quarta-feira, 2 de março de 2016

O Terrorismo e os Desafios da Globalização*

Boa noite a todos! É um prazer e uma honra estar aqui para dar esta aula inaugural. Agradeço aos professores desta faculdade, especialmente ao professor Regis Burmeister, meu amigo pessoal, a quem devo esta honra, e a vocês todos pela presença.

Fui convidado porque este é um curso eminentemente técnico e científico, e os professores querem dar a vocês uma visão generalista. Nada mais generalista do que um jornalista de noticiário internacional, que num dia fala da fome da Etiópia e no outro dia tenta explicar a estagnação da economia japonesa.

Meu primeiro recado é: viajem, conheçam o mundo. Na Inglaterra, onde fiz minha pós-graduação tardia, aos 40 anos, a maioria dos estudantes tranca a matrícula, geralmente no início da faculdade, e tira um ano sabático. Sai pelo mundo explorando o antigo Império Britânico e países aliados. Vai pra Argentina, Austrália, Nova Zelândia, Índia, África…

São experiências de vida que enriquecem, seja qual for a profissão. Pensem desde logo onde vão fazer pós-graduação.

Então vamos ao tema desta aula, o terrorismo e os desafios da globalização.Quando a gente vê na televisão aquelas atrocidades horríveis, degolas, execuções em massa, o piloto jordaniano queimado vivo numa jaula, parece algo distante, mas neste ano teremos a Olimpíada do Rio e, embora o Brasil não seja alvo, as delegações estrangeiras podem ser.

GLOBALIZAÇÃO
Vou começar pela globalização, o fenômeno maior que rege nossas vidas. A globalização é o resultado do desenvolvimento das tecnologias de comunicações e de transportes – e neste sentido é irreversível, a não ser que haja uma guerra nuclear e o mundo regrida à Idade da Pedra.

Sempre ensinei que a globalização econômica começa com a Revolução Comercial, que vai de 1400 a 1700 e marca o início do capitalismo. Mas alguns autores, como Parag Khanna, alegam que começou com o Caminho da Seda, a rota de comércio inaugurada no ano 130 depois de Cristo que levou o italiano Marco Polo à China no século 13. Além da seda, ele trouxe a massa da China. Há uma série no Netflix sobre sua história.

De certa forma, é um argumento para incluir a China e a China hoje pretende reconstruir o Caminho da Seda com estradas modernas para acelerar seu comércio.

Com a queda de Constantinopla para os turcos e o fim do Império Bizantino, o Império Romano do Oriente, em 29 de maio de 1453, o marco do fim da Idade Média, o Império Otomano bloqueou o Caminho da Seda.

A expansão colonial marítima europeia em busca de especiarias e metais preciosos marca a primeira onda de globalização da economia no sentido de explorar todos os continentes. Isso significa que o Brasil já nasceu globalizado, uma economia colonial, periférica e dependente do sistema global dominado pelas potências europeias.

O açúcar era vendido a 8,3 gramas de ouro por arroba de 15 quilos na Europa em 1430. Quando Portugal passou a cultivar cana nas ilhas dos Açores e da Madeira, multiplicou a produção mundial.

Com o Brasil, o açúcar foi a mercadoria dominante no comércio internacional, o que provocou as invasões holandesas ao Nordeste no século 17. Em 1654, quando a Insurreição Pernambucana expulsou os holandeses, os judeus que fugiram do Recife foram para Nova York. Na época, o Recife era mais rico do que Nova York.

A segunda onda de globalização começa com a Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século 18 na Inglaterra com a invenção da máquina a vapor. No século 19, a indústria chega ao resto da Europa e aos Estados Unidos, aumentando a competição por matérias-primas e colônias.

Em 1884 e 1885 houve a chamada Partilha da África, no que o historiador britânico Eric Hobsbawm chamou de Era dos Impérios. O choque desses impérios levou à Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, e depois à Segunda Guerra Mundial com o revanchismo alemão, de 1939 a 1945, na grande guerra civil europeia.

