Jobim - E aquela performance dos bailarinos, o pessoal nu. O nu ainda é transgressor?
Tunga - Não, de jeito nenhum. O nu nunca foi transgressor. Eu acho que essa nudez aí é apenas um signo de uma postura talvez limpa, ideal com outro corpo. Essa obra fala do corpo e a presença dessa nudez denota um tipo de corpo, um tipo de atitude, a ser assumida pelo olhar da obra, pela presença da obra.
Eu acho que, a rigor, todos nós ficamos nus frente a alguma coisa que nos deixa perplexos. É dessa nudez que se estava sendo explícita ali e talvez também desse contato com o corpo mais direto, essa experiência tátil que o corpo nu imprime à diferença de um corpo vestido.
Mas, curiosamente, trata-se exatamente num dos temas presentes, dessa mudança de pele, essa reencarnação, essa superfície a que se pode atribuir uma transformação do sujeito, a superfície da pele que pode ser uma roupa, que pode ser a pele, que pode ser a própria pele fantasmática aqui presente como essas peles de rãs aumentadas. Rãs gigantes.
Quer dizer, eu acho que essa pele dessa nudez falou diretamente a quem a viu, de um modo diferente da nudez habitual nos outdoors da vida, nas playboys da vida, né? Eu acho que é outro tipo de nudez. Não é uma nudez cujo erotismo seja codificado. Não é uma nudez casta tampouco. Enfim, é uma nudez bastante peculiar, particular e que se constrói, se constitui junto com a obra.
Quer dizer, você observando a presença desses bailarinos nessa primeira sala, o corpo deles, cada um deles era como se fosse uma das partes de cada um desses elementos que constituem uma das peças. Então, eles ali estavam se integrando a essas peças, o corpo dele se integrava nas peças para formar um terceiro corpo, que era o corpo constituído do corpo deles, desse corpo aí presente, e o terceiro era essa mistura dessas coisas. Era um metamorfose nova, um novo sujeito,um novo, nova espécie ali colocada.
J - Agora você tinha as moscas, os girinos, as rãs. Tem essa idéia da cadeia alimentar. Até alguém falou que iria fazer um jantar de rãs depois. Para os homens comerem as rãs e fecharem o ciclo.
T – (Riso) Espero que o tempero não seja mosca...
Há uma intenção no uso dessas duas espécies, pelo fato de ter uma cadeia alimentar, de ter uma pulsão, um impulso animal de um em direção ao outro. Já a fase de metamorfose realizada nos dois, quer dizer, a rigor a rã não comia a mosca, sequer, ela comia a larva da mosca. Quer dizer, existia a larva e o girino, a mosca e a rã. Mas enfim, o negócio da fantasia infantil e no conhecimento geral parece que o antagonista da mosca é a rã.
Então acho que é essa coisa polar, essa estrutura espectral que está aqui presente, mais patológica na medida em que um dos lados que se expele é complementar ao outro, diz mais alguma coisa dessa estrutura. O fato de haver uma simetria, haver uma dupla simetria, e nessa simetria um dos lados não-simétrico é complementar ao outro, acho que diz respeito a gente, diz respeito a essa obra.
N - Por que aqui no Jardim Botânico? Tem a ver com a natureza? Ou é um espaço alternativo?
T - Para a natureza é melhor a gente ler Virgílio, antes de qualquer coisa. A minha noção de natureza não é tão simplória de achar que a natureza no Jardim Botânico é tudo menos natureza. Quer dizer, há de ser uma natureza mas quando você olhar há uma árvore, uma planta, um inseto. Mas evidentemente é uma construção um jardim botânico, uma coisa cultural, uma construção marcada com todos os signos de uma cultura, de uma sociedade. E é lógico que essa inscrição leva em conta isso.
Assim como o museu tem todo um conjunto de signos da sociedade, o Jardim Botânico também os tem acho que são várias...
Essa atitude, essa escolha, essa opção, carrega vários sentidos, várias significações.
Por um lado há – óbvio – um desconforto em relação ao campo das instituições culturais voltadas àquilo que tradicionalmente a gente chama cultura em artes plásticas. Estão os museus em geral.
Eu acho que há uma certa... um certo desejo de mostrar a coisa de um jeito diferente, mostrar essa obra de um jeito diferente. É evidente que eu não acredito que uma inscrição seja uma crítica negativa.
Acho que era necessário agregar a esse desejo de não estar presente no museu aqui no Brasil a uma outra postura positiva que era a de aproximar essa obra a essa situação que é a de um jardim botânico, que é um lugar de cultura, que é uma construção cultural mas que leva para um lado diverso e que, pelo que eu sei, me parece uma instituição exemplar aqui no Rio de Janeiro. Se não é exemplar, se eu estiver equivocado por desinformação, pelo menos no meu imaginário e na minha trajetória, na minha existência, tem sido um lugar de grande importância. O Jardim Botânico... Então eu acho que tem um lado até afetivo se você quiser considerar .
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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