Além da disputa entre o ex-presidente populista Alan García e o candidato ultranacionalista e neopopulista Ollanta Humala, também está em jogo hoje, no segundo turno da eleição para a Presidência do Peru, o modelo de integração da América do Sul: o social-democrata representado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil; Michelle Bachelet, do Chile; e Tabaré Vásquez, do Uruguai; ou o neopopulista e nacionalista dos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez; e da Bolívia, Evo Morales.
Para o jornalista e analista político Gustavo Gorriti, uma vitória de Humala, da União pelo Peru, teria grande impacto sobre a eleição presidencial no Equador, em outubro. As relações entre os Estados Unidos e o Equador estão abaladas desde que o governo Alfredo Palacio rompeu um contrato e expulsou do país a companhia petrolífera americana Occidental.
Depois de ir a La Paz, a capital da Bolívia, Chávez passou por Quito, a capital equatoriana, na semana passada. Redobrou os ataques a Alan García e defendeu sua tese indigenista num país onde mais da metade da população e mestiça e 25% são índios. Uma vitória do chavismo no Peru e no Equador isolaria a Colômbia, onde o direitista Álvaro Uribe, maior aliado dos EUA na América do Sul, acaba de ser reeleito com 62,2% dos votos no primeiro turno
Como o Banco Central do Peru acumula reservas cambiais de US$ 16 bilhões, Gorriti raciocina que Humala terá três anos para aplicar políticas populistas sem danos econômicos aparentes. "Quando a festa se acabar, já terá havido uma Assembléia Constiunte", disse o jornalista ao jornal espanhol El País. A exemplo da Venezuela e da Bolívia, uma das propostas da campanha do ex-oficial que tentou derrubar o então presidente Alberto Fujimori em 2000 é reescrever a Constituição.
"Se Alan García se eleger, o que é mais provável, será um freio ao projeto de Chávez. Será uma grande pedra no seu sapato", analisa Norberto Consani, do Instituto de Relações Internacionais de La Plata, na Argentina. "Não está claro onde irá. Alan García é imprevisível, como a maioria dos presidentes da região. Pode manter o Tratado de Livre Comércio com os EUA mas também pode levar em conta que os EUA têm uma imagem muito desgastada neste momento na região."
O presidente da Venezuela interferiu abertamente na política peruana, atacando García, que chamou de corrupto, ladrão e cachorrinho de madame do presidente americano George W. Bush, ameaçando romper relações com o Peru caso ele seja eleito.
García dissera que Chávez não tinha autoridade para criticar os acordos de livre comércio com os EUA negociados bilateralmente pela Colômbia e pelo Peru porque a Venezuela vende dezenas de bilhões de dólares em petróleo anualmente para os EUA.
Chávez acabou batendo boca como atual presidente peruano, Alejandro Toledo, e isto prejudicou Humala. O nacionalismo peruano atingiu o candidato ultranacionalista, que quer estatizar os recursos naturais do país, porque ele pareceu subordinado a um chefe de Estado estrangeiro.
O Brasil torce discretamente por García. Lula ficou calado, mantendo a tradição da política externa brasileira de não-ingerência nos assuntos internos dos países vizinhos. No Chile, Bachelet impediu que o ex-presidente peruano Alberto Fujimori usasse seu país como base para influir nas eleições peruanas. Os dois países têm um importante litígio territorial desde a Guerra do Pacífico (1879-84), quando o Chile tomou território do Peru e da Bolívia, que perdeu sua saída para o mar.
Com a Bolívia em sua órbita, Chávez dedica-se a seus candidatos no Peru e no Equador, o que pode transformar a região andina na sua área de influência, dividindo a América do Sul entre o Cone Sul e os Andes, considerando-se que Argentina e Chile são geograficamente dois países andinos mas não membros da Comunidade Andina.
Ironicamente, Chávez acaba de bombardear a Comunidade Andina de Nações, anunciando a retirada da Venezuela, porque Colômbia e Peru fecharam acordos de livre comércio com os EUA, optando por se integrar ao Mercosul. Humala é a favor da CAN e não quis se comprometer na campanha com a proposta de Chávez e do líder cubano Fidel Castro, apoiada por Morales, da Alternativa Bolivarista para as Américas.
Alan García, do Partido Aprista (de APRA, Aliança Popular Revolucionária Americana, o grande partido populista peruano, de Victor Raúl Haya de la Torre), fez um governo desastroso de 1985-90, marcado pela guerra civil com o Sendero Luminoso e uma hiperinflação de 7.000% ao ano. Seu partido é membro da Internacional Socialista, de quem recebeu apoio explícito. Hoje ele defende o acordo com os EUA.
"Com Humala, o Peru seria outro elo do eixo energético-ideológico Havana-Caracas-La Paz", entende Alejandro Corbacho, professor da Universidade Cema. "Se García ganhar, espera-se uma inserção no mundo multilateral e uma boa relação com os EUA".
Este é o blog do jornalista Nelson Franco Jobim, Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, ex-editor internacional do Jornal da Globo e da TV Brasil, ex-professor de jornalismo e de relações internacionais na UniverCidade, no Rio de Janeiro. Todos os comentários, críticas e sugestões são bem-vindos, mas não serão publicadas mensagens discriminatórias, racistas, sexistas ou com ofensas pessoais.
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