Depois de 500 anos em que a Europa foi o centro do mundo, os donos do mundo cometeram suicídio coletivo ou homicídio coletivo e perderam sua preeminência. Começava a Guerra Fria.

Durante a Guerra Fria, começa a terceira onda de globalização. Em 1947, o comércio internacional era de apenas US$ 57 bilhões. Em 2014, chegou a US$ 23,874 trilhões.

A partir de 1945, as empresas transnacionais dos países centrais do sistema passaram a produzir em filiais no Terceiro Mundo, beneficiando-se de energia, recursos naturais e mão de obra baratas. Começava a desterritorialização, outro desafio da globalização, que tirou os empregos de trabalhadores não qualificados nos países ricos. As empresas montam suas fábricas fora dos países de origem.

Com a queda do Muro de Berlim e o fim dos regimes comunistas, o capitalismo cumpriu a profecia de Karl Marx e chegou a todos os cantos da Terra, completando o processo de globalização.

Então temos a globalização da economia a partir do Caminho da Seda – existe até um livro Da Seda ao Silício – ou da expansão colonial marítima europeia, a globalização da guerra a partir da Primeira Guerra Mundial e a globalização do terrorismo a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e no Pentágono.

TERRORISMO
O terrorismo como tática de guerra talvez seja tão antigo quanto o homem. É o ataque indiscriminado contra civis inocentes escolhidos ao acaso para aterrorizar e quebrar a fibra moral do inimigo. A questão do alvo é importante. O que é um alvo legítimo numa guerra?

Os métodos mais comuns são bombas, assassinatos seletivos ou em massa, sequestros e sequestros aéreos, mas podem incluir o envenenamento da água ou da comida.

Ivã, o Terrível, da Rússia, era um terrorista, um dos pioneiros da polícia política no país. Gêngis Khan teria mandado arrasar a cidade de Herat, hoje no Afeganistão, onde um afilhado favorito e possível sucessor foi morto. De 160 mil habitantes, sobraram 40 sobreviventes.

A guerra era considerada algo inseparável da espécie humana e o terror era uma das táticas favoritas dos poderosos. Os mongóis construíram em 25 anos um império maior do que os romanos em 400 anos.

O terrorismo como arma política, o chamado banho de sangue purificador, surge na segunda fase da Revolução Francesa, o período da Convenção (1792-94), quando o Comitê de Salvação Nacional manda milhares de pessoas para a guilhotina, inclusive o rei Luís XVI, a rainha Maria Antonieta, e os líderes revolucionários Georges-Jacques Danton e Maximiliano Robespierre.

O terrorismo político começa então como terrorismo de Estado, e os grandes Estados terroristas foram a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin, sem esquecer da China de Mao e dos crimes do imperialismo e do capitalismo.

Nos anos 1960s e 1970s, vários movimentos de libertação nacional usaram táticas terroristas, como os palestinos ou os republicanos na Irlanda do Norte. Era uma tática de guerra para lutas nacionalistas. No Oriente Médio, tornou-se endemic. Todos os grupos e governos podem ser acusados de terrorismo.

Em 11 de setembro de 2001, ao atacar o coração do Império, os terroristas da rede Al Caeda levaram as guerras do Oriente Médio para os Estados Unidos matando quase 3 mil pessoas.

Foi o maior ataque a território norte-americano desde o bombardeio japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, que levou os Estados Unidos à Segunda Guerra Mundial. No território continental dos EUA, foi o maior ataque desde a Batalha de El Álamo, em 1836.

Foi também a globalização do terrorismo, uma organização terrorista com um programa de ação global. Apesar da guerra dos Estados Unidos e aliados contra o terrorismo dos jihadistas, o número de vítimas do terrorismo só aumentou.

Em 2014, o último ano sobre o qual vi estatísticas consolidadas, foram mais de 32 mil mortes em mais de 13 mil ataques em 93 países. O total de mortos aumentou nove vezes desde o ano 2000.

O autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante e a milícia nigeriana Boko Haram, que agora se apresenta como a província do Estado Islâmico na África Ocidental, lideram a matança.

