segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Egito reprime homenagens à revolução traída

Cinco anos atrás, em 25 de janeiro de 2011, uma multidão se concentrou na Praça da Libertação, no centro do Cairo, e só saiu de lá em 11 de fevereiro, quando o então ditador do Egito, Hosni Mubarak, renunciou depois de quase 30 anos no poder. 

Era o auge da chamada Primavera Árabe, que geraria o caos na Líbia e na Síria. Agora o governo surgido do golpe militar de 3 de julho de 2013 faz o possível para a data e as bandeiras de luta serem esquecidas.

Hoje o trânsito fluía sem problemas ao redor da praça onde o povo derrubou o regime que governava o Egito desde a Revolução dos Coronéis, que derrubou a monarquia 1952. Mais de 180 mil soldados e policiais foram mobilizados para que nada acontecesse.

A Irmandade Muçulmana, que liderou o breve governo democrático, governou autocraticamente, foi derrubada, declarada terrorista e proibida, convocou 35 marchas de protesto que na prática não aconteceram. Os liberais e esquerdistas que tomaram a praça e fizeram a Revolução de 25 de Janeiro em busca de democracia, liberdade e igualdade nem se mexeram. Foram os grandes derrotados.

Em 8 de janeiro, o Ministério da Religião incluiu no sermão oficial lido em todas as mesquitas um decreto religioso (fatwa) denunciando todos os que convocaram protestos de "implicar os egípcios em atos de violência e terrorismo em favor dos inimigos da pátria".

O sermão chamava a atenção para o caos nos países vizinhos "para que não se esqueçam as graças que os egípcios estão desfrutando no momento, inclusive segurança e estabilidade". Politiza as mesquitas, uma das acusações à Irmandade quando o grupo estava no poder.

Nas últimas semanas, a polícia deu buscas em 5 mil residências no Cairo para reprimir manifestações e revistou sistematicamente pessoas nos arredores da praça central da capital egípcia e seus cafés.

"Sempre há informantes nos cafés. Os pessoas sabem que estão sendo vigiadas e ouvidas", comentou o ativista Mohamed Abdel Rahman, condenado em 2014 por violar a lei que proíbe manifestações. "Agora, eles podem parar as pessoas nos cafés, no metrô, pedir identidade, o número do telefone e a senha no Facebook."

O serviço secreto também fez buscas e apreensões em centros culturais, considerados possíveis focos de dissenso. "Revistaram tudo: os computadores, as gavetas, tudo", contou Yasser Gerab, diretor da casa de exposições e espetáculos Townhouse, fechada desde 28 de fevereiro.

A advogada Yasmine Hossam al-Din está defendendo cerca de 800 pessoas acusadas genericamente: "A polícia abre um caso, dizendo que uma pessoas é acusada de terrorismo. Isso dá 10 a 15 anos de prisão. E não há como eu ou qualquer outro advogado provar o contrário porque os juízes são indicados politicamente - eles apoiam Sissi."

De uma cela na cadeia onde cumpre pena de cinco anos, o blogueiro Alaa Abdel Fattah resume a frustração dos revolucionários: "Tudo o que posso dizer é que perdi minhas palavras."

Ele reconhece agora que "o momento revolucionário era frágil e precário. No entanto, não posso me livrar desse sentimento puro de esperança, da impressão de que tudo é possível. Apesar das derrotas, nossos sonhos não param de crescer".

Na realidade, havia duas instituições organizadas no Egito em 2011: o regime das Forças Armadas, com suas amplas ramificações pela sociedade e a economia do país; e a Irmandade Muçulmana, o mais antigo grupo fundamentalista islâmico do mundo, fundado em 1928 por Hassan al-Bana para reislamizar os muçulmanos, que estariam corrompidos pelo secularismo e o colonialismo ocidental.

"Em 2013, começamos a perder a batalha em meio a uma polarização deletéria entre um Estado pseudo-laico furiosamente militarizado e uma forma de islamismo paranoica de um sectarismo brutal", analisa Alaa Abdel Fattah.

Na sua opinião, o massacre de pelo menos 630 pessoas fuziladas pela polícia de 14 a 16 de agosto de 2013 na Praça Rabia, depois do golpe de Al-Sissi, foi "o primeiro crime contra a humanidade da história da república".

Preso sem julgamento há dois anos e meio sob a alegação de usar violência contra a polícia na Praça Rabia em agosto de 2013, Dia Abdul Rahman, de 29 anos, sonha "em ir ao tribunal, mesmo que não tenhamos cometido nenhum crime, em vez de ficar jogado na cadeia sem processo. Não temos valor nenhum para as autoridades.

Três meses depois, o blogueiro estava de volta na prisão. Desde 2014, os revolucionários lançaram uma campanha de defesa dos direitos humanos, libertação de todos os presos políticos e revogação da lei antimanifestações. No fundo de sua cela, Fattah ainda acredita que "um outro mundo é possível".

De volta à ditadura militar, o Egito enfrenta uma inflação de 11% com desemprego de 35% entre os jovens. O custo da corrupção em 2015 foi estimado em US$ 77 bilhões. Mais de 1,1 mil greves paralisaram a produção em diversos setores no ano passado.

O Estado Islâmico do Iraque e do Levante representa uma nova ameaça terrorista na Península do Sinai, onde derrubou um avião de passageiros russo matando em 31 de outubro de 2015 as 224 pessoas a bordo, que voltavam do balneário de Charm al-Cheikh, no Mar Vermelho. Foi mais um duro golpe na indústria do turismo. As praias estão vazias.

Como o Egito é um líder do mundo árabe, o fracasso da chamada Primavera Árabe no país atrasa o processo de democratização do Oriente Médio. Pela primeira vez, o povo egípcio foi sujeito de sua própria história, mas o autoritarismo se impôs.

Desde sua eleição para a Presidência, em junho de 2014, com 96,4% dos votos, o marechal e líder golpista Abdel Fattah al-Sissi reprime toda forma de dissidência. No discurso oficial do governo, houve uma revolução em fevereiro de 2011 e outra em julho de 2013. Al-Sissi liderou o golpe chamado de segunda revolução.

A revolução é assim uma sombra sobre seu governo.

2 comentários:

Anônimo disse...

O Egito parece uma ilha no meio desse mar de radicalismo religioso.

Nelson Franco Jobim disse...

Desde o golpe do marechal Al-Sissi, em 2013, mais de mil militantes da Irmandade Muçulmana foram mortos e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante está presente na Península do Sinai. O Egito está longe de ser um oásis, simplesmente regrediu à ditadura, sem conseguir conter a insatisfação popular.