Em um livro de memórias explosivo, a ex-presidente da comissão executiva nacional do Partido Democrata, Donna Brazile, contou ter pensado seriamente em substituir a candidata Hillary Clinton pelo então vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, depois que a ex-secretária de Estado desmaiou em 11 de setembro, e também porque sua campanha era "anêmica" e tinha o "cheiro do fracasso".
Profundamente dividido desde a derrota inesperada para o presidente Donald Trump um ano atrás, o Partido Democrata se degladia entre quem apoiou Hillary e a ala mais à esquerda ligada à candidatura do senador Bernie Sanders.
Entre outras revelações, Donna Brazile acusou a cúpula do partido de prejudicar Bernie nas eleições primárias depois de um acordo no mínimo antiético com os Clinton para melhorar a situação financeira da organização.
Esse acordo, fechado em agosto de 2015, antes do início das eleições primárias, deu à campanha de Hillary o controle das finanças, da estratégia e das decisões sobre pessoal do Partido Democrata. "Não era um crime, mas... comprometia a integridade do Partido", criticou a dirigente.
Brazile substituiu a deputada Debbie Wasserman Schultz na presidência do partido em 28 de julho de 2016, depois que mensagens de correio eletrônico pirateadas pela Rússia e divulgadas pelo WikiLeaks revelaram o favorecimento a Clinton em detrimento da candidatura Sanders. Donna tornou-se a primeira mulher negra a presidir o Partido Democrata.
Antes de assumir o cargo, ela prometera a Sanders investigar o possível favorecimento da cúpula democrata a Hillary. Numa noite, falou com Bernie ao telefone: "Descobri o tumor, mas não vou matar o paciente". Acusar Hillary entregaria a vitória a Trump.
Quando Hillary Clinton desmaiou em Nova York, Donna iniciou articulações secretas para substituir Hillary e o candidato a vice-presidente, o senador Tim Kaine. Biden seria o cabeça da chapa e o senador Cory Booker seu vice.
Ao reavaliar a questão, Donna Brazile pensou em Hillary como a primeira mulher a chegar à Presidência dos EUA e "em todas as mulheres do país que estavam tão orgulhosas e entusiasmadas com ela. Eu não poderia fazer isso com elas."
Num balanço da campanha, a ex-presidente do partido descreve Clinton como uma candidata histórica e bem-intencionada com uma campanha mal gerenciada que tomou como certos os votos das minorias e cometeu erros com mensagens "frias" e "estúpidas".
Faltaram paixão e emoção. Brazile compara o quartel-general da campanha de Hillary em Nova York a "um hospital, calmo e antisséptico. Tinha aquele silêncio tecnológico como se alguém tivesse morrido. Eu me sentia como se devesse sussurrar. Todo o mundo tinha os dedos nos teclados e ninguém olhava para mais nada. Você como que esperava que passasse alguém vestido com um jaleco branco."
Durante uma visita, ela lembrou de uma pergunta que o ex-deputado federal Tony Coelho costumava perguntar sobre o ambiente de campanhas eleitorais: "A garotada está fazendo sexo? Está se divertindo? Se não está, teremos de criar algo para tocar em frente ou não vamos ganhar."
"Não senti muita alegria nem sexo no Brooklyn", dispara a autora.
Donna Brazile acusa a direção da campanha democrata de desrespeitar a direção do partido, mantendo-o numa "dieta de fome" que prejudicou as campanhas de mobilização do eleitor num país onde o voto não é obrigatório.
O gerente da campanha de Hillary, Robby Mook, estava tão obcecado por dados que perdeu o "panorama geral": "Eles sabiam avaliar os eleitores não falando com eles para descobrir com o que se preocupam, o que move seus corações e motiva suas almas, mas pela análise de seus hábitos."
"Você pode convencer meia dúzia de leitores de revista que tomam gin tônica a mudar seus votos para Hillary, mas isso não os torna suficientemente entusiasmados para se levantar do sofá e ir às urnas", observa.
Apesar do feminismo explícito da campanha de Hillary, Mook liderava um patriarcado: "Eram todos homens no seu círculo íntimo. Ele tinha o hábito de sacudir a cabeça como quem concorda quando você falava, deixando a impressão de estar ouvindo, mas nunca seguia aquilo que você acreditava que havia sido acertado."
Também descreve a inquietação com as descobertas de pirataria cibernética da Rússia para influenciar a eleição americana, que ela compara à presença de ratos no porão de casa: "Você toma medidas para se livrar deles, mas, sabendo que eles estão ou estiveram lá, nunca se sente verdadeiramente em paz."
Todas as tentativas de discutir a interferência russa com o Partido Republicano foram frustradas. Ela falou com Sean Spicer, então principal estrategista da campanha de Trump: "Pude ver no seu olhar fugidio que era a última coisa que ele queria falar comigo."
Comentarista política, Donna trabalhava para a CNN. Afastada para presidir o partido, rompeu o contrato em outubro de 2016, quando e-mails pirateados pelos russos revelaram que ela passara à campanha de Hillary as perguntas que a televisão faria aos candidatos em eventos da campanha.
O livro Hacks: a história interna das invasões e colapsos que puseram Donald Trump na Casa Branca será lançado na terça-feira. O jornal The Washington Post obteve uma cópia.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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