O dólar ultrapassou hoje a marca de mil bolívares no mercado paralelo da Venezuela, quase 160 vezes acima da cotação oficial de 6,30 bolívares, informa o boletim de notícias Dolar Today.
Desde 2003, o regime chavista controla o câmbio. Assim, por incrível que pareça, o país com as maiores reservas mundiais de petróleo, que faturou mais de US$ 1 trilhão com o produto desde que Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, não tem dinheiro para pagar a importação de produtos básicos.
Com a queda nos preços internacionais, o barril de petróleo venezuelano vale hoje US$ 24,16. O dólar no mercado negro está em 1.003,23 bolívares. O euro vale 1.121,71 bolívares. As reservas do país em moedas fortes mal passam de US$ 15 bilhões.
Em artigo no jornal britânico Financial Times, o economista venezuelano Ricardo Hausmann, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), hoje diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, adverte que a Venezuela está à beira do abismo.
Hausman considera um calote inevitável e prevê uma crise como a da Argentina depois do fim da dolarização da era Menem: "A hipótese mais provável é de um colapso econômico iminente e uma crise humanitária. Internacionalmente, será o maior e mais confuso calote de dívida pública de mercados emergentes desde a crise argentina de 2001.
No artigo, o economista acusa o falecido caudilho Hugo Chávez de aumentar as despesas em vez de economizar quando a cotação do petróleo passava de US$ 100 por barril, quadruplicando a dívida externa, hoje em US$ 120 bilhões, enquanto destruía o setor privado da economia venezuelana com confiscos, desapropriações, controles de preços, do câmbio e das importações.
"O ano de 2015 foi um annus horribilis na Venezuela, com declínio de 10% no produto interno bruto, depois de uma queda de 4% em 2014. A inflação passou de 200%. O déficit público se inflou para 20% do PIB, financiado pela impressão" de dinheiro, analisou Hausmann. "No mercado livre, o bolívar perdeu 92% do valor em dois anos."
Nessas condições, apesar da propaganda oficial, do uso abusivo de dinheiro público, dos meios de comunicação e da máquina do Estado, a oposição venceu as eleições de 6 de dezembro de 2015 para a Assembleia Nacional. Com a ajuda de uma Justiça subserviente, o governo conseguiu impugnar os mandatos de alguns deputados para tirar a supermaioria de dois terços que daria à oposição o direito de reformar a Constituição.
"Por piores que sejam esses números, 2016 parece dramaticamente pior. As importações, que caíram 20% em 2015 para US$ 37 bilhões, teriam de cair mais 40%, mesmo se o país parar de pagar o serviço da dívida", adverte o ex-diretor do BID.
A inflação de fevereiro está em 11,5% e a acumulada no ano passa de 80%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que chegará a 720%.
Pelos cálculos de Hausmann, se os preços do petróleo se mantiverem nos níveis de janeiro, as exportações em 2016 ficarão abaixo de US$ 18 bilhões. Como os juros da dívida devem consumir US$ 10 bilhões, sobrariam US$ 8 bilhões para pagar pelas importações. Por causa das políticas do "socialismo do século 21", a Venezuela não consegue tomar empréstimos no mercado financeiro internacional.
Sem desmontar as políticas econômicas fracassadas da "revolução bolivarista" de Chávez, o governo denuncia uma "guerra econômica" movida pela burguesia nacional em aliança com o imperialismo dos Estados Unidos e da Europa. O ministro da Economia, o jovem sociólogo marxista radical Luis Salas, rejeita qualquer reforma para reintroduzir elementos de mercado.
O presidente Nicolás Maduro acenou com a possibilidade de aumentar o preço da gasolina mais barata do mundo. Com um dólar hoje, é possível comprar 10 mil litros de combustível na Venezuela.
Apesar da reiterada e renovada omissão dos países vizinhos, a começar pelo Brasil, sob o pretexto de não interferir nos assuntos internos de outro país, é a região que sofrerá o maior impacto de um colapso da que já foi a terceira maior economia da América do Sul, hoje ultrapassada pela Colômbia. As dívidas com empresas de países vizinhos somam bilhões de dólares.
A Colômbia já sofre com o fechamento parcial da fronteira ordenado por Maduro em setembro do ano passado para decretar estado de emergência durante a campanha eleitoral.
Em Caracas, sem condições de mudar por si só as desastrosas políticas econômicas do chavismo, a oposição se articula para tentar convocar um referendo para revogar o mandato de Maduro. Mas o regime, que se considera revolucionário, não vai ceder. A convulsão social é inevitável e o risco de uma guerra civil não pode ser afastado.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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