A Arábia Saudita declarou guerra ao Líbano, detém o primeiro-ministro Saad Hariri e está pressionando Israel a atacar a milícia extremista muçulmana xiita Hesbolá (Partido de Deus), acusou hoje o líder do grupo, xeique Hassan Nasrallah.
Em pronunciamento na televisão al-Manar, do Hesbolá, o xeique considerou o que chamou de prisão de Hariri um insulto ao povo libanês. Hariri anunciou sua demissão em discurso na TV durante visita à Arábia Saudita no sábado e acusou o Irã e o Hesbolá de tentar assassiná-lo. Ainda não voltou ao Líbano.
Ontem, a Arábia Saudita pediu a seus súditos que deixem o Líbano. O Bahrein, os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait fizeram o mesmo.
Hoje, o presidente da França, Emmanuel Macron, fez uma visita de surpresa à Arábia Saudita, onde se reuniu com o príncipe herdeiro, Mohamed ben Salman ou MbS, o novo homem-forte do país. A crise do Líbano é vista como mais uma manobra do príncipe numa guerra indireta contra o Irã, patrocinador do Hesbolá.
"Vamos falar as coisas como são: o homem está detido na Arábia Saudita e proibido até o momento de voltar ao Líbano", protestou o xeque Nasrallah, denunciando uma "intervenção saudita sem precedentes" no Líbano. "Está claro que a Arábia Saudita declarou guerra ao Hesbolá e ao Líbano."
Na sua opinião, o governo Hariri ainda é legítimo porque a renúncia "forçada" foi obtida "sob coação". Nasrallah desafiou os rivais: "Os sauditas devem fracassar no Líbano como têm fracassado em todas as frentes." Ele não acredita que Israel aproveite a oportunidade para atacar o Hesbolá.
Israel teme que o Hesbolá tenha se tornado uma força mais temível depois de ser a principal força terrestre ao lado da ditadura de Bachar Assad na guerra civil da Síria. Desde o início deste conflito, bombardeou várias vezes em território sírio comboios e depósitos de armas que supostamente iriam para o Hesbolá.
Mohamed ben Salman passou de segundo para primeiro príncipe herdeiro em junho do ano passado num golpe palaciano dentro do regime saudita. Como ministro da Defesa, é o principal responsável pela intervenção militar na guerra civil do Iêmen, uma tragédia humanitária.
O bloqueio saudita a regiões sob o controle dos rebeldes hutis, xiitas zaiditas apoiados pelo Irã, está provocando fome em massa. Seis dias atrás, a defesa antiaérea da Arábia Saudita interceptou um míssil que ia rumo à capital saudita, Riade, e o país acusou o Irã, que forneceu o míssil aos hutis, de um "ato de guerra".
Com o apoio do presidente Donald Trump, MbS impôs um boicote ao Catar por causa das boas relações deste emirado com o Irã, dividindo o Conselho de Cooperação do Golfo, até agora sem qualquer resultado positivo.
A demissão de Hariri no Líbano é mais um lance muito criticado do príncipe herdeiro, que promete modernizar a Arábia Saudita até 2030 para preparar o país para a era pós-petróleo, depois da intervenção no Iêmen e da tentativa de isolar o Catar. A modernização conservadora quer recriar o país à imagem dos Emirados Árabes Unidos.
Na semana passada, o governo saudita prendeu mais de 500 pessoas, inclusive 11 príncipes e quatro ministros, numa campanha anticorrupção suspeita de ser uma jogada para consolidar o poder do novo homem-forte do país.
O conflito entre a monarquia da Arábia Saudita, sunita, e a República Islâmica do Irã, xiita, se manifesta no Bahrein, no Iraque, no Líbano e na Síria. O Irã domina o governo iraquiano de maioria xiita, apoia a ditadura de Bachar Assad na Síria e controla o Hesbolá, que faz parte do governo de união nacional do Líbano e é a maior força armada do país, mais poderoso que o próprio Exército.
Por causa do avanço do Irã, que é persa, sobre o mundo árabe nos últimos anos, o jovem príncipe quer dar o troco. Afoito e apressado no xadrez da política internacional, MbS ataca em várias frentes. Pode ficar vulnerável.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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