O governo pró-russo da Chechênia anunciou hoje a morte do líder da luta pela independência desta república rebelde, Abdul Saidulaiev. "O líder terrorista foi eliminado hoje na cidade de Argun durante uma operação especial", declarou o primeiro-ministro e homem-forte da Chechênia, Ramzan Kadirov. "Acabamos de forma decisiva com o terrorismo no Norte do Cáucaso".
Saidulaiev sucedeu ao ex-presidente Aslan Maskhadov, um coronel do Exército Vermelho que governou o país de janeiro de 1997 até outubro de 1999, quando a Rússia lançou uma segunda guerra contra a independência da Chechênia, e viveu na clandestinidade até sua morte em 8 de março de 2005.
Pouco conhecido fora dos círculos militantes, foi juiz do Comitê da Charia (direito islâmico). A Rádio Ecco, de Moscou, atribuiu ao líder morto hoje o seqüestro do nova-iorquino Kenneth Gluck, da organização não-governamental Médicos sem Fronteiras. Disse ainda que Maskhadov ordenou a Sadulaiev que realizasse um ataque a instalações polciais na vizinha república da Inguchétia.
A Chechênia não era uma república soviética. Era uma república da Federação Russa. Mas quando as repúblicas soviéticas começaram a proclamar sua independência, depois do fracassado golpe contra o presidente Mikhail Gorbachev em agosto de 1991, no mês seguinte o presidente da então república autônoma da Checheno-Inguchétia, Djokhar Dudaiev, declarou sua independência.
Durante três anos, o governo russo tolerou o movimento pela independência da república rica em petróleo, sempre acusada em Moscou de ser um centro de atividades mafiosas. Neste período, 300 mil pessoas fugiram da Chechênia.
Em dezembro de 1994, o então presidente russo Boris Yeltsin iniciou a primeira guerra da Chechênia. Mas o Exército da Rússia, herdeiro do Exército Vermelho soviético que fora o principal resonsável pela derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, perdeu a guerra.
Depois de um cessar-fogo em 1996, Maskhadov foi eleito presidente no início do ano seguinte. Mais uma vez, a Rússia tolerou a independência da república rebelde.
Em agusto de 1999, guerrilheiros chechenos liderados por Shamil Basaiev invadiram a vizinha república do Daguestão, declarando-a parte de um Estado islâmico que incluiria também a Chechênia. Desta vez, o então primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, reagiu energicamente, dominando a insurreição em semanas.
Uma onda de atentados terroristas em Moscou com 300 mortes atribuídas aos chechenos, em setembro do mesmo ano, levou Putin, na época escolhido por Yeltsin como seu sucessor, a ordenar o bombardeio da Chechênia, dando início à segunda guerra, ainda mais brutal do que a primeira.
Cercada por 100 mil soldados em novembro de 1999, depois de intenso bombardeio, a capital, Grózni, foi arrasada. Virou uma cidade-fantasma. No auge da guerra, 25 soldados russos morriam por dia em média na Batalha de Grózni.
Embora a maioria dos combates tenha acontecido até 2002, até hoje a república rebelde não está pacificada. Os chechenos, inferiorizados diante do poder da Rússia, usam métodos de guerrilha, inclusive terrorismo.
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA passaram a tolerar métodos violentos de combate ao terrorismo, parando de criticar a Rússia por violar os direitos humanos dos chechenos. O Kremlin, por sua vez, passou a apresentar a rebelião chechena como apenas mais uma ação do "terrorismo internacional" dos fundamentalistas muçulmanos, os jihadistas.
Mesmo que vários deles tenham passado por centros de treinamento no Afeganistão, a questão chechena é um clássico movimento de libertação nacional que, diante de um adversário muito mais poderoso, recorre a todos os tipos de violência e procura apoio internacional onde for possível.
Em maio de 2000, Putin acabou com a autonomia concedida no acordo de cessar-fogo de 1996 e impôs a administração direta do Kremin sobre a Chechênia, nomeando Akhmad Kadirov como chefe de governo. Ele seria eleito presidente em 5 de outubro de 2003 e assassinado em 2004.
Seu sucessor foi mais uma vez o candidato indicado pelo Kremlin, Alu Alkhanov, em eleições denunciadas internacionalmente como fraudulentas, a exemplo das anteriores.
Desde dezembro de 2005, o primeiro-ministro Ramzan Kadirov, filho do presidente assassinado em 2004, é o homem-forte de Moscou na Chechênia. Em busca de legitimidade, está promovendo uma islamização da república. Mas seu poder deriva mesmo das Forças Armadas da Rússia e da decisão do presidente Putin de subjugar o movimento separatista a qualquer preço.
Dois episódios particularmente brutais marcaram esta guerra entre terroristas muçulmanos e um Estado que não hesita em usar a força.
Em 23 de outubro de 2003, cerca de 40 terroristas ocuparam um teatro em Moscou e tomaram 700 reféns. Três dias depois, as tropas russas assaltaram o prédio matando mais de 100 reféns com um gás paralisante.
Pior ainda foi a tomada de uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte. Em 1º de setembro de 2004, ocuparam uma escola fazendo mais de mil reféns, na sua maioria crianças. Depois de dois dias de tensão, comandos russos atacaram a escola, provocando uma tragédia: 331 reféns, 31 terroristas e 11 comandos morreram.
Em 26 de junho do ano passado, o vice-primeiro-ministro checheno Dukvakha Abdurakhmanov disse que o total de mortos nas guerras desde 1994 é de 300 mil pessoas; outras 200 mil estariam desaparecidas.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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