japão. Isto mudou, nota Motta Veiga. “Em 1998, a negociação do Acordo Multilateral sobre Investimentos na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um clube de paises ricos, foi para o brejo. Dali para a frente, praticamente nada aconteceu. Só houve acordos assimétricos de paises ricos com paises fracos”.
Uma exceção foi o acordo EUA-Coréia do Sul, que foge da fórmula do Acordo de Livre Comercio da América do Norte (Nafta, da sigla em inglês). Mas há fortes implicações geopolíticas. Afinal, a Coréia fica estrategicamente entre a China e o Japão, as duas grandes potências do Leste da Ásia
A Rodada Doha, do Milênio ou do Desenvolvimento, apesar dos nomes pomposos, não está cumprindo a promessa de alavancar o desenvolvimento dos paises mais pobres. Os ricos estão claramente em posição defensiva.
Há um prazo importante que vence em 30 de abril. Seria necessário um acordo prévio para que seja possível concluir a rodada este ano, dentro do prazo da Autorização de Promoção do Comércio dada pelo Congresso dos EUA ao presidente George Walker Bush. Ela impede o Congresso de propor emendas que viabilizariam acordos de comercio internacional porque eles teriam de ser renegociados com outros países.
Ninguém acredita num pré-acordo até 30 de abril. Haverá um esforço para terminar a Rodada Doha este ano mas, ou ela será prorrogada por mais alguns anos como a Rodada Uruguai, ou terá resultados medíocres, frustrando as expectativas dos paises em desenvolvimento.
A própria idéia de uma nova rodada de liberalização comercial foi proposta pela Europa para justificar os cortes de subsídios, tarifas e outras barreiras protecionistas aprovados na Rodada Uruguai do GATT (1986-94), que criou a OMC, especialmente no setor agrícola. Os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, preferiam primeiro a aplicação do que foi aprovado no Tratado de Marraqueche mas isto era politicamente difícil para os europeus.
O Brasil tem hoje a agricultura mais competitiva do mundo. Aí está seu maior interesse. Por isso, não foi possível chegar a um acordo com os americanos e europeus, que tem lobbies agrícola muito poderosos.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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