A União, de centro-esquerda, liderada pelo ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Européia (órgão executivo da União Européia) Romano Prodi, venceu as eleições de 9 e 10 de abril na Itália. Foi uma vitória mais matemática do que política, já que a Itália mostrou-se radicalmente dividida. Isto dificulta a realização das reformas necessárias para recuperar a economia do país. A Bolsa de Valores de Milão caiu 2,2% por causa da incerteza gerada pelo resultado eleitoral.
Também não foi o fim da era Silvio Berlusconi, como previu o sociólogo inglês Anthony Giddens. Seu partido, Força Itália, foi o mais votado. As eleições acabaram se tornando um plebiscito sobre o governo Berlusconi e quase metade da Itália o apoiou.
Nas eleições para a Câmara, a União conquistou 49,8% dos votos contra 49,78% da Casa da Liberdade, do primeiro-ministro conservador Silvio Berlusconi. Foram apenas 25.224 votos da vantagem. Mas pela nova lei eleitoral aprovada pelo governo Berlusconi, Prodi terá 63 deputados a mais na Câmara, 340 contra 277 da direita.
Para o Senado, de 315 cadeiras, a União conquistou cinco das seis cadeiras que dependiam do voto de 1 milhão de italianos que votaram no exterior. Isto lhe dá 159 senadores contra 156 da aliança liderada por Berlusconi.
"Vamos mudar a Itália", prometeu Prodi, ao proclamar a vitória. Mas Berlusconi alegou ser cedo demais para a esquerda se declarar vencedora: “Houve muita irregularidades. Vamos esperar a recontagem dos votos”, afirmou o primeiro-ministro, disposto a lutar até o fim. Ele sugeriu inclusive a formação de uma grande coalizão como democratas-cristãos e social-democratas fizeram na Alemanha.
O novo governo terá como maior desafio recuperar a economia do país, que já foi a quinta maior do mundo mas nos últimos anos foi ultrapassada pela Grã-Bretanha e pela China. Nos últimos cinco anos, sob Berlusconi, a Itália cresceu apenas 0,8% ao ano em média. No ano passado, a economia ficou estagnada.
A Itália tem uma dívida pública interna de 106% do produto interno bruto, que é de US$ 1,6 trilhão. O déficit orçamentário, de 4,1%, supera o limite de 3% previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento criado para sustentar o euro. Sofre com a adesão ao euro, que significa taxas de juros mais baixas mas impede as desvalorizações competitivas que reanimavam a economia italiana.
Dividida ao meio de maneira tão radical, com um governo fraco, dificilmente a Itália conseguirá fazer as reformas necessárias para recuperar sua economia. Berlusconi foi eleito em 2001, depois de um breve período no poder em 1994, com a promessa de administrar o pais como um empresário de sucesso, já que é o homem mais rico da Itália. Mas não conseguiu enfrentar os grupos de interesse, o clientelismo e o paternalismo.
Sua fortuna quadruplicou para US$ 12 bilhões desde que entrou na política na vácuo deixado no centro e na direita do espectro político italiano pelos escândalos de corrupção do início da década de 90. Berlusconi é uma espécie de filho bastardo da Operação Mãos Limpas.
Milhares de políticos e empresários foram acusados, diversos presos e condenados, numa série de escândalos de corrupção que destruíu a Democracia Cristã e o Partido Socialista, inclusive as carreiras políticas dos primeiros-ministro Giuliano Amato e Bettino Craxi.
Berlusconi, apadrinhado de Craxi, era dono do grupo financeiro Fininvest e da Mediaset, que controla as três grandes redes de televisão privadas da Itália. Diante do vazio político na centro-direita e do risco de uma vitória da esquerda liderada por comunistas e ex-comunistas, o empresário mais rico do pais decidiu entrar na política.
Ele também era dono do clube de futebol Milan. Aproveitou o grito de guerra da torcida italiana, “Força, Itália!”, para batizar seu partido, criado em março de 1994 para disputar eleições no mês seguinte.
Diante da erosão da direita, Berlusconi aliou-se à Aliança Nacional, novo nome do neofascista Movimento Social Italiano, e à Liga Norte, um grupo autonomista do Norte liderado por Umberto Bossi que pregava a independência da Padânia, no Pólo da Liberdade, para se opor aos comunistas. Até hoje, nesta eleição, Berlusconi apelou para o anticomunismo histórico dos italianos religiosos.
Assim, o Cavalheiro Berlusconi chegou ao poder em abril de 1994 mas só durou até dezembro. Sua coalizão, abalada pelos conflitos internos, não resistiu. Em 1996, ele perdeu as eleições para Prodi mas a divisão interna na coligação de centro-esquerda levou seu atual líder a ser substituíto por Massimo d’Alema, do Partido Democrático da Esquerda, o Partido Comunista reformado.
O Partido Comunista Italiano foi o maior do Ocidente durante toda a Guerra Fria. Com uma votação garantida de cerca de um terço do eleitorado, nunca chegou ao poder por causa do sistema de voto proporcional que a Itália adotava.
Com cerca de 40% das preferências, a Democracia Cristã liderou a maioria dos mais de 50 governos que a Itália teve desde 1945. Os comunistas, sob Enrico Berlinger, chegaram a firmar o “compromisso histórico”, comprometendo-se a lutar pelo poder exclusivamente por meios democráticos, no chamado eurocomunismo dos anos 70. Mas não participavam da coligação governista. Isto os poupou dos escândalos de corrupção.
Irônico é que Berlusconi tenha se beneficiado de um clima de moralização da vida pública na Itália. Ele é a própria encarnação do empresário com conexões importantes capaz de tirar proveito dos vícios da sociedade italiana. Fez leis em seu próprio benefício, inclusive dando imunidade a primeiros-ministros.
O programa da centro-esquerda promete corrigir as distorções introduzidas na lei para beneficiar o primeiro-ministro conservador. Mas dificilmente Prodi terá fôlego para alterar a legislação trabalhista e fazer uma reforma do Estado, do serviço público e da Previdência Social que acabe com o déficit fiscal e permita atacar o problema da dívida pública
A expectativa na Itália é que a economia se arraste. Pelo menos até a próxima eleição, que pode ser antes dos cinco anos de mandato do novo parlamento. Desde 1945, Berlusconi foi o único primeiro-ministro a completar o mandato. Já está saindo.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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