Depois de mais de 50 anos de afastamento por causa da Guerra Fria, o presidente Barack Obama recebeu ontem uma recepção calorosa em Havana selando o reatamento entre os Estados Unidos e Cuba. Mas horas antes o regime comunista de Cuba prendeu dezenas de manifestantes que participavam da marcha das Damas de Branco, mães, filhas, mulheres e irmãs de presos políticos.
É a segunda visita de um presidente americano a Cuba no exercício do mandato. Calvin Coolidge esteve lá em janeiro de 1928, numa viagem marcada por bebedeiras, orgias e fracassos diplomáticos.
Ao longo do caminho de saída do aeroporto, o atual presidente foi saudado aos gritos de "USA! USA!" em vez do "Yankees, go home!" que marcava a visita de autoridades dos EUA na América Latina durante a Guerra Fria.
Obama se encontra amanhã com o presidente Raúl Castro, sacramentando o reatamento de relações diplomáticas anunciado pelos dois em 17 de dezembro de 2014. Hoje ele esteve com o arcebispo de Havana, Jaime Ortega, um dos mediadores do reatamento, e visitou a Velha Havana com a mulher, Michelle, e as filhas, Malia e Sasha.
Na terça-feira, Obama se reúne com dissidentes, inclusive com Berta Soler, líder das Damas de Branco. A prisão, observa o jornal The New York Times, é uma amostra dos desafios que o presidente terá ao negociar com os irmãos Raúl e Fidel sem esquecer os compromissos com a defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
Também na terça-feira, o presidente americano fará um discurso no Grande Teatro Alicia Alonso transmitido ao vivo pela televisão cubana.
"Esperávamos uma trégua", admitiu o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, Elizardo Sánchez, lembrando que as prisões aconteceram "no momento em que Obama estava no ar rumo a Cuba".
A segurança e o controle são as marcas da visita. Quando Obama assistir depois de amanhã um jogo de beisebol entre a seleção cubana e o Tampa Bay, da Flórida, todo o estádio será tomado por convidados oficiais.
No sábado, Sánchez foi preso e separado da mulher durante três horas e meia no aeroporto de Havana. A polícia disse que estava "retido", não "detido". Enquanto copiavam todos os seus documentos, o presidente da Comissão de Direitos Humanos foi proibido de telefonar.
"É este o clima de intimidação criado pelo governo para a visita de Obama", comentou ele. "Vemos hoje uma repressão preventiva para que nada aconteça enquanto Obama estiver aqui".
Cuba tinha uma relação colonial com os EUA, que entraram em guerra com a Espanha para dar independência à ilha.
Em 1959, a revolução liderada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara derrubou o ditador Fulgencio Batista, apoiado pelos EUA. No ano seguinte, Fidel confiscou as propriedades de americanos na ilha e se aproximou da União Soviética. O presidente Dwight Eisenhower congelou os bens de cubanos nos EUA, impôs um embargo econômico e cortou relações diplomáticas, em 1960.
A fracassada invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, quando exilados cubanos tentaram invadir a ilha com o apoio da CIA (Agência Central de Inteligência), aumentou a hostilidade, que chegou ao máximo de 14 a 27 de outubro de 1962. O mundo nunca esteve tão perto de uma guerra nuclear.
Os EUA descobriram que a URSS estava instalando mísseis nucleares em Cuba. Isso daria aos soviéticos capacidade de lançar um primeiro ataque que poderia ser decisivo numa guerra nuclear, neutralizando a superioridade americana em mísseis de longo alcance.
No momento mais quente da Guerra Fria, o presidente John Kennedy impôs um bloqueio naval a Cuba ameaçando revistar qualquer navio para impedir a entrada de mísseis nucleares e componentes na ilha. Um submarino soviético preparou o disparo de um míssil, mas seu comandante foi prudente e evitou a Terceira Guerra Mundial.
Quando os EUA estavam prestes a invadir Cuba, a URSS recuou e fez um acordo tácito de retirada dos mísseis em troca do fim do apoio a tentativas de invasão.
Os EUA também retiraram mísseis nucleares de curto alcance de uma base militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mas eles eram obsoletos e seriam desativados de qualquer jeito. Fizeram mais para dar uma justificativa para o recuo do líder soviético Nikita Kruschev.
Não adiantou. Dois anos depois, em 1964, Kruschev foi derrubado por Leonid Brejnev, que reinaria supremo até 1982, período de estagnação e prelúdio do fim do comunismo soviético.
Antes da Crise dos Mísseis, em 7 de fevereiro de 1962, o embargo econômico dos EUA a Cuba passou a ser total. Desde 1992, o embargo é lei aprovada pelo Congresso. Com a Lei Helms-Burton, desde 1996, só pode ser revogado quando todos os presos políticos forem libertados e forem realizadas eleições livres, democráticas e pluripartidárias na ilha.
Com o fim da URSS, em 1991, Cuba perdeu seu maior patrocinador, que lhe dava cerca de US$ 5 bilhões por ano em petróleo barato, assistência e serviços médicos, por exemplo.
No ano 2000, Fidel fechou um acordo com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que substituiu a URSS. Passou a fornecer petróleo barato em troca do intercâmbio de médicos e outros profissionais cubanos, inclusive do setor de segurança. Com a crise terminal do regime chavista, o reatamento com os EUA dá uma boia de salvação ao regime comunista. Ao mesmo tempo, leva de volta à ilha o poder subversivo do dólar.
Depois de deixar o poder por força de uma hemorragia intestinal em 31 de julho de 2006, Fidel Castro passou definitivamente a presidência ao irmão em fevereiro de 2008. Raúl promete cumprir dois mandatos e transferir o poder há uma nova geração. É nesta mudança de gerações que Obama aposta.
Com a crise econômica e a necessidade do regime comunista de demitir 1 milhão de funcionários públicos Raúl autorizou a volta de pequenas empresas. Bares, restaurantes, lojinhas, oficinas mecânicas marcam a volta ainda tímida mas definitiva do capitalismo à ilha.
Em seu último Discurso sobre o Estado de União, Obama pediu ao Congresso o fim do embargo, mas a oposição republicana não aceita isso antes da democratização do país. O presidente americano tenta consolidar o reatamento de relações com o fortalecimento dos laços culturais e econômicos entre os dois países.
No ano passado, as embaixadas foram reabertas. Há poucos dias, os EUA suspenderam restrições de viagem. Os voos comerciais diretos foram retomados em fevereiro de 2016. No segundo semestre deste ano, a expectativa é de que haja cerca de 100 voos diários entre EUA e Cuba.
Com medo de que o pleno restabelecimento de relações altere a política de asilo dos EUA para cubanos, aumentou a tentativa de atravessar em barcos precários os 144 entre e ilha e o continente. Na sexta-feira, a Guarda Costeira dos EUA resgatou 18 cubanos no Estreito da Flórida. Outros nove morreram afogados.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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