Depois de quatro meses de combates que deixaram 400 mortos e 2 mil feridos, milícias islâmicas suspeitas de ligações com a rede terrorista Al Caeda anunciaram ontem ter tomado o controle de Mogadíscio.
Ainda existe alguma resistência na capital da Somália. Mas o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, já manifesta preocupação de que o pais, que vive num estado de anarquia desde a queda do ditador Mohamed Siad Barre, em 1991, se torne num refúgio e centro de treinamento de terroristas.
“Estamos acompanhando atentamente”, disse Bush. “Assim que eu voltar a Washington vamos estabelecer uma estratégia para lidar com os últimos incidentes lá na Somália.”
Com a rendição de Mussa Sudi Yalahow e Bachir Raghe, da aliança de senhores da guerra apoiada pelos EUA, a União dos Tribunais Islâmicos, descrita pelo jornal francês Le Monde como “uma coalizão de oportunistas de todas as espécies e de fundamentalistas”, assumiu o controle da capital somaliana.
Na véspera, as mílicias islamitas haviam derrotado Mohammed Kanyare Afrah, um dos pilares da Aliança pela Restauração da Paz e Contra o Terrorismo (ARPCT), criada em fevereiro. Ele se refugiou em Johwar, 100 quilômetros ao norte da capital.
Apesar dos milhões de dólares dados pelos serviços secretos americanos, a aliança apoiada por Washington perdeu a batalha de Mogadíscio. A estratégia para “resgatar a capital somaliana dos islamitas por alguns milhões de dólares”, fracassou, analisa um observador da região do Chifre da África. “Jamais um grupo da aliança interviu para defender outro”.
As milícias muçulmanas receberam dinheiro e armas de empresários somalianos e dos países árabes. Aproveitaram-se da experiência de jihadistas estrangeiros e de antigos oficiais do Exército de Barre. Cresceram de um contingente inicial de 3 mil homens para mais de 11 mil hoje, segundo estimativa das Nações Unidas.
Embora alguns militantes tenham passado pelo Afeganistão e pelo Iraque, os centros de treinamento dos mais radicais ficariam no Oeste e no Sul da Somália. Perto da fronteira com o Quênia, fica a base do comandante Hassan al-Turki.
As ambições da União dos Tribunais Islâmicos vão muito além de Mogadíscio: “A Somália é apenas uma etapa. Os que tomaram o poder em Mogadíscio têm um projeto muito maior. A próxima etapa, daqui a um ano ou dois, é o Iêmen; depois, a Arábia Saudita”.
De imediato, o avanço dos fundamentalistas ameaça o precário governo provisório criado em 2004 depois de dois anos de negociações de paz em Nairóbi, no Quênia. Parte de seus membros refugiou-se em Baidoa, a 250 quilômetros da capital, enquanto ainda não está claro se os islamitas continuarão sua ofensiva rumo a Johwar, último reduto da aliança, cujo chefe, Mohammed Dheere, fugiu para a Etiópia, onde espera receber apoio financeiro e armas.
A crise somaliana se insere no contexto regional. Etiópia e Eritréia, que travaram uma guerra sangrenta em 2000 e se enfrentam desde então numa guerra fria, apóiam lados diferentes. Enquanto a Etiópia está do lado da aliança financiada pelos EUA, a Eritréia está com os islamitas.
Analistas internacionais criticaram mais uma vez a política americana para a Somália. Em vez de apoiar o governo provisório e a unidade nacional, o governo George Bush optou por aliar-se a uma facção.
Em 1992, no final do governo de George Bush, pai, os EUA interviram na Somália para garantir a distribuição de alimentos para populações que estavam morrendo de fome. Depois o governo Bill Clinton decidiu entrar na guerra contra o senhor da guerra Mohamed Farah Aidid. Sem o equipamento necessário, as tropas americanas foram emboscadas em Mogadíscio, em 1993, e 18 soldados americanos morreram no episódio que gerou o filme Falcão Negro em Perigo.
Mais tarde, falou-se que já naquela época Ossama ben Laden estaria por trás do ataque aos americanos. Os EUA foram humilhados. Não só se retiraram vergonhosamente da Somália como vetaram qualquer ação das Nações Unidas para impedir o genocídio em Ruanda, em 1994, quando cerca de um milhão de pessoas foram mortas.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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