quarta-feira, 21 de junho de 2006

Brasil deve ter capacidade nuclear, diz estrategista

O Brasil deve desenvolver a capacidade de produzir armas nucleares, afirmou hoje o historiador militar Martin van Creveld, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, e autor de livros importantes como Comando na Guerra e A Transformação da Guerra.

Na segunda de uma série de palestras na Escola de Guerra Naval, no Rio de Janeiro, Van Creveld declarou que as armas nucleares tornaram a guerra convencional obsoleta e tem sido um fator decisivo para a paz internacional: “Até 1945, as Forças Armadas cresciam e as guerras eram cada vez maiores. Desde então, estão diminuindo”.

Van Creveld sabe que “o Brasil assinou vários tratados renunciando a armas atômicas mas é uma tolice não ter pelo menos a capacidade nuclear caso um dia seja necessária”. E acrescentou mais tarde: “A questão básica sobre armas nucleares é não usá-las”. Servem para dissuadir qualquer inimigo.

Ao abordar a transformação da guerra e os temas para a próxima guerra, Van Creveld disse que ia falar de mísseis, tanques e facas: “Quando digo tanques, estou me referindo a tanques, canhões, blindados, grandes sistemas de armas, armas e guerras convencionais. Estão desaparecendo, perdendo importância, em Israel e no resto do mundo. As Marinhas de guerra estão diminuindo. Nos EUA, em 1944, havia 4 milhões de marinheiros; hoje, são 500 mil.”

Ele lembrou que “nenhum país travou mais guerras desde 1945 do que Israel. As Forças Armadas de Israel atingiram o pico entre 1982-85, durante a invasão ao Líbano. Desde 1945, nenhum Exército de segunda classe enfrentou outro de segunda classe. Ou não há inimigo ou o inimigo é muito fraco. Você pode vencer inimigos fracos como a Sérvia, que tem a 63º exército do mundo. Mas não há mais grandes gueerras entre países importantes”. Na era nuclear, uma guerra total é suicídio.

“Qualquer país que tenha uma infra-estrutura razoável será capaz de fabricar mísseis e colocar neles uma carga nuclear, até mesmo o Paquistão, com uma renda per capita de pouco mais de US$ 300, ou a Coréia do Norte, onde o povo está passando fome”, afirmou o professor israelense.

Na sua opinião, “a proliferação nuclear é boa, maravilhosa. Pós fim a guerras grandes e perigosas, primeiro entre as grandes potências, depois entre seus aliados”.

“O primeiro-ministro paquistanês dizia que não há dois países que se odeiem tanto quanto a Índia e o Paquistão”, prosseguiu o historiador militar. “Travaram três guerras desde que se tornaram independentes do Império Britânico, em 1947. Depois que desenvolveram bombas atômicas, nos anos 70, não entraram mais em guerra”.

Israel lutou em média uma guerra a cada cinco anos, acrescentou Van Creveld. “Desde que fez a bomba, está há 33 anos sem guerras, com exceção da invasão do Líbano. Mesmo Stalin e Mão, que disse que não se preocuparia se 300 milhões de pessoas morressem, entraram numa guerra nuclear”.

VITÓRIA IMPOSSÍVEL
A razão: as armas nucleares cortaram o vínculo entre vitória e sobrevivência. “Desde 1945, fala-se em defesa antimísseis”, observa o professor. “Até agora, ninguém conseguiu. Ou o sistema não é suficientemente preciso ou precisa provocar uma grande explosão. Se você precisar de 5 megatons para colocar um míssil fora de sua rota, vão provocar uma explosão dessas sobre Nova Iorque?”

Se a Coréia do Norte testar um míssil de longo alcance, os EUA tentarão derrubá-lo. “Se fracassarem, será pior ainda”.

Quando se refere a facas, Van Creveld quer falar de armas rudimentares usadas por grupos irregulares, guerrilheiros, terroristas e criminosos. “Começou em 1941, quando a Alemanha invadiu a Iugoslávia, depois um intenso bombardeio aéreo. Em duas semanas de guerra terrestre, só morreram 200 alemães. Mas era só o começo. A queda da Iugoslávia não era o fim do conflito. No Iraque, 94% dos soldados americanos morreram depois que o presidente George W. Bush anunciou o fim dos grandes combates”, em 1º de maio de 2003. “Os EUA gastam US$ 100 bilhões por ano no Iraque, sem derrotar a insurgência”.

