O Exército do Zimbábue, no Sul da África, ocupou hoje a televisão estatal e mantém o ditador Robert Mugabe, de 93 anos, que estava no poder desde 1980, sob prisão domiciliar, informou o jornal britânico The Guardian. Na semana passada, Mugabe destituiu o vice-presidente Emmerson Mnangagwa, abrindo caminho para ser substituído por sua mulher, Grace Mugabe, 41 anos mais jovem do que ele.
Em pronunciamento na TV, os militares afirmaram que não se trata de um golpe de Estado. Eles estariam apenas afastando "criminosos" que cercam o presidente e seriam responsáveis pela manobra. Grace Mugabe teria fugido do país. A primeira-dama, conhecida como Gucci Grace por seu consumo de marcas de luxo, estaria na Namíbia.
Pelo telefone, o ditador falou com o presidente da África do Sul, Jacob Zuma. Mugabe disse que está bem, mas não pode sair de casa.
Herói da independência, conquistada em 1980, com o fim do governo supremacista branco da antiga Rodésia do Sul, Mugabe derrotou os outros líderes da independência para se tornar chefe supremo de um país que chegou a ser conhecido como o "celeiro da África".
A oposição só teve força para desafiar o governo nas urnas no fim do século passado. Mugabe acusou os Estados Unidos e o Reino Unido, a antiga potência colonial, e lançou um movimento para tomar as terras dos brancos, causando uma profunda crise econômica, com queda de um terço no produto interno bruto, o que levou o Zimbábue à hiperinflação de 500 bilhões por cento ao ano.
Sob pressão das potências ocidentais, Mugabe recorreu à China, que vem fortalecendo seus laços com a África para garantir o suprimento de matérias-primas. O golpe veio depois de uma visita do comandante das Forças Armadas, general Constantino Chiwenga, a Beijim na semana passada.
Chiwenga foi para a China em 5 de novembro. Seu alerta era que um dos expurgo nas Forças Armadas liderado pela facção G40 da União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Popular (ZANU-PF), liderada por Grace Mugabe, prejudicaria os interesses chineses no país. O presidente acusou o vice de acirrar a divisão do partido do governo e Grace Mugage o chamou de "golpista" e "covarde".
Mugabe aproveitou a ocasião a viagem do general à China para derrubar Mnangagwa por carta, em 6 de novembro. O ministro da Informação, Simon Khaya Moyo, acusou o vice-presidente de "deslealdade, desrespeito e inconfiabilidade".
Em 7 de novembro, Mugabe demitiu três aliados do vice-presidente afastado: os ministros da Segurança Cibernética, Patrick Chinamasa; do Meio Ambiente, Oppah Muchinguri; e o chefe da Casa Civil, Chris Mushohwe. Com a ajuda do filho, Mnangagwa cruzou a fronteira com Moçambique e de lá foi para a África do Sul.
Do exterior, em 8 de novembro, o ex-vice-presidente fez pesadas críticas a Mugabe e seu grupo, acusando-o pela crise econômica e de tratar o partido e o país como propriedades de sua família.
O aeroporto internacional de Harare foi rebatizado como Aeroporto Robert Mugabe em 9 de novembro. Vai passar por obras de ampliação e modernização no valor de US$ 153 milhões financiados pelo Banco de Exportações e Importações da China. No mesmo dia, o ministro das Finanças, Ignatius Chombo, estimou o déficit orçamentário para este ano em US$ 1,82 bilhão, 11,2% do produto interno bruto.
O general Chiwenga voltou no domingo, dia 12, da China via África do Sul, outro aliado importante a ser avisado da conspiração golpista. Quando soube que o chefe de polícia, Augustine Chinuri, tinha ordens para prendê-lo, preparou uma recepção com muitos soldados e resistiu às pressões de Mugabe para deixar o comando das Forças Armadas.
Em 13 de novembro, o general convocou uma entrevista coletiva em que responsabilizou o faccionalismo dentro do partido nos últimos cinco anos pela crise econômica. Chiwenga atribuiu os problemas do Zimbábue a "elementos que não participaram como nós da guerra da libertação", referindo-se ao grupo de Grace Mugabe, e pediu o fim do expurgo dos "veteranos de guerra".
A declaração de Chiwenga foi divulgada na versão digital do jornal The Herald, mas logo a notícia foi retirada e não saiu na edição impressa no dia 14.
O presidente do setor jovem do ZANU-PF, Kudzanai Chipanga, entrou em cena no dia 14 denunciando os militares pelos "15 bilhões desaparecidos", a renda do comércio de diamantes. Chipanga prometeu defender a revolução. Seu discurso foi transmitido pela mídia oficial.
Enquanto o ministro da Informação declarava que "o governo quer reafirmar a primazia da política sobre as armas", os militares se mobilizavam sob a chefia de Chiwenga para tomar o poder. No telejornal das oito da noite, a televisão estatal Zimbabwe Broadcasting Corporation (ZBC) não divulgou a mensagem do comandante das Forças Armadas. Os militares ocuparam a emissora. O noticiário das 23h não foi ao ar.
Às duas da madrugada de 15 de novembro, houve tiros e explosões em Harare, confundidos com os trovões de uma forte tempestade tropical. Os militares cercavam o palácio presidencial. Às quatro da madrugada, o general Sibusiso Moyo leu uma declaração na TV dizendo que o ditador e a família estavam em segurança.
"Estamos alvejando apenas os criminosos ao redor dele que estão cometendo crimes e causando sofrimento econômico e social ao país", disse a nota do comando das Forças Armadas. "Pedimos a vocês que permaneçam em calma e evitem movimentações desncessárias."
Os militares prometeram proteger os funcionários públicos de expurgos que o governo estaria planejando e insistiu que não estavam dando um golpe. Isso obrigaria a União Africana a adotar sanções contra o Zimbábue.
"O que as Forças Armadas estão fazendo a pacificar uma situação econômica, política e social degenerada em nosso país que, se não resolvida, pode resultar num conflito violento", acrescentou o pronunciamento, advertindo "as outras forças de segurança" a aderir ao golpe.
ÀS 5h30 (1h30 em Brasília), tanques e soldados em uniforme de combate bloqueavam os acessos ao centro financeiro de Harare. A chuva parou. Uma forte neblina caiu sobre a cidade. As entradas e saídas, o aeroporto da capital, o jornal The Herald e a TV ZBC estavam sob controle militar.
Durante toda a manhã, a ZBC repetiu as declarações do comandante das Forças Armadas e o pronunciamento do porta-voz do golpe, entremeados por clipes de músicas da luta pela libertação.
Na prática, o golpe desnuda a luta pela poder dentro do partido do governo (ZANU-PF), na sucessão do envelhecido, corrupto e decadente pai da pátria. A oposição, liderada pelo Movimento pela Mudança Democrática (MDC), exige o "retorno à democracia".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Golpe militar derruba ditador do Zimbábue
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