terça-feira, 5 de março de 2013

Vice-presidente Maduro anuncia morte de Hugo Chávez

Depois de expulsar dois adidos militares dos Estados Unidos acusando-os de tramar um golpe de Estado, o vice-presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acaba de anunciar a morte do presidente Hugo Chávez Frías, que tinha 58 anos e estava no poder há 14 anos.

Mais cedo, ao expulsar os diplomatas americanos, Maduro afirmou que Chávez foi envenenado, como teria acontecido com o líder palestino Yasser Arafat, em 2004. Pode ser seu primeiro salvo na campanha eleitoral para suceder o presidente morto.

A Venezuela deve realizar novas eleições dentro de 30 dias. Com a comoção causada pela morte de Chávez, o vice-presidente é o favorito. Foi apontado hoje como sucessor por Chávez com o apoio do líder cubano Fidel Castro.

Os dois assessores americanos teriam se aproximado de oficiais da Força Aérea para conspirar contra o governo, aproveitando-se da doença do presidente, que lutava há dois anos contra um câncer abdominal. Maduro declarou não haver dúvida de que a doença do presidente foi resultado de uma trama de seus inimigos, reporta a televisão estatal britânica BBC.

Com seu movimento bolivarista, Chávez revolucionou a esquerda na América Latina, dando-lhe nova vida depois da queda do Muro de Berlim e o triunfo das políticas econômicas neoliberais inspiradas pelo Consenso de Washington.

A partir de uma forte aliança com o regime comunista de Cuba, ele tentou criar o "socialismo do século 21", uma opção mais nítida depois do fracassado golpe de Estado de 2002, apoiado pelos EUA. Foi também uma manipulação da herança do libertador Simón Bolivar, que nunca foi socialista nem antiamericano.

DA PRISÃO AO PALÁCIO
Chávez nasceu em 28 de julho de 1954. Menino pobre, sonhava em ser jogador de beisebol, o esporte mais popular do país por causa da influência dos EUA. Acabou entrando para o Exército. Ele ficou famoso por liderar uma tentativa de golpe fracassada contra o então presidente Carlos Andrés Pérez em 4 de fevereiro de 1992.

Pérez, um veterano populista de esquerda, se reelegera presidente prometendo resistir às políticas liberais advogadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas, ao assumir o poder, tomou uma série de medidas impopulares, como um grande aumento nos preços dos combustíveis, o que provocou violentas manifestações de rua.

Mais de 300 pessoas morreram no Caracazo, em fevereiro de 1989. Indignado, o coronel Chávez decidiu ali iniciar sua marcha rumo ao Palácio Miraflores.

Preso na tentativa de golpe de 1992, Chávez foi à televisão para denunciar a hipocrisia dos partidos políticos e pedir desculpas à população. Foi o suficiente para se tornar líder da oposição.

Após dois anos de prisão e de uma anistia concedida pelo presidente Rafael Caldera, Chávez começou a articular sua campanha presidencial. Em 1998, contou com o apoio de amplos setores da classe média descontentes com a corrupção para sua primeira eleição e com a queda nos preços de petróleo para cerca de US$ 10 o barril em consequência da crise econômica na Ásia.

No poder, Chávez realizou um plebiscito para convocar uma Assembleia Constituinte e criar uma nova Constituição da República Bolivarista da Venezuela, uma "refundação" do país imitada por seus aliados em outros países, nunca plenamente aplicada porque as ideias políticas do presidente foram evoluindo. Também lançou uma série de programas sociais, as Missões Bolivaristas, com o dinheiro da poderosa estatal PdVSA (Petróleos de Venezuela S. A.).

Sob a nova Constituição, ele foi reeleito pela primeira vez em 2000. Seus programas sociais conseguiram reduzir a pobreza de 50% para menos de 30% da população venezuelana e a pobreza absoluta de 25% para menos de 10%, o que lhe garantiu uma legião de fiéis seguidores dentro e fora da Venezuela.

HERANÇA MALDITA
Sua herança econômica é desastrosa. A economia venezuelana é cada vez mais dependente do petróleo, a produção está em anarquia, a inflação se aproximava de 30% ao ano mesmo antes da recente megadesvalorização do bolívar, que foi lançado como bolívar forte. Há desabastecimento e escassez de energia no país que se gaba de ter as maiores reservas mundiais de petróleo.

Com o forte crescimento mundial do início do século, o preço do petróleo chegou a US$ 147,50 em julho de 2008, transformando Chávez, na definição do intelectual e político mexicano Jorge Castañeda em um "Perón com petróleo".

Uma comparação entre os salários reais e a Bolsa de Valores de Caracas indica que a burguesa bolivarista, os empresários amigos do regime, acusado de aumentar a corrupção, ganhou muito mais.

Ao mesmo tempo, a violência e a criminalidade não combatidas pelo socialismo bolivarista levaram a uma triplicação do índice de homicídios. A Venezuela tem um dos três maiores índices de mortalidade violenta do mundo.

Hugo Chávez tornou-se o maior ídolo da esquerda latino-americana. Com seu estilo militarista e caudilhesco, dividiu profundamente a sociedade venezuelana criando um clima de confrontação. Depois de morte de 15 pessoas em conflitos de rua em que estavam envolvidos os Círculos Bolivaristas, a milícia chavista, em 11 de abril de 2002, um golpe de Estado afastou o presidente por 48 horas.

