terça-feira, 6 de junho de 2006

Venezuela cria novos problemas para negociações internacionais do Mercosul

A adesão da Venezuela ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) cria novos problemas para as negociações internacionais do bloco: “O Mercosul tem uma política agressiva de abertura agrícola. A Venezuela tem uma agricultura frágil, que demanda proteção”, declarou a economista Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), ao participar do seminário América do Sul: entre a fragmentação e a integração, realizado em 2 de junho pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro. Embora a Venezuela só deva se tornar membro pleno em quatro anos, logo começará a participar das negociações externas.

Há sérios problemas no processo de integração. “A América Latina é importante para o Brasil mas os países estão fazendo fila para negociar com os EUA”, nota Ricardo Markwald, da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), manifestando certa indignação com o imobilismo brasileiro. “O Brasil avança na penetração nos mercados: tem um terço do mercado argentino e recuperou terreno no México. Um terço do saldo comercial é com a América Latina. Por que não há lobby para produtos industrializados?”, pergunta.

“O Brasil quer a aglutinação dos interesses dos outros em torno do seu projeto de política comercial”, analisa Sandra, ao falar sobre políticas comerciais e estratégicas de inserção internacional. Mas “a maioria dos países sul-americanos tem interesse em acordos bilaterais com os Estados Unidos, em constraste com os que vêem uma perda de soberania”, como Brasil e Argentina.

Sandra Rios vê “uma crise profunda no Mercosul e na Comunidade Andina. No Mercosul, há retrocessos evidentes, salvaguardas, bilateralismo e incapacidade institucional para resolver conflitos internos”. Ela entende que “seria melhor aproveitar o arcabouço para reformar a casa e criar uma zona de livre comércio da América do Sul. Se o Brasil, a Argentina e a Venezuela defenderem a união aduaneira, podem levar a uma desintegração maior.”

UNIÃO ADUANEIRA?
Uma união aduaneira é mais do que uma área de livre comercio. Os países adotam uma tarifa externa comum para importações de fora do bloco. “Até hoje ninguém passou da união aduaneira, só a União Européia”, observou o economista Pedro Motta Veiga, também do Cindes, co-autor do trabalho apresentado por Sandra Rios. “A única âncora para insistir na união aduaneira é política.”

Na opinião de Sandra, “independentemente das questões políticas, seria difícil acomodar a Venezuela na união aduaneira” do Mercosul, cheia de exceções que a tornam praticamente irrelevante, senão contraproducente.

A economista observou que “há convergências e divergências nas estratégias de inserção. Os países sempre seguiram estratégias nacionais. Nos anos 90, houve abertura comercial, negociações regionais e acordos bilaterais. Agora, esta convergência desapareceu. Vários países resistem a negociações comerciais para preservar espaço para políticas nacionais. Mesmo entre os mais protecionistas, há diferenças. A Argentina protege a produção de bens e proíbe exportações agrícolas. Na Bolívia, há uma revisão de regras e de investimentos, não maior protecionismo comercial.”

O resultado é uma “perda de credibilidade dos dois blocos, tanto nas negociações externas quando na atração de investimentos”, constata Sandra Rios . “O acordo Mercosul-CAN não aponta para a integração. O Brasil é visto como um país resistente à importação. Impõe uma série de barreiras não-tarifárias. É preciso eliminar o viés antiimportação da economia brasileira.”

IMPORTÂNCIA DA REGIÃO
A região é importante, observa Sandra: “Para 10 países, a América do Sul compra mais de 15% das exportações. As exceções são Chile e Venezuela. Um acordo com os EUA é importante para o Peru, o Equador e o Uruguai. A China é importante para o Chile, o Peru, o Brasil e a Argentina. O México é um destino relevante para o Brasil, a Argentina, o Chile e a Colômbia. A União Européia e o Japão perdem participação. O Brasil aumenta sua participação no mercado latino-americano mas as exportações crescem tanto que a participação relativa não aumentou”.

Outro problema é que “a pauta de exportações da América do Sul não muda. Há uma especialização em commodities. As pautas de exportação competem entre si. Não geram integração.”

Para o economista Ricardo Sennes, da empresa de consultoria Prospectiva, “a estratégia brasileira é uma integração rasa, com baixa institucionalidade. Dá mais importância à extensão do que ao aprofundamento. Tenta avançar sem resolver problemas elementares.”

Antes de chegar à tarifa zero para o comércio intrabloco, criando uma verdadeira zona de livre comércio, o Mercosul partiu para a união aduaneira. Sem resolver o problema interno do bloco, o governo Luiz Inácio Lula da Silva tentou fundir o Mercosul com a Comunidade Andina para criar a Comunidade Sul-Americana de Nações.

Neste processo, alienou a Argentina, onde o presidente Néstor Kirchner está mais interessado em crescimento econômico, em fazer o Mercosul funcionar para beneficiar a economia argentina, do que num projeto ambicioso de prazo mais longo.

“Há uma baixa convergência microeconômica e uma baixa convergência comercial e financeira”, pondera Sennes. “A integração da Aladi [Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração, criada em 1980 como sucessora da Associação Latino-Americana de Livre Comércio, a Alalc, de 1960] foi prejudicada pela seqüência de crises cambiais.”

Sennes vê três modelos de integração:
1. Europeu: houve uma opção estratégica das elites nacionais [interessadas em consolidar a paz no continente depois de duas guerras mundiais e criar um bloco econômico forte para se opor ao comunismo da Europa Oriental]. O Estado é o grande patrocinador dos investimentos. É Estadocêntrico em todos os sentidos.
2. Ad hoc ou pontual: baixa convergência e risco elevado.
3. Integração suave: é uma visão incremental que destrava os elementos centrais e elimina restrições legais.

Para o professor Alcides Vaz, da Universidade de Brasília, “a amplitude de interesses do Brasil não cabe dentro do Mercosul. Falta diálogo político. Há uma dificuldade de tratar das assimetrias quando não nos são favoráveis.”

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