ESTADO ISLÂMICO
O Estado Islâmico é hoje o inimigo público número um, embora o maior terrorista na guerra civil da Síria, o pior conflito hoje no mundo, seja o ditador Bachar Assad, que bombardeia seu próprio povo há cinco anos, sendo o maior responsável pelas mais de 260 mil mortes na Síria.

O Estado Islâmico é a antiga Al Caeda no Iraque, que se transformou em Estado Islâmico do Iraque.

Al Caeda foi criada por Ossama ben Laden em 1988. É um detrito que ficou da Guerra Fria, quando os Estados Unidos, a Arábia Saudita, a China e o Paquistão se aliaram aos extremistas muçulmanos para derrotar a invasão soviética no Afeganistão.

Depois de derrotar a União Soviética, Ben Laden decidiu enfrentar os Estados Unidos, especialmente depois que tropas norte-americanas foram enviadas à Arábia Saudita para proteger o reino do ditador iraquiano Saddam Hussein. Saddam ocupara o Kuwait, em agosto de 1990.

As duas cidades mais sagradas do Islã, Meca e Medina, ficam na Arábia Saudita, berço também do wahabismo e do salafismo, as correntes ultraconservadoras e puritanas da religião que querem recriar a Arábia do século 7, no tempo do profeta Maomé.

A rede terrorista atacou o World Trade Center em 1993 e as embaixadas dos Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia, em 1998, quando o presidente Bill Clinton mandou bombardear as bases d’al Caeda no Afeganistão sem concluir a tarefa, o que levou aos atentados de 2001.

Um mês depois, os Estados Unidos e aliados invadiram o Afeganistão e estão lá até hoje. É a mais longa guerra da história dos Estados Unidos.

INVASÃO DO IRAQUE
Quando Ben Laden escapou na Batalha de Tora Bora, em dezembro de 2001, as atenções do governo George W. Bush se voltaram para o Iraque. Praticamente não havia movimentos jihadistas quando os Estados Unidos derrubaram a ditadura secularista de Saddam Hussein.

É verdade que Saddam usou a religião com motivos politicos a partir da derrota de 1991 na Primeira Guerra do Golfo, mas combateu ferozmente o jihadismo.

Quando Saddam caiu, logo Al Caeda se infiltrou no Iraque para combater a invasão norte-americana. Um grupo antecessor do Estado Islâmico atacou a sede da ONU em Bagdá e matou o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, em agosto de 2003.

Os Estados Unidos cometeram o erro crucial de dissolver as forças de segurança de Saddam Hussein, deixando sem emprego milhares de homens com formação militar. Eles formam hoje as tropas mais eficientes do Estado Islâmico.

Ao dar o poder à maioria xiita, os Estados Unidos marginalizaram a minoria sunita, uns 20% da população que mandavam no país há mais de 300 anos, desde que o Império Otomano superou o Império Persa, em 1638.

A revolta sunita fomentada pela Caeda esteve no centro da luta contra a invasão norte-americana.

O Estado Islâmico do Iraque, sucessor d’al Caeda no Iraque, criado em 2006, foi derrotado pelo reforço de tropas ordenado por Bush a partir de 2007. Renasceu com a guerra civil na Síria.

Durante toda a ocupação norte-americana, a Síria deu ajuda, armas e livre passagem a grupos extremistas interessados em atacar as forças dos Estados Unidos.

GUERRA CIVIL NA SÍRIA
Em 2011, depois da queda dos ditadores da Tunísia em 14 de janeiro e do Egito em 11 de fevereiro, a chamada Primavera Árabe chegou em 15 de marco à Síria, onde os protestos populares foram violentamente reprimidos pelo governo, deflagrando a guerra civil.

Assad anistiou então todos os jihadistas presos na Síria para justificar sua alegação de estar combatendo terroristas. Além de 260 mil mortes – e há estimativas de 470 mil mortes –, 5 milhões de pessoas fugiram da Síria e há milhões de desalojados que saíram de casa mas não do país.

