O adversário do Brasil hoje na Copa é um dos países mais fascinantes do mundo. Reenasceu das cinzas radioativas da bomba atômica para se tornar a segunda maior economia do mundo. Nos anos 80, o SuperJapão era visto como uma superpotência econômica e industrial capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Era o país do futuro.
No momento, o Japão vive uma crise de identidade. A bolha especulativa da riqueza dos anos 80, quando os japoneses pagavam US$ 500 por uma xícara de café especial ou US$ 500 mil por um título de sócio de um clube de golfe, estourou em 1991.
O país passou por uma década de estagnação econômica e deflação da qual só agora começa a sair, enquanto a vizinha e inimiga histórica China iniciava um ciclo de crescimento sem precedentes na história econômica. Com uma das maiores expectativas de vida, sua população envelhece. Em breve, haverá dois trabalhadores por aposentado. A segurança na velhice é uma grande preocupação, o que faz dos japoneses grandes poupadores.
Foi uma estagnação em alto nível. Com US$ 5 trilhões de produto interno bruto e uma população de 130 milhões de habitantes, os japoneses têm um dos padrões de vida mais altos do mundo. É uma sociedade estável com os índices de criminalidade entre os mais baixos do mundo.
Apesar da crise, quem entrava numa loja de eletroeletrônicos japonesa tinha a impressão de entrar no futuro. A capacidade industrial e a qualidade dos produtos do Japão viraram símbolos de excelência.
O programa de qualidade total das empresas, elemento central do paradigma de negócios da empresa na era da globalização, é conhecido como toyotismo. É uma referência a métodos de produção adotados em 1948 pela fábrica de automóveis Toyota, que será a maior do mundo com a crise das americanas General Motors e Ford, símbolos da empresa verticalizada da era industrial que precedeu à sociedade da informação. Suas bases são a descentralização e a autonomia para tomar decisões no chão da fábrica, estimulando a participação dos trabalhadores no processo de produção.
Com a crise, o mercado imobiliário desabou, as empresas ficaram com excesso de capacidade e o sistema financeiro com dívidas incobráveis de US$ 1 trilhão.
Sem aumento da demanda privada, o conservador governo do Japão passou uma década tentando estimular a economia com obras públicas. Tentou a todo custo evitar uma quebradeira generalizada como aconteceria no capitalismo americano. Ficou à espera de um ciclo de expansão econômica para lidar com os problemas. Acumulou uma dívida pública de 140% do PIB, que não é um problema porque o país tem reservas cambiais de US$ 800 bilhões e uma poupança interna de trilhões. Isto atrasou a solução da crise mas evitou traumas, como gosta a conservadora sociedade japonesa.
É uma sociedade que opera por consenso. Fica difícil escolher quem vai quebrar.
Agora o Japão volta crescer 3,1% ao ano, surfando na onda do desenvolvimento asiático. A China tornou-se uma parceira econômica do porte dos EUA.
Os portugueses foram os primeiros ocidentais a chegar ao Japão, na era dos descobrimentos. Ingleses, franceses e holandeses também estiveram lá. Mas o Japão praticamente se fechou ao mundo exterior durante o período do xogunato, especialmente da última dinastia, do xogunato Tokugawa (1603-1868).
Quando o almirante americano Matthew Perry bombardeou o porto de Tóquio para abrir o Japão ao "livre comércio", em 1853, os japoneses entenderam que a única maneira de resistir à expansão imperialista do Ocidente era se modernizar, se industrializar, se ocidentalizar e competir de igual para igual. Caso contrário, o Japão seria colonizado.
A modernização do Japão foi um processo extraordinário. Em 1868, é restaurado o poder do imperador. Começa a Era Meiji com a adoção de métodos e padrões ocidentais, das roupas à administração.
Logo o Japão se tornou uma potência. Em 1894-95, derrotou a China na Guerra Sino-Japonesa, ocupando Taiwan, de onde só sairia em 1945.
No início do século 20, o Japão foi o primeiro país a derrotar um adversário branco e europeu desde que a expansão do Império Otomano foi barrada às portas de Viena em 14 de julho de 1683. Em 1904-05, o Japão derrotou a Rússia na Guerra do Pacífico.
Numa sociedade muito violenta politicamente, os comunistas foram dizimados no começo do século 20. Na década de 20, o regime político assume um caráter fascista que levaria o país a se aliar à Alemanha de Hitler e à Itália de Mussolini na Segunda Guerra Mundial.
O Japão invade a província chinesa da Mandchúria em 1931 e a China em 1937, dando início à Segunda Guerra Mundial na Ásia. No Massacre de Nanquim, uma antiga capital chinesa, os fascistas japoneses do Exército Imperial mataram 200 mil pessoas. Isto é até hoje motivo de discórdia entre os dois país porque, ao contrário da Alemanha, o Japão nunca pediu desculpas pelos seus crimes de guerra.
Toda vez que o primeiro-ministro japonês visita o santuário xintoísta de Yasukuni, onde estão enterrados criminosos de guerra, no centro de Tóquio, a China, a Coréia, a Indonésia e outros países da região protestam.
Nos livros de história japoneses, o Japão estava libertando os asiáticos do imperalismo ocidental. Mas eles não se sentiam sendo libertados, suas mulheres foram escravizadas sexualmente pelos soldados japoneses e todas estas feridas continuam abertas até hoje.
Depois de derrotar a China e a Rússia, o Japão atacou, na Segunda Guerra Mundial, os impérios britânico, francês e holandês na Ásia, assim como os EUA.
Sob pressão de um embargo econômico americano, o Japão atacou a frota dos EUA baseada em Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, atraindo os americanos para a guerra.
A guerra no Pacífico só terminou em 15 de agosto de 1945, três meses após a rendição alemã, depois que os EUA jogaram duas bombas atômicas, em Hiroxima, em 6 de agosto de 1945, e em Nagasaque, em 9 de agosto de 1945.
Ocupado pelos EUA, o Japão promoveu uma reforma agrária e aceitou uma Constituição que o proíbe de operar militarmente fora de seu território e de possuir armas atômicas. Mas todo o mundo acredita que o Japão tenha capacidade tecnológica para fazer a bomba quando quiser.
Sob o guarda-chuva nuclear dos EUA, tornou-se um aliado fundamental dos americanos na Guerra Fria, que na Ásia foi quente, especialmente a partir da Guerra da Coréia (1950-53).
Começou então o extraordinário crescimento que o elevou a segunda maior economia do mundo, símbolo de excelência e qualidade tecnológica, especialmente na indústria eletroeletrônica e automobilística, criando marcas universalmente prestigiadas como Sony, Panasonic, Toyota e Honda.
É um sucesso baseado numa grande poupança interna, que permitiu ao Banco do Japão oferecer crédito barato às empresas, disciplina, trabalho árduo e uma obsessão pela qualidade total. Mas no futebol, sou mais Brasil.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Assistí a uma comédia, meia-bomba hollywoodiana, sobre essa época do toyotismo. "Gung-ho",de Ron Howard, com o ator Michael Keaton. Engraçado ver o espanto americano da época...
Postar um comentário