O impacto do desenvolvimento industrial da China emperra as negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio, indicaram os participantes da mesa redonda A Rodada Doha depois de Hong Kong, realizada ontem no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.
Na negociação de produtos industriais, há o princípio de que não pode haver total reciprocidade nas concessões para que os países mais pobres possam se desenvolver antes de enfrentar a total competição dos mais ricos. Mas o maior complicador talvez seja o Efeito China, o impacto causado pela entrada na OMC do país que mais cresce no mundo.
A tarifa consolidada do Brasil, o teto da aplicação da tarifa resultante da Rodada Uruguai é de 31% na média, com 35% de máximo. Mas a tarifa real aplicada está bem abaixo disso, na media de 10,77% da tarifa externa comum do Mercosul.
Assim, como explicou a economista Sandra Rios, assessora da CNI, “o Brasil tem espaço para negociar uma redução de tarifas, entre a tarifa consolidada e a realmente aplicada, sem necessidade de maior abertura”. Mas “o fenômeno decisivo na OMC hoje é a China, hoje o maior problema para a indústria brasileira”.
Uma questão importante é o tratamento das tarifas não-consolidadas. “A Índia tem 30% das linhas tarifárias não-consolidadas”, nota Sandra. “Para ter o apoio da Índia, o Brasil aceitou isso”.
Há ainda a questão das flexibilidades, mecanismos de escape para acomodar produtos sensíveis de países em desenvolvimento.
Para o corte de tarifas, será adotada a chamada “fórmula suíça”, pela qual os paises em desenvolvimento precisam fazer menos concessões. “O Brasil pode retirar a fórmula ABI (Argentina, Brasil e Índia)”, pondera a assessora da CNI. “A fórmula suíça depende do coeficiente. O Brasil quer 30%; a Argentina quer mais. A tarifa máxima brasileira ficaria em 16,5% e a média em 14,68%.”
Meses trás, foi divulgada uma proposta de abertura comercial do Ministério da Fazenda, que estaria convencido da necessidade de submeter a indústria nacional a um grau maior de competição internacional. “Seria uma tentativa de aproveitar a negociação para ampliar a abertura comercial. Com a mudança de ministro, a proposta será esquecida”, prevê Sandra Rios.
Há outros problemas como compensar as ex-colônias com acesso privilegiado ao mercado europeu. O Brasil deve apresentar uma proposta de redução menor de tarifas.
Existe ainda a questão dos produtos sensíveis. Quase metade terá corte de tarifas pequenos, de dois pontos percentuais.
O Brasil é contra a negociação de acordos setoriais por entender que os setores de interesse dos paises em desenvolvimento ficariam sempre no fim da fila. Obteve apoio da Argentina e da Índia.
REGRAS E ANTIDUMPING
Na negociação sobre as regras do comércio internacional, a prioridade da indústria brasileira é o dumping (exportação de produto abaixo do custo de produção), declarou Leane Cornet Naidin, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É preciso discutir critérios, o conceito de indústria doméstica e como os produtos podem ser objeto de investigação.
A Declaração de Hong Kong fala em transparência, previsibilidade e clareza. Para Leone, os problemas centrais são se o Brasil é um ator relevante, quais são as questões fundamentais e quais as concessões necessárias para atingir os objetivos nacionais.
Quanto às medidas antidumping, há convergência sobre transparência e procedimentos mas divergências quanto à aplicação de regras específicas.
O Brasil não quer abrir mão dos créditos a exportação, “não quer perder o que ganhou” no contencioso com o Canadá sobre as fábricas de aviões Embraer e Bombardier. Também discute os critérios de classificação industrial e o cálculo do valor real dos subsídios.
A pesca não estava na Rodada Uruguai. Pela primeira vez será submetida às regras do sistema multilateral de comércio. Há uma discussão de regras especiais para pesca costeira e alto-mar
No momento, não há setores industriais brasileiros interessados em maior abertura comercial. Temem a China. Mas a proposta de queda de tarifas do Ministério da Fazenda indica uma intenção de aumentar a exposição da indústria à concorrência internacional. O vazamento da proposta teve o duplo objetivo de minar a abertura e atingir o então ministro Antonio Palocci. “Quebraram o sigilo da Fazenda”, ironizou Motta Veiga.
Ao tirar o ex-senador Robert Portman do cargo de representante comercial dos EUA, uma espécie de ministro do comércio exterior, levando-o para o escritório de orçamento da Casa Branca, o presidente Bush sinalizou que sua prioridade este ano é a eleição para renovar o Congresso em novembro, a agenda interna e não a negociação de acordos comerciais que fatalmente provocam desemprego em alguns setores. Portman tem muito trânsito no Congresso.
Com a guerra contra o terror, os EUA estão muito menos interessados hoje em multilateralismo e liberalização comercial. Não querem, por exemplo, abertura no comércio marítimo, que tem implicações estratégicas. Afinal, o nacionalismo econômico é uma arma de guerra importante.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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