O Estado Islâmico do Iraque ajudou a criar a Frente al-Nusra, braço armado da rede terrorista Al Caeda na guerra civil síria. Em 2013, passou a se chamar Estado Islâmico do Iraque e do Levante.

Em fevereiro de 2014, rompeu com Al Caeda por querer unificar as operações no Iraque e na Síria, ignorando as fronteiras nacionais traçadas pelo imperialismo franco-britânico no fim da Primeira Guerra Mundial.

É hoje uma organização terrorista com um proto-Estado do tamanho do Reino Unido onde vivem 8 milhões de pessoas, com rendas do petróleo e gás das regiões que domina, suborno, chantagem, cobrança de impostos e venda de tesouros históricos.
No mundo globalizado, imaginar que tamanho banho de sangue como a guerra civil na Síria não vá respingar no resto do mundo é uma ilusão.

ESTADOS COLAPSADOS
Um dos maiores desafios do mundo globalizado está nos países onde o Estado entrou em colapso, como é o caso do Líbano e do Afeganistão desde os anos 1970s, a Somália desde 1991, o Iraque desde 2003 e a Síria desde 2011.

Nessas terras sem lei, prolifera o terrorismo. A anarquia é pior do que a ditadura. Onde a anarquia é generalizada e impera a lei da selva, qualquer grupo que imponha a ordem acaba sendo aceito por bem ou por mal.

A Europa enfrenta uma crise de refugiados como não via desde a Segunda Guerra Mundial e recebeu mais ou menos o mesmo número de refugiados que o pequeno Líbano. Na Turquia, são mais de 2,5 milhões.

Se a crise dos refugiados é mais um fator a colocar em cheque a União Europeia, os atentados da sexta-feira, 13 de novembro, que deixaram 130 mortos em Paris, chocaram o mundo.

Atacar um estádio de futebol, um concerto de rock e bares e restaurantes numa sexta-feira à noite em Paris é uma covardia e uma afronta à liberdade e à civilização ocidental.

Não tem outra utilidade além de fazer propaganda para tentar atrair mais recrutas e voluntários para o martírio – e colocar a França na guerra contra o terrorismo.

Na realidade, diante dos bombardeios da coalizão aérea liderada pelos Estados Unidos e da Rússia, o Estado Islâmico está na defensiva. Está perdendo territórios no Oriente Médio. Tenta se instalar na Líbia, para onde parte da liderança teria fugido.

Primeiro, é preciso retomar o território que dá ao Estado Islâmico a pretensão de se apresentar como um Estado Nacional. Quando isto acontecer, o grupo deixará de ser um Exército para ser um grupo guerrilheiro. O recurso ao terrorismo, no caso, é a arma dos fracos.

Assim, o Estado Islâmico está perdendo a guerra e espaço no Oriente Médio, e suas bases econômicas estão sob o ataque. Isso não o torna menos perigoso. Pelo contrário. Seu prestígio pode depender da realização de atentados espetaculares nas cidades mais cosmopolitas do planeta.

OLIMPÍADA
Por isso, é impossível descartar a possibilidade de um ataque à Olimpíada do Rio de Janeiro. É da natureza do terrorismo atacar os alvos mais fracos e desprotegidos, dar golpes abaixo da linha da cintura, como se diz no boxe, o chamado golpe baixo.

Em 1972, durante a Olimpíada de Munique, na Alemanha Ocidental, o grupo palestino Setembro Negro sequestrou e matou 11 atletas da delegação de Israel, no momento mais triste da história dos Jogos Olímpicos.

Não estou dizendo que vai haver um atentado, mas que pode haver. É da natureza do jihadismo não avisar para causar o maior número de mortes. No terrorismo globalizado, na “guerra santa” contra os infiéis, o agressor não se sente parte da comunidade atacada.

Sob pressão dos Estados Unidos e de outras potências mundiais que vêm aos Jogos, o Brasil acaba de aprovar uma lei antiterrorismo criticada pela própria ONU por ser muito vaga e genérica, deixando ampla margem ao Judiciário para interpretar a lei e enquadrar manifestações de protesto como terrorismo.

