No primeiro depoimento no processo do general Efraín Ríos Montt, um índio maia contou ontem como sua aldeia foi arrasada em 1982 por militares que empilharam os corações arrancados de suas vítimas em cima de uma mesa e incendiaram suas casas, no interior da Guatemala. É o primeiro ex-ditador latino-americano julgado por genocídio.
A Guatemala viveu a mais sangrenta guerra civil da Guerra Fria na América Latina, que começou em 1954, com o golpe contra o presidente Jacobo Arbenz, articulado pelos Estados Unidos depois que ele iniciou uma reforma agrária em fazendas da companhia United Fruit. Em 1960, grupos de esquerda iniciaram uma luta armada que perdeu a força com a volta da democracia à Guatemala em 1986 e a assinatura de um acordo de paz em 1992, depois de cerca de 200 mil mortes.
Ríos Montt aterrorizou o país mais rico e mais populoso da América Central durante um ano e meio, do golpe de 23 de marco de 1982 até ser derrubado por outro general, Oscar Mejía Víctores, em 8 de agosto de 1983.
"Muitas mulheres morreram porque estavam preparando a massa para fazer tortilhas quando os soldados chegaram e não puderam correr", testemunhou Nicolás Brito, da tribo ixil lembrando o ataque contra a aldeia Canaque, no município de Santa María Nebaja. "Os soldados arrancaram os corações das vítimas, os colocaram em cima de uma pequena mesa e os empilharam".
A defesa rejeitou as alegações: "Ninguém jamais ouviu um pronunciamento dele dizendo: 'Matem os ixils! Exterminem os ixils!' José Efraín Ríos Montt nunca deu uma ordem verbal ou escrita mandando exterminar os ixils neste país", afirmou o advogado Francisco García Gudiel pouco antes de ser expulso do tribunal por discutir com o juiz.
Momentos antes do início da primeira audiência, Ríos Montt trocou sua equipe de defesa. O novo advogado entrou com uma série de recursos tentando suspender o julgamento por supostos erros processuais, informa a agência Associated Press.
Sem prova material de que o ditador teria ordenado os massacres da população indígena guatemalteca, a promotoria está apelando para a teoria do "domínio do fato". Tentam mostrar, analisando a cadeia de comando do Exército da Guatemala na época, que o general Ríos Montt não podia ignorar os crimes cometidos por seu governo.
Estive na Guatemala em 1982, durante o governo Ríos Montt. Quase todos os dias havia notícias em jornais sobre desaparecimento de pessoas. Um americano que dava aulas de inglês falava no assunto com um representante comercial guatemalteco que se hospedava no mesmo hotel:
- De onde vêm esses sequestradores? De outro planeta?
- Deve ser, Max - respondia o guatemalteco sem confirmar explicitamente para não se comprometer. Todos associavam as atrocidades a Ríos Montt. Seu julgamento por genocídio é um momento histórico.
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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