GOLPE FRACASSADO
O golpe, apoiado pelos governos americano de George W. Bush e espanhol de José María Aznar fracassou quando o presidente da federação empresarial Fedecámaras, Pedro Carmona, que havia usurpado o poder, anunciou o fechamento da Assembleia Nacional e do Tribunal Supremo.

Com seus partidários nas ruas, Chávez voltou ao Palácio Miraflores e se tornou mais radical e especialmente mais antiamericano, fazendo alianças com a Rússia, o Irã, a Coreia do Norte, a Bielorrússia e quem quer que fosse inimigo dos EUA. Em sua obsessão antiamericana, até a hora da Venezuela ele mudou para não coincidir com Miami, Washington e Nova York.

No fim de 2002 e início de 2003, uma greve de trabalhadores da PdVSA contra a manipulação da empresa por motivos políticos levou a uma ampla reestruturação da estatal. Com o afastamento de uma série de técnicos e gerentes, a companhia teria perdido em qualidade, mas se tornou o grande instrumento da revolução chavista.

Diante do fracasso do golpe e da greve, a oposição apostou numa arma do próprio Chávez, o referendo revogatório, para anular o mandato do presidente. Mas, em agosto de 2004, ele conquistava mais uma vitória eleitoral e preparava o caminho para mais uma reeleição em 2006.

POLÍTICA EXTERNA
Na América Latina, além de financiar Cuba com petróleo subsidiado, apoiou a eleição de seus aliados Evo Morales na Bolívia, em 2005, e Rafael Correa no Equador, em 2007, e Fernando Lugo no Paraguai, em 2008, além de financiar as campanhas de Daniel Ortega na Nicarágua e de Cristina Kirchner, que suspendeu hoje todas as suas atividades na Argentina em sinal de luto.

Mas a vitória da Ollanta Humala no Peru marcou uma derrota ideológica do chavismo. Humala foi apoiado por Chávez em 2006 e seu apoio contribuiu na derrota para Alán García e de nove em 2011. Eleito, Humala abandonou o radicalismo de Chávez e optou pelo modelo lulista, combinando a economia do mercado com investimentos sociais.

Um dos momentos mais lembrados pelos adversários foi a repreensão de Chávez pelo rei Juan Carlos, da Espanha, na 17ª Conferência Ibero-Americana, realizada em Santiago no Chile. O presidente venezuelano criticava o ex-primeiro-ministro José María Aznar por seu apoio ao golpe de 2002 no momento em que o então primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero fazia seu pronunciamento.

Irritado, o rei disparou sua famosa pergunta: Por que não te calas? Chávez foi deselegante e quebrou o protocolo. Mas tinha motivos para protestar. Sua vida esteve ameaçada no golpe.

Outro momento histriônico do comandante da revolução venezuelana foi quando comparou o então presidente americano George W. Bush ao demônio. Durante discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de setembro de 2006, Chávez disse que o púlpito ainda cheirava a enxofre porque "ontem o diabo esteve aqui".

REELEIÇÃO SEM LIMITES
A primeira e única derrota eleitoral de Chávez seria num referendo em 2007 para promover uma ampla reforma constitucional, mudando o regime de propriedade, num total de 69 medidas para implantar o "socialismo do século 21" e permitir a reeleição ilimitada do presidente.

Outro referendo, em 15 de fevereiro de 2009, autorizou reeleição sem limites. Na época, Chávez prometia governar até 2030 para consolidar sua revolução bolivarista. O câncer diagnosticado em 2011 abortou esse projeto.

Hugo Chávez seria eleito presidente da Venezuela pela quarta vez Em 7 de outubro de 2012, com 54% votos contra 45% para o governador Henrique Capriles, de 40 anos, que tentou usar seu vigor físico como argumento de campanha indo a 300 cidades venezuelanas.

Mal de saúde, Chávez usou e abusou da máquina estatal e da distribuição de benesses com dinheiro público para se reeleger. Mas não chegou a tomar posse. Em dezembro do ano passado, ele foi para Cuba, onde foi submetido à quarta cirurgia para tratamento do câncer. Durante o período pós-operatório, teve uma infecção respiratória. Teria metástases no abdome e nos pulmões.

Sem condições de tomar posse em 10 de janeiro, como previa a Constituição, Chávez teve seu mandato renovado automaticamente pelo Tribunal Supremo, que alegou que ele já era presidente. Há 15 dias, voltou à Venezuela, onde estava internado no hospital militar de Caracas, provavelmente para morrer em casa, dentro da estratégia do regime para se perpetuar no poder.

Morre Chávez, mas o chavismo fica. É uma mistura de nacionalismo, populismo, caudilhismo latino-americano e do mal definido "socialismo do século 21".

Como o coronel Juan Domingo Perón e sua segunda mulher, María Eva Duarte de Perón, a Evita, na Argentina, o espectro de Hugo Chávez vai assombrar por muito tempo a política da Venezuela e da América Latina.

Por uma ironia da História, Chávez morreu no mesmo dia em que o ditador soviético Josef Stalin, 60 anos atrás.

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