LUTA IDEOLÓGICA
Um dos maiores desafios da luta contra o terrorismo é a batalha por corações e mentes. O primeiro passo é negar território ao Estado Islâmico ao mesmo tempo em que se atacam as finanças do grupo. Se os voluntários do martírio saírem aí pelo mundo cometendo atentados, não basta

A maior luta é a guerra ideológica contra o jihadismo. O fundamentalismo religioso é uma releitura dos livros sagrados. No caso do islamismo, foi uma tentativa de reislamizar o mundo islâmico depois do choque do imperialismo europeu.

Sua manifestação violenta, o jihadismo, é uma guerra civil dentro do Islã sobre qual a verdadeira interpretação do Corão. É um populismo político e uma resposta violenta aos desafios da globalização e da modernidade em sociedades sem liberdade política.

Essa luta ideológica só pode ser vencida pelos próprios muçulmanos. São eles que precisam impor a interpretação do Islã como uma religião de paz isolando e negando espaço aos extremistas.

Isso nos remete à Arábia Saudita, aquele imenso buraco negro nadando em 268 bilhões de barris petróleo, que desde a crise de 1973 usa a riqueza dos petrodólares para difundir sua versão radical do islamismo, o wahabismo, que não está muito distante do salafismo do Estado Islâmico.

Essa identidade comum faz com que muitos príncipes e magnatas sauditas e de outras monarquias petroleiras do Golfo Pérsico financiem grupos extremistas muçulmanos.

A Arábia Saudita é um país-chave, uma monarquia medieval sem Constituição, centro do conservadorismo no mundo árabe. É difícil imaginar qualquer mudança profunda, e o Ocidente não vai pressioná-la. O temor é que uma mudança possa levar a um governo extremista no maior produtor mundial de petróleo.

Como não há expectativa de uma solução em breve para os problemas do Oriente Médio, ao contrário, há um conflito crescente entre sunitas e xiitas, será preciso conviver com o jihadismo por pelo menos mais uma década, talvez mais.

DESEMPREGO
A estimativa é que faltam cem milhões de empregos no mundo árabe. Com as guerras, a situação econômica não vai melhorar.

O desemprego é um dos grandes desafios da globalização. O Oriente Médio tem dinheiro de sobra, mas grande parte está no exterior para escapar da instabilidade política da região.

Diante da crise permanente e dos desafios da modernidade, uma parte da classe média urbana olha para o Ocidente, o pessoal que fez a revolução no Egito, mas, sobretudo nos países do Golfo, parte de juventude procura soluções num suposto purismo perdido do Islã. E os moradores do interior apoiam o islamismo politico.

MOTIVAÇÃO
O que motiva os jovens a aderir a uma ideologia assassina? No Oriente Médio, o desejo de ser alguém na vida ou na morte. Para um jovem desempregado e ignorante, sem qualificação profissional nem futuro, sem dinheiro para casar e ter uma família, o Estado Islâmico oferece um salário de US$ 400 por mês, armas, mulheres e poder.

Mas o que motiva 30 mil jovens do resto do mundo a aderir ao Estado Islâmico?

Primeiro, o aventureirismo próprio dos jovens. Em segundo lugar, há o sonho de um paraíso ideológico onde o “verdadeiro Islã” seria praticado com rigor 24 horas por dia, uma sociedade modelar. Quem esteve lá, especialmente as mulheres, sofreu na carne a violência terrorista do Estado Islâmico.

Há um ensaio acadêmico feito por dois psicólogos do FBI publicado na revista Violence and Gender (Violência e Gênero) sobre os traumas de mulheres submetidas à escravidão sexual pelo Estado Islâmico, estupradas regularmente e vendidas por um cacho de bananas.

A revista Dabiq, a publicação em inglês do Estado Islâmico, justificou a escravidão sexual alegando que há um hádice (leis, ditos e histórias da vida de Maomé reunidas na Suna) que diz que “a redenção virá quando um herói nascer do ventre de uma escrava”. Assim, sem escravas sexuais, não haverá redentor.

Por fim, o terceiro motiva que leva os jovens a aderir ao terrorismo é o desejo de matar, o mais primitivo dos instintos animais.

O Estado Islâmico é uma seita milenarista que sonha com uma batalha épica contra os cruzados na cidade de Dabiq, no Norte da Síria. Por isso, tenta atrair o Ocidente para sua guerra. Os diferentes interesses dos países vizinhos que alimentam o conflito na Síria não permitem uma união para derrotar os jihadistas.

CRISE DO PETRÓLEO
Nossa primeira sensação, aqui à distância, é imaginar que não passa de um bando de fanáticos matando uns aos outros. Mas a história econômica do Brasil nos lembra que foi uma guerra no Oriente Médio, a Guerra do Yom Kippur, que levou ao boicote árabe à venda de petróleo ao Ocidente, em 1973, que causou a primeira crise do petróleo.

O barril custava 2, 3 dólares. Eu botava cinco cruzeiros num fusquinha com os amigos e rodava a noite inteira. O barril logo subiu para US$ 12 e o modelo econômico da ditadura militar, baseado em energia e mão de obra baratas, afundou.

A taxa de crescimento tinha chegado a 14% ao ano “milagre econômica” da ditadura militar. Com a alta no petróleo, o Brasil enfrentou inflação e crise na balança de pagamentos que se acumularam até a crise da dívida em 1982. Caiu a ditadura em 1985, Sarney decretou a moratória em 1987 e a inflação só caiu com o Plano Real, a partir de 1994. Mas o Brasil nunca mais retomou a média do crescimento histórico do pós-guerra, de 7% a 8% ao ano.

Cada guerra no Oriente Médio pesava no bolso na hora de encher o tanque. Hoje o petróleo está em queda livre. É um sinal de fraqueza da economia mundial. Há um excesso de oferta, com graves prejuízos aos países dependentes das exportações.

OPORTUNIDADES
Voltando à globalização, os países que mais crescem e se desenvolvem no mundo são aqueles que aproveitam as oportunidades oferecidas pela economia internacional: Japão, Coreia do Sul, China, Cingapura.

O capitalismo venceu a Guerra Fria e a questão é se queremos ou não capital estrangeiro. A experiência desses países mostra que o capital estrangeiro é útil na estrada para o desenvolvimento.

A globalização cria tremendas oportunidades, mas ao mesmo tempo traz riscos para setores obsoletos e para os empregos, ameaçados pela corrida tecnológica e pela desterritorialização. Nos EUA, robôs e computadores vão acabar com 47% dos empregos existentes hoje. Para ser competitivo, é preciso usar a última tecnologia, o que significa substituir homens por máquinas.

A globalização nos deu Elvis Presley, os Beatles e os Rolling Sones, mas traz a crise financeira internacional, a zika e a ameaça do Estado Islâmico.

SUBCLASSE
O maior problema da globalização e o maior risco para a segurança hoje é o surgimento de uma subclasse social de excluídos, de pessoas inempregáveis por falta de educação e qualificação. É dessa massa de deserdados que se aproveitam as organizações criminosas para recrutar soldados do tráfico e o Estado Islâmico para recrutar voluntários para o martírio. É essa turma que assalta e mata.

O grande centro de radicalização de muçulmanos na França hoje não é mais a mesquita. É a prisão.

A inclusão social de culturas estrangeiras é outro desafio do mundo globalizado. Para terminar com uma nota otimista, neste sentido, o Brasil sempre recebeu estrangeiros e deu oportunidades, com muita luta.

Muitos de vocês provavelmente tem sobrenomes italianos, alemães, poloneses, espanhóis, portugueses, podem ter origem africana ou asiática... mas somos todos brasileiros e se houver estrangeiros, vocês são brasileiros honorários enquanto morarem aqui. Vocês venceram. Bem-vindos à universidade.

* (Aula inaugural proferida em 2 de março de 2016 na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

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