O regime comunista da China prendeu mais de dez pessoas suspeitas de participar da redação e circulação de uma carta anônima exigindo a renúncia do supremo líder Xi Jinping. O documento divulgado via Internet no início do mês convoca "membros leais do Partido Comunista" a se insurgir contra Xi, acusado de "concentrar todo o poder".
Ao contrário dos manifestos dos dissidentes, a carta não pede reformas democráticas, mais liberdades públicas e o fim da censura. Usa o jargão do partido, acusando o secretário-geral do PC e presidente do país por "problemas e crises sem precedentes em todas as esferas políticas, econômicas, ideológicas e culturais". E ameaça o líder diretamente ao falar em "consideração à sua segurança pessoal e de sua família".
Há três anos no poder, Xi fez vários inimigos. Sua ascensão foi marcada pelo expurgo e condenação de Bo Xilai, representante do neomaoísmo. Ao assumir a liderança do partido e do governo, o ditador lançou uma campanha anticorrupção vista principalmente como uma manobra para afastar e punir adversários políticos.
A elite do PC o acusa de acabar com o "centralismo democrático". O conceito foi introduzido por Lenin depois da Revolução Russa para permitir um debate interno, mas, uma vez tomada uma decisão pela cúpula, todo o resto do partido é obrigado a segui-la com disciplina rígida.
No regime comunista chinês, o centralismo democrático foi usado por Deng Xiaoping depois da Grande Revolução Cultural Proletária (1966-76) para criar uma liderança coletiva, evitando o monopólio de poder de Mao Tsé-tung.
Com as novas regras de Deng, o regime passou a buscar um consenso dentro do Politburo, a separar o governo e o partido, a combater o culto da personalidade e a adotar uma política externa moderada para não criar inimizades enquanto o país crescia.
Xi rompeu com o modelo de Deng. A mídia estatal vive exaltando o primeiro casal, Xi Jinping e Mama Peng, uma cantora popular de sucesso. Há uma música chamada Se você quiser casar, case com alguém como Tio Xi.
No início do mês, delegados do Tibete que participavam da sessão anual do Congresso Nacional do Povo, o parlamento chinês, estampavam na lapela crachás com a foto de Xi, o que não acontecia desde os anos 1960s, naquela época com foto de Mao.
Em política externa, o nacionalismo fomentado pelo sonho chinês de Xi se manifesta numa crescente agressividade à medida que o desenvolvimento econômico torna a China mais poderosa e mais armada.
Com maior controle do centro e a campanha anticorrupção, o medo paralisa a máquina pública. Xi concentra poderes com a desculpa de que precisa disso para promover as reformas necessárias para reorientar a segunda maior economia do mundo do investimento e da exportação para o consumo, os serviços e o mercado interno.
Se o extraordinário crescimento econômico das últimas décadas permitiu superar o trauma causado pelo massacre movimento pela democracia na Praça da Paz Celestial em 4 de junho de 1989, agora a liderança de Xi é contestada num momento de desaceleração econômica capaz de perturbar a paz social e ameaçar o controle total do PC sobre a sociedade chinesa.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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