Seu veredito é duro: “Os exércitos convencionais são quase inúteis. Israel tem milhares de tanques. Na Faixa de Gaza, o poder aéreo é irrelevantes. Em quatro anos, na Segunda Guerra Mundial, morreram 800 mil iugoslavos. Os franceses mataram entre 200 e 800 mil na Argélia, perdendo apenas 3 mil soldados. Os soviéticos mataram centenas de milhares no Afeganistão”.

Conclusão: “Vivemos num mundo onde a guerra convencional está desaparecendo por causa de mísseis e armas atômicas. Mas não é o fim da guerra. As facas estão ganhando”.

Outro exemplo: “Nos últimos 40 anos, os EUA têm capacidade de destruir qualquer país em 70 minutos. Por esta razão, os tanques são obsoletos. Os EUA tionham 6,3 milhões de soldados em 1969, 1,8 milhão no final da Guerra Fria e 1,3 milhão hoje. Toda a modernização foi incapaz de lidar com as facas no Vietnã, no Líbano, na Somália e agora no Iraque.”

O problema dos exércitos convencionais é que “foram criados e treinados para enfrentar outros exércitos. São obsoletos. Precisam enfrentar as facas. Cada vez mais o Exército de Israel age como polícia nos terroritórios palestinos. Quando disse isso, um oficial ficou furioso. Mas é o que ele vem fazendo há décadas.

Foi um ministro da Defesa da Índia que explicou ao professor Van Creveld qual foi “a lição da Guerra do Golfo de 1991 foi: se quiser enfrentar os EUA, primeiro tenha armas nucleares”.

Depois da invasão do Iraque, aparentemente é o que estão fazendo o Irã e a Coréia do Norte, os outros países que Bush colocou no “eixo do mal” num famoso discurso no início de 2002, começando a preparar a opinião pública americana para a invasão do Iraque.

GUERRA SUICIDA
Para Van Creveld, as armas atômicas tornaram superada a máxima do grande estrategista alemão Karl von Clausewitz segundo a qual “a guerra é a continuação da política por outros meios”: “O suicídio não pode ser a base de nenhuma política e guerra nuclear é suicídio. As armas nucleares são uma espada de Dâmocles pairando sobre nossas cabeças e não há como aboli-las. Ninguém pode prever o resultado de uma guerra nuclear. O perigo de uma escalada força os países a se comportarem, uma garantia de que os tanques continuarão em declínio”.

Até hoje, só a África do Sul abriu mão de seus armas atômicas. O professor Van Creveld perguntou ao então presidente sul-africano, Frederick de Klerk, onde ele tinha colocado as peças. A resposta foi uma gargalhada. A capacidade nuclear não foi eliminada.

Quanto à crise gerada pelo programa nuclear do Irã, o professor israelense falou que “Bush é um homem muito perigoso. Se eu estivesse em Teerã, faria tudo para construir armas atômicas. Um Irã nuclearizado não será mais perigoso do que a índia, o Paquistão ou Israel. Os países nucleares são menos perigosos porque não têm medo de serem destruídos.”

Sobre o risco para Israel, observou que “o Irã é um país distante e temos capacidade de lançar um segundo ataque. Mas não temos condições de fazer o que fizemos no Iraque [onde Israel destruiu o reator de Osirak em 1981, destruindo o programa nuclear de Saddam Hussein]. É um país muito maior, com forças mais poderosas e as instalações nucleares estão dispersas e camufladas”.

De qualquer maneira, o ex-primeiro-ministro Shimon Peres mandou um recado ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad: “O Irã também pode ser destruído”.

“Durante 300 anos, as guerras foram travadas entre países”, notou o professor. “Os mísseis tornaram impossível a guerra entre países poderosos. Hoje temos guerras de agentes não-governamentais. Eles não pode ser aniquilados por bombas porque não têm territórios nem fronteiras. São inimigos que vivem na mesma cidade, no mesmo bairro. Não se pode bombardeá-los. Mas eles podem atacar até mesmo com uma faca de cozinha.”

4 comentários:

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