Um conflito diplomático entre a Argentina e o Uruguai ameaça a unidade do Mercado Comum do Sul (Mercosul). No último fim de semana, o governo uruguaio rompeu as negociações em torna da chamada Guerra das Papeleiras, provocada pela instalação de duas fábricas de celulose junto ao Rio Uruguai, no lado uruguaio.
Os argentinos protestam contra a ameaça de poluição, exigem um estudo de impacto ambiental e bloqueiam pontes e estradas. Em resposta, o Uruguai recorreu à Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas, ao Mercosul e à Organização Mundial do Comércio em defesa do direito de ir e vir..
O ex-presidente argentino Raúl Alfonsín, um dos pais do Mercosul, adverte que a crise é uma ameaça para o bloco. Mas até o momento a diplomacia brasileira trata o assunto como uma questão bilateral. Já houve uma tentativa de resolver o problema com um encontro de cúpula dos presidentes Néstor Kirchner, da Argentina, e Tabaré Vasquez, do Uruguai, mas ele foi cancelado na última hora.
As empresas transnacionais espanhola Ence e finlandesa Botnia estão construindo fábricas de papel e celulose na cidade uruguaia de Fray Bentos. Com investimento previsto de US$ 1,7 bilhão, cerca de 10% do produto interno bruto do Uruguai, devem entrar em funcionamento em 2007.
O governo argentino exige a paralisação das obras até que seja feito um estudo de impacto ambiental independente. Alega que o Uruguai violou o Tratado do Rio Uruguai, que regulamenta o uso comum do rio pelos dois países, por não revelar mais detalhes sobre as fábricas. A empresa finlandesa nega-se a parar as obras,
No início, a questão parecia preocupar apenas os ecologistas. Eles mobilizaram a população de Gualeguaychú, que fica diante de Fray Bentos, na outra margem do Rio Uruguai. A primeira grande marcha de protesto foi realizada em 30 de abril do ano passado, atraindo a atenção para o problema nos dois países.
Durante 40 dias, os argentinos bloquearam o acesso ao Uruguai. Desde 5 de abril, depois que a Botnia negou-se a interromper sua obra, voltaram a interromper o tráfego. O mesmo fizeram os moradores de Colón, que fica diante de Paysandú, deixando apenas uma passagem aberta entre os dois países entre Concórdia e Salta.
O governo uruguaio afirma que o pais já perdeu US$ 400 mil com o bloqueio. As empresas de transporte do Uruguai ameaçam parar de transportar carga e passageiros para a Argentina se os piquetes não foram desmontados. Na Semana Santa, o movimento turístico entre os dois países caiu pela metade.
Numa concessão, as autoridades uruguaias anunciaram na quinta-feira que exigirão que as empresas se adaptem às exigências do Banco Mundial, que reteve empréstimos essenciais para a conclusão das obras. O banco não liberou o dinheiro mas declarou que não há risco de uma catástrofe ecológica, como advertem os ambientalistas da província argentina de Entre Rios.
Para Wyne Dwernychuk, especialista canadense que trabalhou para o Banco Mundial, “há uma preocupação excessiva na Argentina”. Mesmo o despejo dos dejetos industriais no rio causaria, na sua opinião, apenas “danos menores”.
A diretora nacional de Meio Ambiente do Uruguai, Alicia Torres, informou que a “comissão de acompanhamento” prevista na autorização dada por seu governo “deveria ter começado a trabalhar em fevereiro”. Só não o teria feito porque a Argentina não enviou representantes. “Se não o fizer nos próximos dias, a comissão começaram a trabalhar sem um técnico argentino.”
Uma nova tentativa de mediação está sendo feita pela Igreja Católica, a pedido do presidente Kirchner. Nesta segunda-feira, o presidente da Conferência Episcopal do Uruguai, Pablo Galimberti, pediu cautela para evitar frustrações em caso de fracasso. Afinal, se a Argentina pede a intervenção da Igreja, é sinal de que as gestões diplomáticas bilaterais não deram resultado.
A Guerra das Papeleiras acontece num momento difícil para o Mercosul por causa do distanciamento entre os presidentes Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva, das negociações de acesso da Venezuela de Hugo Chávez, da criação de um sistema de salvaguardas contra aumentos repentinos de importações e da possibilidade cada vez maior de que os sócios menores, Paraguai e Uruguai, firmem acordos bilaterais de comércio com os EUA.
Diante do fracasso das negociações para criar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e da resistência dos governos do Brasil, da Argentina e da Venezuela, os EUA partiram para a negociação de acordos bilaterais com os paises interessados da América do Sul. Além do Chile, com quem já tinham acordo, fecharam com a Colômbia e o Peru. Isto atrapalha a estratégia brasileira de criar a Comunidade Sul-Americana das Nações unindo o Mercosul à Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela).
O problema para o Brasil é que o presidente Kirchner, eleito depois da pior crise econômica da História da Argentina, está preocupado com questões imediatas que afligem o povo argentino como crescimento econômico e emprego. A Argentina prioriza o aprofundamento da integração, a solução dos problemas internos do bloco, à sua expansão.
Se o Mercosul tem problemas com poucos países, como se tornar mais eficiente com muitos? E o que o bloco tem a oferecer para levar estabilidade política aos conflagrados países andinos?
Para o Brasil, o Mercosul é um importante instrumento de geopolítica, de afirmação de uma política externa independente. Os argentinos parecem mais preocupados com os benefícios econômicos da integração.
Na primeira década do Mercosul, a Argentina teve saldo favorável no comércio com o Brasil. Depois do colapso da paridade dólar-peso, em 2001, a situação se inverteu. Por causa disso, houve um aumento de apelos protecionistas na Argentina contra a importação de calçados, têxteis e eletrodomésticos do Brasil. Isto levou à assinatura de um acordo que prevê salvaguardas contra aumentos de importação inesperados. O Brasil era contra por entender que as salvaguardas violam os princípios do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul em 26 de março de 1991.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário