Uma piada maldosa circulava nas ruas de Lima nas últimas semanas: em 4 de junho, os peruanos teriam de escolher entre o câncer e a aids. Era uma referência às opções que o eleitorado tinha para o segundo turno da eleição presidencial no Peru: o ex-presidente Alan García (câncer), que fez um governo desastroso de 1985 a 1990, e o ex-oficial golpista Ollanta Humala (aids), que ameaçava estatizar os recursos naturais do país e convocar uma Assembléia Constituinte para “refundar a república peruana”.
“É triste mas o que podemos fazer?”, lamentou o engenheiro elétrico Víctor Rondoy logo após votar. “Pelo menos García será mais democrático”.
Com 92,49% dos 16 milhões de votos apurados, García tinha na segunda-feira 53,2% contra 46,79% de Humala, que reconhecera a derrota ainda na noite de domingo.
No seu discurso da vitória, o ex-presidente afirmou que “aqui não há derrotados”. O único perdedor seria o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que apoiou Humala abertamente e discutiu publicamente com García e com o atual presidente do Peru, Alejando Toledo durante a campanha, acusando-os de serem “lacaios de Bush”.
Alan García, de 57 anos, do Partido Aprista Peruano (de APRA, Aliança Popular Revolucionária Americana, o grande partido populista do Peru), prometeu não repetir os erros de seu primeiro governo, que acumulou uma inflação de 2.000.000%, decretou a moratória da dívida externa e deixou o país mergulhado numa guerra civil com o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso que provocou 75 mil mortes.
Durante o governo Alberto Fujimori (1990-2000), denunciado por corrupção, García viveu nove anos no exílio na Colômbia e na França. Voltou e começou sua reabilitação disputando o segundo turno da eleição presidencial de 2001 com Toledo, quando conquistou 47.3% dos votos válidos.
Sem triunfalismo, prometeu agora um “governo austero e popular”. Suas palavras mais duras foram dirigidas a Chávez: “O Peru foi contundente ao rechaçar a tentativa de penetração e dominação. Rejeitou este modelo militarista e retrógrado que se pretende implantar na América do Sul”.
García acusou o presidente venezuelano de querer intervir no Peru com “a força de seu dinheiro negro”, de “querer estender sua dominação e ditadura trazendo de volta a nosso país e a outros o militarismo repulsivo do passado. Aqui está a democracia dos peruanos, que disse não”.
Ollanta Humala, de 43 anos, da União pelo Peru, venceu o primeiro turno, realizado em 9 de abril, com 30,6% dos votos. García chegou ao segundo turno com 24,3%, depois de uma disputa apertadíssima com a candidata direitista, Lourdes Flores, líder nas pesquisas até poucos meses atrás, por uma vantagem inferior a 27 mil votos.
A vitória de García contém a expansão do chavismo na região andina. Está sendo festejada discretamente pelo Brasil, o Chile e os EUA. Uma vitória de Humala poderia influenciar a eleição presidencial de outubro no Equador, favorecendo o candidato Rafael Correa, apoiado pelo presidente da Venezuela.
Com Humala, o eixo Havana-Caracas-La Paz chegaria até Lima, ameaçando engolfar o Equador e isolar a Colômbia, maior aliada dos EUA na América do Sul. O neopopulismo nacionalista e radical foi contido por enquanto, mas tornou-se uma das principais forças políticas do Peru.
Se as elites peruanas não chegarem a um acordo para distribuir melhor os frutos do desenvolvimento, podem ser vítimas daqui a cinco anos do que candidato que desta vez chamavam de aids.
Leia a íntegra na minha coluna em www.baguete.com.br.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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